Assunto: Violência, o momento da tolerância zero
Como é do conhecimento público, tem-se registado um aumento significativo de casos de agressões a profissionais de saúde, designadamente médicos. Estamos perante crimes públicos repugnáveis e condenáveis, que infelizmente não têm merecido a devida atenção e uma intervenção urgente por parte do poder político.
Nesse âmbito, julgamos por bem relembrar, de forma simplificada, alguns apoios e procedimentos disponíveis, bem como práticas defensivas em nome da segurança de todos nós e dos nossos doentes.
A Ordem dos Médicos, no quadro das suas atribuições e competências, contratou há mais de uma década um seguro contra agressões do qual beneficiam todos os médicos e disponibiliza, também aconselhamento jurídico aos médicos (vide anexos 1, 2 e 3). Mais recentemente, em meados de 2019, criámos ainda um Gabinete de Apoio ao Médico, que está disponível através do e-mail gabineteapoiomedico@ordemdosmedicos.pt e que pretende densificar e agilizar a resposta em casos de violência física, psicológica e também de burnout.
Sem prejuízo do já mencionado, não podemos deixar de alertar que, no exercício das suas funções, todos os médicos devem exigir a garantia de segurança clínica e física e, quando tal não for cumprido, devem de imediato dar conhecimento à Ordem dos Médicos (VER MINUTAS disponíveis neste separador do site nacional).
Não é aceitável que quem está a servir a causa pública e a salvar vidas não veja a sua própria vida protegida.
MEIOS DE DEFESA DO MÉDICO PERANTE AGRESSÕES FÍSICAS, DIFAMAÇÕES, INJÚRIAS, AMEAÇAS E COAÇÕES NO EXERCÍCIO DA SUA PROFISSÃO
Como tem sido noticiado em múltiplos órgãos de comunicação social registou-se, com especial incidência nos últimos meses, um significativo aumento de casos de agressões graves a profissionais de saúde, designadamente médicos.
À semelhança de informação já produzida pelo Departamento Jurídico em 2018 julgamos oportuno relembrar, de forma relativamente simplificada, alguns conceitos, procedimentos e o facto de a Ordem dos Médicos ter disponível para os seus membros um seguro que cobre estes eventos.
Em termos jurídicos referenciamos, nesta vertente, como crimes mais comuns a violação à integridade física, a difamação, a injúria e a coação.
Vejamos em que consistem estes crimes:
A violação à integridade física consiste na ofensa ao corpo ou à saúde do médico. A violação pode ser simples, grave, ou qualificada nos termos dos elementos constantes dos artigos 143.º, 144.º e 145.º do Código Penal[1] [2] [3].
A difamação concretiza-se perante terceiro, e traduz-se na imputação ao médico de facto que não corresponda à verdade ou na formulação, sobre o médico, de um juízo ofensivo da sua honra ou consideração (artigo 180.º do Código Penal) [4].
A injúria traduz-se na imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou no uso de palavras ofensivas da honra ou consideração do médico (artigo 181.º do Código Penal) [5].
A difamação e a injúria podem manifestar-se verbalmente, por escrito, por gestos, por imagens ou por qualquer outro meio de expressão.
É ainda punível a ameaça à prática de crime contra a vida, à integridade física ou à liberdade, de forma a provocar medo ou inquietação ao médico (artigo 153.ºdo Código Penal) [6].
É, também, punível criminalmente a coação quando o médico seja constrangido a praticar ou não executar determinado ato (artigo 154.º do Código Penal) [7].
Dito isto, julgamos relevante fornecer algumas orientações práticas sobre a conduta que o médico deve ter em cada caso.
- Como devo reagir juridicamente no caso de ser vítima de algum destes crimes?
O modo de reacção depende da circunstância de o médico se encontrar a exercer a profissão médica em estabelecimento de saúde integrado no Serviço Nacional da Saúde ou fora dela.
- Como devo reagir perante a prática de algum destes crimes no caso de exercício da profissão médica em estabelecimento de saúde integrado no Serviço Nacional da Saúde?
Em qualquer circunstância o médico deve apresentar queixa, pois só assim há garantia de que o Ministério Público desencadeia o procedimento criminal e exerce em plena autonomia a ação penal.
De notar que, no caso de ofensa à integridade física quando o médico se encontra no exercício da profissão em estabelecimento de saúde do SNS o crime em causa é o de ofensa à integridade física qualificada, ou seja, um crime mais grave, pois a atuação do agressor revela especial censurabilidade (artigo 145.º, n.º 2, conjugado com o artigo 132.º, n.º 2 alínea l), ambos do Código Penal).
- Como devo reagir perante a prática de algum destes crimes no caso de exercício da profissão médica em estabelecimento de saúde privado?
Nestes casos a lei penal considera que, na presença de crimes de difamação e de injúria, é necessário que os médicos apresentem queixa e deduzam posteriormente acusação particular para que o processo possa prosseguir (crime privado).
Já nos casos de violação à integridade física, de ameaça e de coação é somente necessária a apresentação de queixa por forma a que o Ministério Público dê andamento ao processo (crimes semipúblicos).
- O que é a queixa?
A queixa é a notícia de um crime às autoridades competentes e, simultaneamente, uma manifestação de vontade por parte do médico de que seja instaurado um processo.
Nos crimes semipúblicos e privados se o médico não se queixar não é possível a instauração de um processo.
- Até quando e onde devo apresentar a queixa?
A queixa deve ser apresentada no prazo de 6 meses, a contar da data em que o médico tiver tido conhecimento da difamação ou da data da violação à integridade física, da injúria, ou da ameaça.
Passados os 6 meses, o direito de queixa extingue-se.
A queixa deve ser apresentada:
- No Ministério Público;
- Na Polícia de Segurança Pública (PSP); ou,
- Na Guarda Nacional Republicana (GNR);
No caso de crime de ofensa à integridade física a queixa pode ainda ser apresentada:
- No Sistema de Queixa Electrónica (SQE), disponível em https://queixaselectronicas.mai.gov.pt/
e, - Na Polícia Judiciária (PJ).
A participação crime pode ser apresentada por escrito ou oralmente sendo, neste último caso, reduzida a escrito pelas autoridades competentes.
- O que acontece após a queixa?
Após a queixa o Ministério Público irá levar a cabo um conjunto de diligências com vista à investigação da existência de indícios da verificação do crime, à determinação dos seus agentes e sua responsabilidade e à descoberta e recolha de provas.
No final do inquérito:
- No caso dos crimes semipúblicos (Ofensa à integridade física, ameaça, coação, difamação e injúria – estes se o médico for vítima no exercício das suas funções no SNS ou por causa desse exercício de funções) o Ministério Público arquivará o inquérito (no caso de considerar não existirem indícios suficientes da prática do crime ou que o arguido o não praticou)[8] ou poderá deduzir acusação contra o arguido (no caso de considerar que existem indícios suficientes de se ter verificado o crime) dando assim início ao processo judicial;
- No caso de crimes particulares (difamação e injúria praticados contra médicos que não se encontrem a exercer funções no SNS ou quando o crime não esteja relacionado com essas funções), o Ministério Público uma vez terminadas as diligências de recolha de prova, notificará o médico para que deduza acusação particular.
- O que é a acusação particular?
A acusação é a concretização da pretensão em submeter o arguido a julgamento.
A acusação diz-se particular quando a sua apresentação pelo médico é elemento essencial para que o processo judicial possa prosseguir e, designadamente, para que o arguido possa ser julgado.
- Que medidas devo tomar no momento exacto da ofensa à integridade física, da injúria ou da ameaça?
Nas situações graves, como defesa e prevenção de prova, o médico deve cuidar de solicitar a presença de terceiro, preferencialmente de outro profissional de saúde ou elemento de segurança da unidade de saúde, caso exista.
No âmbito funcional da instituição, designadamente do Serviço Nacional de Saúde ou em unidades privadas de saúde de média/grande dimensão, recomenda-se ainda a informação do sucedido ao director da unidade ou do serviço e ao conselho de administração, com vista a que estas entidades, tendo conhecimento do sucedido, levem a cabo medidas preventivas adequadas, até porque se trata de situação que entra no conceito de acidente de trabalho ou acidente em serviço
Em qualquer dos casos a prova pode ser documentada fotograficamente.
- Existe algum seguro, aplicável aos médicos, que cubra as agressões físicas sofridas por estes?
Sim, atualmente qualquer médico, inscrito na Ordem dos Médicos, que exerça funções em instituições de saúde do setor público, privado e social pode beneficiar de um Seguro de Acidentes Pessoais, contratualizado entre a Ordem dos Médicos e a AGEAS Seguros.
- Qual a cobertura desse seguro de acidentes pessoais?
O seguro atualmente em vigor garante uma indemnização ao médico, enquanto pessoa segura, na sequência de acidentes pessoais ocorridos em Portugal continental e Regiões Autónomas, e provocados, exclusivamente, por agressões físicas no exercício da sua actividade profissional, a qual pode ter como limites os seguintes valores:
- Morte ou invalidez permanente – até 40.000,00 euros;
- Incapacidade temporária absoluta, em caso de internamento hospitalar (subsídio diário) – até 100,00 euros (máximo de 15 dias);
- Despesas de internamento – até 6.000,00 euros;
- Proteção Jurídica – nesta cobertura há que atender ao facto de ela só ser desencadeável se o montante mínimo da reclamação for igual ou superior a 250,00 euros e o montante mínimo para o pedido de indemnização for igual ou superior a dois salários mínimos nacionais à data do litígio. A cobertura de protecção jurídica compreende as despesas judiciais até 4.000,00 euros, nos quais se incluem honorários de advogado, custas judiciais fixadas pelos tribunais e honorários de peritos ou técnicos.
- Como devo proceder, junto da Seguradora, após ter sofrido uma agressão?
Em primeiro lugar o médico agredido deve identificar os responsáveis pelas agressões, fazendo uma súmula com esses dados e ainda com a referência ao local onde os factos ocorreram, o dia e hora em que tiveram lugar e outras circunstâncias que entendam relevantes, designadamente a indicação de testemunhas ou outras provas. Poderá, então, dirigir-se à AGEAS Seguros e à Inter Partner Assistance que faz a cobertura de protecção jurídica, dando notícia sumária da ocorrência e, se for o caso, de que pretende constituir advogado.
A participação à Inter Partner deve ser feita pelo médico antes de constituir advogado, sob pena da cobertura de proteção jurídica não produzir efeitos.
De seguida deve participar os factos às autoridades policiais, nos termos já acima referidos, solicitando cópia dos autos policiais para juntar à participação de sinistro feita à seguradora.
Posteriormente poderá constituir advogado da sua confiança.
O Consultor Jurídico
Paulo Sancho
14.02.2020
[1] Artigo 143.º
Ofensa à integridade física simples
1 – Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 – O procedimento criminal depende de queixa, salvo quando a ofensa seja cometida contra agentes das forças e serviços de segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas.
3 – O tribunal pode dispensar de pena quando:
- a) Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou
- b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.
[2] Artigo 144.º
Ofensa à integridade física grave
Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a:
- a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente;
- b) Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;
- c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou
- d) Provocar-lhe perigo para a vida;
é punido com pena de prisão de dois a dez anos.
[3] Artigo 145.º
Ofensa à integridade física qualificada
1 – Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:
- a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º;
- b) Com pena de prisão de 1 a 5 anos no caso do n.º 2 do artigo 144.º-A;
- c) Com pena de prisão de 3 a 12 anos no caso do artigo 144.º e do n.º 1 do artigo 144.º-A.
2 – São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º
[4] Artigo 180.º
Difamação
1 – Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 – A conduta não é punível quando:
- a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
- b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 – A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
[5] Artigo 181.º
Injúria
1 – Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
2 – Tratando-se da imputação de factos, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo anterior.
[6] Artigo 153.º
Ameaça
1 – Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 – O procedimento criminal depende de queixa.
[7] Artigo 154.º
Coacção
1 – Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 – A tentativa é punível.
3 – O facto não é punível:
- a) Se a utilização do meio para atingir o fim visado não for censurável; ou
- b) Se visar evitar suicídio ou a prática de facto ilícito típico.
4 – Se o facto tiver lugar entre cônjuges, ascendentes e descendentes, adoptantes e adoptados, ou entre pessoas, de outro ou do mesmo sexo, que vivam em situação análoga à dos cônjuges, o procedimento criminal depende de queixa.
[8] Caso o médico não se conforme com o arquivamento sempre poderá reclamar para o superior hierárquico do Procurador Adjunto que tenha proferido o despacho de arquivamento ou requerer a abertura de outra fase processual – a instrução. Em qualquer dos casos deve previamente consultar um advogado.
Anexamos as minutas que podem ser adaptadas pelos médicos nas seguintes situações:
1 – situações em que o médico queira pedir escusa de assistência a um determinado doente em resultado de ofensas praticadas que quebram a necessária relação de confiança, pedindo que o retirem da sua lista de utentes:
2 – situações em que o médico queira pedir isenção de responsabilidade por sentir que não existem condições que garantam a segurança porque sinta que há limitações ao exercício profissional ou às regras de boa prática médica e de segurança, por temer constantemente pelas consequência dos seus atos, ainda que estes sejam os que se impõem pela boa prática médica:
A queixa deve ser apresentada no prazo de 6 meses, a contar da data em que o médico tiver tido conhecimento da difamação ou da data da violação à integridade física, da injúria, ou da ameaça.
Passados os 6 meses, o direito de queixa extingue-se.
A queixa deve ser apresentada:
- No Ministério Público;
- Na Polícia de Segurança Pública (PSP); ou,
- Na Guarda Nacional Republicana (GNR);
No caso de crime de ofensa à integridade física a queixa pode ainda ser apresentada:
- No Sistema de Queixa Electrónica (SQE), disponível em https://queixaselectronicas.mai.gov.pt/
e, - Na Polícia Judiciária (PJ).
A participação crime pode ser apresentada por escrito ou oralmente sendo, neste último caso, reduzida a escrito pelas autoridades competentes.
Como se pode ler no documento anexo, a pensar na proteção dos médicos, a Ordem e a Ageas disponibilizam a todos os inscritos na OM um seguro que os protege em caso de acidente por agressão física quando desempenham a sua atividade profissional em Portugal. Este documento inclui informação sobre coberturas e indemnizações garantidas, obrigações da pessoa segura, explicação das situações em que está garantida a cobertura de proteção jurídica e custos suportados pelo seguro e contactos para mais informações.
Download das condições do seguro: 2020- seguro Ap Agressão
Como se pode ler no documento anexo, o seguro de acidentes pessoais que é oferecido pela Ordem dos Médicos, garante as indemnizações devidas em consequência de Acidentes Pessoais ocorridos em Portugal e provocados, exclusivamente, por agressões físicas sofridas pelas Pessoas Seguras, quando no exercício da atividade profissional de médico.
Anualmente, a Ordem dos Médicos como tomador do seguro fornece à AGEAS a listagem das Pessoas Seguras que estão protegidas por esta apólice.
Download das condições do seguro: 002307105379_AP_CP_Agressão_2020
Se é médico e foi vítima de algum incidente de violência no local de trabalho, por favor, faça a notificação através deste LINK.
OBRIGADA!