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Impossibilidades Informáticas no Distrito de Beja

Impossibilidades Informáticas no Distrito de Beja
– a transformação progressiva dos médicos em burocratas informáticos –

A implementação de novas aplicações informáticas nomeadamente SAM, SAPE, etc…, decorreu razoavelmente bem até ao último ano, com a participação empenhada dos profissionais, apesar de algumas imperfeições, quer na operação informática quer no excessivo volume de dados a registar que a implementação das NOC e a imposição de contratualização obrigam.
Porém, um pouco por todo o país, actualmente os médicos reportam uma progressiva e importante diminuição do tempo disponível para a interacção com o doente para poder satisfazer a catadupa de registos inerentes a cada programa e cada consulta.
A aplicação PEM veio agravar dramaticamente o problema, sendo reportado um enorme aumento do tempo necessário para a prescrição médica e frequentíssimas falhas do sistema e da integração desta aplicação de receituário com as restantes aplicações informáticas.
Isso traduz-se numa sobrecarga técnica (tendo em conta que, para efectuar o mesmo número de atendimentos, a demora global ao fim do dia de trabalho atinge frequentemente mais do que uma hora, com evidente diminuição do tempo disponível para interagir com o doente), mas também uma inaceitável sobrecarga emocional, pela consciência de se poderem cometer erros iminentes, dada a dispersão da atenção e a ansiedade daí decorrentes.
Em muitas instalações dos Cuidados de Saúde Primários, a reduzida largura de banda informática para os Centros de Saúde, por activação de mais postos de trabalho e maior complexidade dos programas informáticos, e a desadequação do hardware levou a uma situação de ruptura total, pelo extremo agravamento das disfunções atrás mencionadas.
No sentido de assegurar, responsavelmente, a assistência médica à população em moldes aceitáveis e tendo em conta que o atendimento de situações urgentes pode ser realizado sem recorrer a meios informáticos, os médicos da UCSP de Beja (Sede e Extensões) suspenderam a partir do dia 27 de Janeiro os atendimentos dependentes de registo informático, na sequência de decisão da sua Coordenadora, mantendo a assiduidade total ao serviço e assegurando todas as situações de doença aguda e receituário premente.
Deram desta decisão conhecimento ao Conselho de Administração (CA) da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (ULSBA) e aguardam que estes constrangimentos sejam resolvidos de modo a poderem retomar logo que possível a actividade clínica em moldes normais e em que a qualidade dos seus actos seja integralmente reposta, assim pretendendo ver preservados, também, o respeito devido à sua dignidade profissional e o respeito pelos utentes.
Sublinhe-se, por fim, que, com contornos diversos é certo, estas dificuldades não se confinam ao Concelho de Beja: idênticos problemas se vivem na USF Alfa Beja e no Hospital José Joaquim Fernandes, desta cidade. Em relação a este, transcreve-se o que um Colega hospitalar, pertencente ao Conselho Distrital de Beja, informou:
«Em termos hospitalares, as principais queixas prendem-se com a utilização do portal de C.I.T. (Certificados de Incapacidade Temporária), com o S.I.C.O (Sistema de Informação dos Certificados de Óbito) e com uma muito interessante particularidade do sistema ALERT.
Em relação aos CIT, é necessário sair do portal “Sclinic”, entrar no portal específico do C.I.T., introduzir a password, de seguida introduzir o número de beneficiário do doente, esperar que esteja tudo bem inserido no que aos dados do doente diz respeito, e só de seguida se pode começar a preencher o certificado para a incapacidade temporária. Tal situação implica perca de tempo e é, no mínimo, caricata, pois no Sclinic, existe, para cada doente, um link directo para o portal C.i.T., mas que no momento actual simplesmente não funciona.
No que concerne as certidões de óbito, é “obrigatório” o médico conhecer o nome dos pais e o estado civil do doente, pois caso não indique estes dados e opte pela opção de filiação e estado civil desconhecidos (opção esta que está disponível seleccionar) o que acontece é que, no dia seguinte, o encarregado da casa mortuária anda o dia inteiro atrás do médico para que este corrija a certidão de óbito e coloque o nome dos pais e o estado civil do doente. Caso contrário, a certidão de óbito é inválida. Provavelmente, dito desta maneira, não parecem grandes problemas, mas se às 3 da manhã, com 2 politraumatizados graves que chegam à sala emergência, temos o cirurgião de urgência desesperado a tentar preencher uma certidão de óbito, que não consegue porque não sabe o estado civil de um doente, já se conseguirá perceber melhor. Ou então quando temos 20 doentes á espera na consulta e mais 5 altas para dar no piso e a maior parte do tempo é passada a esperar que o portal de certificados de incapacidade temporária se digne a abrir, compreende-se bem porque é que cada vez os médicos perdem mais tempo com burocracias informáticas do que a observar e a tratar doentes!
Quanto à “particularidade do sistema ALERT” é tão simples quanto isto: escrevemos a observação, pedimos exames e damos alta/internamos doentes da urgência com o sistema ALERT mas, se precisarmos de passar uma receita do que quer que seja, a qualquer doente da urgência, temos que abrir o SClinic, assumir esse mesmo doente pelo SClinic e passar as receitas pelo SClinic porque o programa ALERT permite, efectivamente, passar receitas, mas a actualização do formato das receitas neste programa não foi feita. Resumindo, todo e qualquer doente da urgência tem que ser assumido no Alert e depois no SClinic para passar qualquer receituário. “Coisa fácil” se tivermos 10 ou mais doentes por ver.»
Em face deste panorama, cada vez mais complexo, difícil, stressante e obrigando a maiores perdas de tempo, a Ordem dos Médicos apela ao Senhor Ministro da Saúde para que não transforme os médicos em burocratas informáticos, para que não sobreponha os indicadores às necessidades dos Doentes e da boa Medicina, para que obrigue a SPMS a resolver todos os constrangimentos informáticos do SNS e para que não faça mais cortes no SNS e invista o que for necessário para dar condições aos Médicos para observarem e tratem os Doentes com Qualidade e Humanismo.
CNE, Lisboa, 5 de Fevereiro de 2014