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COMUNICADO – CLÍNICAS NAS GRANDES SUPERFÍCIES: A SAÚDE A RETALHO

CLÍNICAS NAS GRANDES SUPERFÍCIES: A SAÚDE A RETALHO

O Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos (CNE) não pode ignorar a intenção de um grupo de retalho em investir na abertura de clínicas médicas nas respectivas superfícies comerciais, uma forma de “vender gato por lebre” e transformar a medicina num mero comércio, que será potencialmente prejudicial aos doentes.
De acordo com a informação divulgada por um órgão de comunicação social, o referido grupo económico tem já uma experiência piloto no terreno, em que um enfermeiro procede à avaliação clínica do doente e encaminha-o para uma consulta médica por videoconferência. Ultrapassando a forma, no mínimo inusitada, como o serviço é disponibilizado aos “clientes”, preocupa-nos sobretudo o conteúdo: enfermeiros a praticar actos médicos, como o exame clínico de um doente, e colocar um recurso complementar, como a telemedicina, a servir como primeira linha de diagnóstico, sem possibilidade de intervenção terapêutica ou emissão de receituário, atenta contra as mais básicas orientações da boa prática clínica.
A situação relatada viola de forma objectiva os artigos 94º a 97º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos (CDOM), que regulam a utilização da telemedicina, e não cumpre o dever de protecção de dados e confidencialidade defendido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).
Uma vez mais, as competências específicas e diferenciadas de um médico são ultrapassadas de forma ostensiva, colocando em causa uma garantia de qualidade aos cidadãos, que, mais do que recomendável, é exigível na prestação dos cuidados de saúde. A este nível, Portugal mantém intacta a arbitrariedade legislativa em matéria de Saúde, ignorando uma definição legal de Acto Médico que permitiria definir esferas de intervenção rigorosas nos diversos grupos profissionais do sector. A ausência de legislação específica sobre o Acto Médico é uma inconstitucionalidade que urge reparar para melhor servir os doentes. No nosso pequeno reduto, o legislador prefere validar métodos terapêuticos ditos alternativos, sem aprovação independente, a reconhecer competências técnicas amplamente validadas pela Ciência.
Vemos com igual preocupação a legitimidade técnica destes espaços, uma vez que a legislação em vigor para clínicas e consultórios privados (Portaria n.º 287/2012 com a redacção que lhe foi dada pela Portaria 136-B/2014) é altamente exigente do ponto de vista das especificações técnicas e coloca sérios constrangimentos à prática da pequena iniciativa particular. Estarão estas clínicas a respeitar idênticas regras de licenciamento? Ou, porventura, estão a ser aplicadas regras mais flexíveis, “amigas” do investimento e das grandes empresas? Nesta matéria, o CDOM é claro: no artigo 24º, referente à localização do consultório, assinala-se que este “não deve situar-se no interior de instalações de entidades não médicas (…) nomeadamente as que prossigam fins comerciais”. Entendemos, por isso, solicitar desde já esclarecimentos à ARS Lisboa e Vale do Tejo, bem como à Entidade Reguladora da Saúde, sobre as condições de licenciamento da referida clínica instalada em Almada.
Na perspectiva do CNE, associar a prestação de cuidados médicos a uma actividade de comércio a retalho constitui uma flagrante violação deontológica da nossa profissão e a definitiva imposição de um modelo mercantilista na Saúde. Apelamos, por isso, a que todos os médicos, sem excepção, cumpram o seu dever ético-deontológico e não pactuem com este tipo de exercício clínico de intuitos meramente lucrativos.
A confirmação da existência de publicidade enganosa (anúncio de “consulta médica” realizada por enfermeiro) e do respectivo crime de usurpação de funções, será alvo dos respectivos procedimentos jurídicos junto das instituições e órgãos competentes.
A má prática médica, nomeadamente a violação grosseira do artigo 33º (condições de exercício da medicina) do CDOM entre outros, será alvo dos respectivos procedimentos disciplinares na Ordem dos Médicos.

Porto, 4 de Setembro de 2014, o Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos