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The Lancet: artigo esclarece mensagem incorreta, difundida pelos Media, que colocou Portugal como o terceiro pior país, em alegadas práticas de “violência obstétrica”

Carta ao Editor publicada na Lancet esclarece mensagem incorreta, difundida nos órgãos de comunicação social nacionais, que colocou Portugal como o terceiro pior país, em alegadas práticas de “violência obstétrica”, desvirtuando uma análise efetuada num estudo que incluiu 12 países europeus

Uma carta ao Editor publicada na Lancet [1] esclarece uma mensagem incorreta, repetidamente difundida nos principais órgãos de comunicação social nacionais [2], que colocou Portugal como o terceiro pior país em práticas que os difusores designaram de “violência obstétrica”, desvirtuando uma análise efetuada num estudo que incluiu 12 países europeus, publicado em fevereiro de 2022, na referida revista [3].

Os autores da Carta ao Editor [1], João Bernardes, presidente do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia, da Ordem dos Médicos, e Ana Reynolds, ambos professores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, clarificam que, ao contrário do que foi noticiado, Portugal apresentou resultados globalmente iguais ou superiores à mediana dos países incluídos no estudo onde figuram países como a Suécia, a Noruega, a Alemanha, a França, a Itália e a Espanha, entre outros. Nos casos submetidos a cesariana eletiva, Portugal foi mesmo igual ou superior aos outros países, em todas as variáveis analisadas [1].

A mensagem errada sobre a realidade portuguesa, que os intervenientes nos meios de comunicação social nacionais difundiram, baseou-se em erros grosseiros de análise da publicação da Lancet [3], que suscitaram a Carta ao Editor de Bernardes e Reynolds [1].

1- O artigo da Lancet [3] foi e continua a ser citado pela comunicação social nacional como uma referência sobre o que se passa em termos da designada “violência obstétrica”. Contudo, o artigo, intitulado “Quality of facility-based maternal and newborn care around the time of childbirth during the COVID-19 pandemic: online survey investigating maternal perspectives in 12 countries of the WHO European Region”, nunca refere a palavra “violência” [3]. Nesse aspeto, o artigo da Lancet está alinhado pela orientação conceptual defendida pelo Colégio da Especialidades e outras organizações mundiais [4], ao contrário que que repetidamente a imprensa portuguesa tem divulgado, quando enfatiza posições de que existe um desalinhamento conceptual do Colégio em relação às organizações referidas. Em Portugal, e na generalidade dos países Europeus, a violência obstétrica, seja por ação ou omissão, não existe como prática instituída, ao contrário do que acontecerá com a maior parte das grávidas do mundo, expostas a mortalidades maternas e perinatais com valores perturbantes, a par do desrespeito pelos direitos humanos, nomeadamente de acesso à saúde e à justiça. Em Portugal e na maior parte dos países europeus, as práticas de violência obstétrica são punidas, quer pelos Conselhos Disciplinares da Ordem dos Médicos, quer pelos Tribunais [4].

2- A Carta ao Editor, publicada por Bernardes e Reynolds [1], clarifica que, no estudo europeu publicado na Lancet [3], Portugal ocupou uma das melhores posições, e não uma das piores, em termos de qualidade de prestação de cuidados obstétricos durante o período em análise relacionado com a Pandemia da Covid-19.

3- Também fica claro na referida Carta ao Editor [1] (e na resposta que lhe foi dada, pelos autores do artigo [5]) que a comunidade científica lamenta que o artigo tenha sido mal utilizado pela comunicação social portuguesa [1,5].

4- Com o intuito de tornar o artigo publicado mais consistente, esclarecedor e aplicável à prática clínica (e não com o intuito de diminuir a relevância de um artigo publicado numa das melhores revistas científicas mundiais), a Carta ao Editor [1] deixa ainda claro que é fundamental que os estudos façam a devida contextualização dos assuntos de que tratam, não só em relação à amostragem, como também aos resultados. Na resposta dada à Carta ao Editor, os autores do artigo reconhecem este aspeto e informam que ao artigo que publicaram se sucederão novos artigos com mais dados para a devida contextualização [5].

Ninguém mais do que o Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos tem lutado por uma maior humanização dos cuidados maternos e perinatais, seja pelas exigências de dotação de recursos humanos adequados (bem formados, sem equipas deficitárias e sem horas excessivas de trabalho), seja pela disponibilização de instalações condignas, seja ainda pela denúncia e condenação dos que não cumprem as boas práticas, em desfavor da grávidas e das suas famílias [4].

Referências

1- Bernardes J, Reynolds A. Science and beyond science in the reporting of quality of facility-based maternal and newborn care during the COVID-19 pandemic. Lancet Reg Health Eur. 2022 Sep;20:100487. doi: 10.1016/j.lanepe.2022.100487. Epub 2022 Aug 10. PMID: 35967982; PMCID: PMC9364746.

2- Media news title: “Portugal com taxas de violência obstétrica acima da média Europeia”, 10 fevereiro de  2022. Available from: https://wwwrtp.pt/noticias/pais/portugal-com-taxas-de-violencia-obstetricaacima-da-media-europeia_v1383483. Acedido em 30 de maio de 2022.

3- Lazzerini M, Covi B, Mariani I, Drglin Z, Arendt M, Nedberg IH, Elden H, Costa R, Drandić D, Radetić J, Otelea MR, Miani C, Brigidi S, Rozée V, Ponikvar BM, Tasch B, Kongslien S, Linden K, Barata C, Kurbanović M, Ružičić J, Batram-Zantvoort S, Castañeda LM, Rochebrochard E, Bohinec A, Vik ES, Zaigham M, Santos T, Wandschneider L, Viver AC, Ćerimagić A, Sacks E, Valente EP; IMAgiNE EURO study group. Quality of facility-based maternal and newborn care around the time of childbirth during the COVID-19 pandemic: online survey investigating maternal perspectives in 12 countries of the WHO European Region. Lancet Reg Health Eur. 2022 Feb;13:100268. doi: 10.1016/j.lanepe.2021.100268. Epub 2021 Dec 24. Erratum in: Lancet Reg Health Eur. 2022 Jul 22;19:100461. PMID: 34977838; PMCID: PMC8703114.

4- Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos. “Parecer do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos sobre o Projeto de Lei n.º 912.XIV PAN 2021. Disponível em https://ordemdosmedicos.pt/wp-content/uploads/2017/09/Parecer-Projeto-Lei-912XIV-2.pdf Acedido em 6 de setembro de 2022.

5- Lazzerini M, Costa R, Mariani I, Vik ES, Elden H, Linden K, Zaigham M, Liepinaitienė A, Arendt M, Drglin Z, Sacks E, Lincetto O, Valente EP; IMAgiNE EURO Study Group. Science and beyond science in the reporting of quality of facility-based maternal and newborn care during the COVID-19 pandemic-Authors’ reply. Lancet Reg Health Eur. 2022 Sep;20:100488. doi: 10.1016/j.lanepe.2022.100488. Epub 2022 Aug 18. PMID: 35996590; PMCID: PMC9386305.