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Tabagismo e os Cuidados de Saúde Primários

Autora: Raquel Lisboa, Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Monte Crasto (ACeS Gondomar)

 

Segundo Organização Mundial de Saúde (OMS) o tabaco continua a ser uma das principais causas evitáveis de doença e de morte prematura.1 As estimativas da OMS apontam para mais de 8 milhões de mortes por doenças associadas ao tabaco por ano, em todo o mundo. Em comparação com o resto do mundo, a região europeia apresenta uma das proporções mais elevadas de mortes atribuíveis ao tabaco, representando 16% de todas as mortes em adultos com mais de 30 anos.2 Em 2017, de acordo com estimativas do Instituto para as Métricas e Avaliação em Saúde, morreram em Portugal mais de 13 mil pessoas por doenças atribuíveis ao tabaco.

Por outro lado, as intervenções para controlo do tabagismo são consideradas a segunda forma mais efetiva de investimento dos recursos financeiros em saúde, a seguir à imunização infantil.3 Em Portugal, no atual contexto organizativo do Sistema Nacional de Saúde (SNS), são os Médicos de Família (MF) que apresentam o maior potencial de ação na área do tabaco.4

Existem 2 tipos de intervenção na abordagem do fumador. A intervenção breve, que é dirigida a todos os fumadores, é uma abordagem rápida (3 a 10 minutos) e pode ser realizada em qualquer consulta por todos os profissionais de saúde. A eficácia desta intervenção situa-se entre os 2-3%. Já a intervenção intensiva, tem como alvo fumadores motivados, é mais demorada (mais do que 20 minutos) e realizada por equipas especializadas que baseiam a sua atuação no apoio comportamental intensivo e eventual farmacoterapia, com uma eficácia que ronda os 20-40%.5

Nos últimos anos, tem aumentado os locais de Consulta de Apoio Intensivo à Cessação Tabágica (CAICT) a nível dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) e das unidades hospitalares do SNS, tendo-se registado uma subida de 4.917 em 2010 para 12.961 em 2018 no número de primeiras consultas.6

No ACeS de Gondomar, a CAICT teve início em novembro de 2017 e eu tive o privilégio de integrar este desafio no ano de 2019. Com a colaboração de uma enfermeira e duas secretárias clínicas, realizei no período de 6 meses, 32 consultas presenciais e 20 contactos telefónicos. Os utentes avaliados (n=16) tinham em média 46.8 anos de idade (mínimo 24 e máximo 64 anos de idade), 57.1% dos utentes eram do sexo feminino, tinham em média 23.1 anos de consumo, e uma carga tabágica média de 27 Unidades Maço Ano (UMA).

A principal motivação para a abstenção foi a preocupação com o estado de saúde, seguindo-se o preço elevado associado ao consumo de tabaco. Os principais motivos de referenciação foram: fumador com consumo superior a 20 cigarros/dia e HTA não controlada.

O fármaco mais prescrito foi a vareniclina (n=11) seguindo-se os substitutos de nicotina (n=2), e em 2 utentes, recorreu-se apenas à abordagem não farmacológica. Os principais sintomas de privação relatados pelos utentes foram ansiedade (37.5%) e irritabilidade (14.3%).

6 utentes encontravam-se em abstenção tabágica, no final do período de 6 meses (37.5%), nomeadamente há 1 mês (n=1), 2 meses (n=3), 3 meses (n=1) e 4 meses (n=1). 5 utentes desistiram na segunda (n=3) e terceira consulta (n=2).

A luta contra o tabagismo é complexa e enfrenta múltiplos desafios. A iliteracia em saúde, o fácil acesso ao tabaco, o lucro e estratégias de marketing comercial, e mais recentemente, o surgimento de novos produtos de tabaco constituem fortes entraves ao controlo desta problemática. Para os fumadores dependentes, deixar de fumar não é apenas uma questão de “força de vontade”, e assim, todos os médicos e outros profissionais de saúde devem estar familiarizados pelo menos com a entrevista motivacional, intervenção breve e as terapias disponíveis.

As patologias relacionadas com o tabagismo são dos motivos mais importantes de consulta em Cuidados de Saúde Primários. Não obstante, o MF, responsável pelo acompanhamento de uma determinada população ao longo do seu ciclo de vida, tem oportunidade para intervir quer na prevenção quer no tratamento do tabagismo, no âmbito dos vários programas de saúde, encontrando-se numa posição privilegiada para combater este que é um dos mais importantes problemas globais de saúde pública.

 

Referências

1Direção Geral da Saúde. Circular Normativa – Programa tipo de atuação em cessação tabágica nº 26/DSPPS, de 28.12.2007

2Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo em Portugal 2019

3 World Health Organization Regional Committee for Europe – Health 2020. A European policy framework and strategy for the 21st century. 2012

4 Rebelo L. O médico de família e a dependência tabágica. Uma oportunidade de ouro para intervir naqualidade de vida do paciente. Ver. Port. Clín. Geral. 2004. 20: 75-84

5World Health Organization. Policy Recommendations for smoking cessation and treatment of tobacco dependence.2003

6Relatório Anual de Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas. 2018.