A Retinopatia Diabética é uma das complicações mais graves da diabetes; é a causa mais frequente de cegueira entre as pessoas que se encontram na faixa etária da vida activa, sendo por isso um importante problema de saúde pública. Tal como consta na Estratégia Nacional da Saúde da Visão, a retinopatia diabética observa os critérios definidos pela Organização Mundial de Saúde para doença alvo de rastreio de base populacional, uma vez que, sendo uma complicação frequente entre os doentes diabéticos, é diagnosticável numa fase assintomática, tendo tratamento eficaz com elevado custo-benefício.
Sendo a diabetes uma doença crónica, com envolvimento de múltiplos órgãos, a sua abordagem obriga a uma intervenção médica estruturada, muito diferenciada, que passa pelo controlo de numerosos factores de risco, que incluem não apenas a glicémia, mas também a hipertensão arterial, o perfil lipídico e os hábitos tabágicos.
No contexto mais estrito da Retinopatia Diabética, é necessário enfatizar que o risco da sua presença aumenta progressivamente com o tempo de evolução da doença mãe. Por outro lado, uma vez instalada a doença, ela evolui em estádios progressivamente mais graves e mais difíceis de tratar; cada um desses estádios obriga a uma intervenção apropriada e específica em função da sua gravidade, e por isso a uma referenciação para um local (no âmbito do SNS, um serviço hospitalar) com capacidade para tratar de forma integral as complicações diagnosticadas.
É este tipo de intervenção que está preconizada na Estratégia Nacional da Saúde da Visão e na Norma 16/2018 publicada pela DGS: o rastreio da Retinopatia Diabética é realizado no âmbito do SNS, por Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica nos centros de saúde. Os exames obtidos são lidos por um médico especialista em Oftalmologia e particularmente em Retina, que decide qual o nível de cuidados médicos e/ou cirúrgicos que cada um dos doentes necessita; em função dessa decisão, o doente é informado do resultado do exame e recebe automaticamente a marcação de uma consulta especializada num centro com capacidade técnica para os cuidados que necessita, em função da sua proximidade geográfica.
Uma vez implementada de forma uniforme em todo o território nacional, este será seguramente um rastreio de grande qualidade e eficiência ao nível do que de melhor se faz nos países mais evoluídos; uma vez que se trata de um rastreio organizados pelo SNS, garante também a acessibilidade e a equidade para todos os cidadãos independentemente da sua condição socioeconómica e da sua localização geográfica. Tanto quanto possível garante ainda a melhor política possível de proximidade.
O Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, em sintonia com a direção do seu Colégio de Oftalmologia e a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, manifestam por isso a sua indignação pelas notícias trazidas a público pela Correio da Manhã TV em 29 setembro, pelo Jornal de Negócios em 15 de outubro e pela revista Sábado no dia 18 de outubro, na sequência da realização da conferência intitulada “Conferência Retinopatia Diabética – Uma visão de futuro”, organizada pelo Jornal de Negócios, pela revista Sábado e pela Optivisão.
Nos artigos publicados, pretende transmitir-se a ideia (falsa) da importância e da necessidade de envolver estabelecimentos comerciais (lojas de venda de produtos ópticos) na intervenção sobre uma patologia que é inequivocamente da exclusiva competência de médicos especialistas. Comligeireza, um representante da Associação Nacional dos Ópticosrefere que cerca de 20 a 25% dos consultórios de optometria, que maioritariamente são lojas de comércio de produtos ópticox, possuem retinografos. Elísio Lopes, optometrista na Optivisão da Marinha Grande, afirma de forma clara que a retinografia é realizada por optometristas e que quando “diagnosticam” retinopatia diabética, a pessoa é informada e aconselhada a consultar o médico de família ou o oftalmologista.
As declarações produzidas nestes artigos são gravíssimas por várias razões:
(i) a primeira razão, talvez a mais importante de todas, é que, como ficou explicado, a orientação destes doentes deve ser célere, qualificada e eficiente sob o risco de cegueira irreversível; o “rastreio” realizado por ópticos/optometristas é uma intervenção, ineficiente e desresponsabilizada;
(ii) a segunda razão prende-se com o possível conflito de interesses presentes neste tipo de intervenção, quando realizada em estabelecimentos comerciais.
Assim:
O Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, em sintonia com a direção do seu Colégio de Oftalmologia e a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, reiteram que o rastreio, a orientação e o tratamento dos doentes com Retinopatia Diabética são da competência exclusiva dos médicos especialistas em oftalmologia. O envolvimento de outras pessoas neste processo constitui um risco grave para a saúde pública, podendo estar enviesado por interesses comerciais, dos quais os doentes devem ser protegidos.
Lamentamos a presença de alguns oftalmologistas e de um endocrinologista no evento, bem como a sua participação nos artigos publicados. Em todo o caso deve ser enfatizado, que quatro dos oftalmologistas envolvidos, enviaram à direção do Colégio de Oftalmologia e à Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, um memorandum explicativo do contexto em que se viram envolvidos no evento, garantindo que foram surpreendidos com o propósito da organização, e que desse desconforto foi dada nota ao director do Jornal de Negócios.
Os signatários do memorandum lamentam a falta de isenção dos artigos publicados, demarcam-se das posições e afirmações produzidas pelos ópticos/optometristas relativamente ao rastreio da Retinopatia Diabética, defendem o papel do SNS nos cuidados de saúde visual, e manifestam concordância integral com os conceitos e com a estratégia vertidos na Norma 16/2018, publicada em 13 de setembro pela DGS, que define os procedimentos relativos ao rastreio da Retinopatia Diabética no âmbito do SNS.
Finalmente, tendo em consideração as declarações do director de tecnologias da ANO, Sérgio Cabanas, que afirma que cerca de metade dos Consultórios de optometria com retinógrafo fazem a avaliação das imagens obtidas com recurso a inteligência artificial através de um protocolo estabelecido com três entidades portuguesas (a AIBILI, a RetMarker e I30), o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, em sintonia com a direção do Colégio de Oftalmologia e a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, gostariam de ver divulgado o teor desse protocolo, no sentido de acautelar a saúde pública dos portugueses, em especial daqueles que têm critérios para submissão ao rastreio.
A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
O Conselho Nacional da Ordem dos Médicos / Direção do Colégio de Oftalmologia