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Setúbal: “cubículos” e dificuldades nas escalas de urgência

Dos nove médicos que compõem o serviço de Ginecologia/Obstetrícia, cinco irão reformar-se nos próximos quatro anos. Esta foi uma das fundamentais preocupações com que o bastonário da Ordem dos Médicos se deparou numa visita de trabalho ao Hospital de São Bernardo, ocorrida na última segunda-feira (dia 17). Miguel Guimarães advertiu que “se nada for feito nos próximos anos” o hospital terá “de fechar a urgência externa, sendo que este ano já existem dias em que a urgência tem falta de médicos nas escalas”. Também as estruturas físicas, em alguns casos “verdadeiros cubículos”, foram foco de alarme, nomeadamente no serviço de urgência e no laboratório de microbiologia.

 

Limites máximos de horas extraordinárias excedidos e várias escusas de responsabilidade por parte dos médicos – quase sempre respeitantes à violação das equipas-tipo de Cirurgia Geral e de Medicina Interna – foram outras das preocupações que foram chegando à Ordem dos Médicos nos últimos meses e impulsionaram a visita de Miguel Guimarães ao hospital. O bastonário começou por reunir com vários elementos da direção clínica. Desde logo ficou claro que as condições do serviço de urgência eram “críticas” e os espaços físicos “desastrosos”.  O diretor clínico, Nuno Fachada, descreveu o laboratório de microbiologia como um espaço “sem condições” e acrescenta que o hospital onde funciona, por exemplo, a Infeciologia é um “barracão anexo”. A corroborar estas afirmações estava José Poças, diretor de serviço de Infeciologia do hospital e, nesta visita, parte integrante da comitiva da Ordem dos Médicos. “O laboratório de microbiologia é um cubículo”, garantiu antes de considerar também a pressão urbanística como um problema da ampliação. “É um espaço na cidade que simplesmente não tem condições para receber a estrutura”.

Vítor Augusto, diretor do serviço de urgência, indicou que a sobrelotação das enfermarias encontra-se entre os 250% e os 300%. “Se estamos à espera das obras” para solucionar o problema, “ainda vamos esperar mais 3 ou 4 anos”. De acordo com o diretor de serviço, há instalações nos pisos inferiores que poderiam ser aproveitadas como solução intermédia para que seja possível serenar a pressão a que os profissionais estão sujeitos diariamente. “O diretor do serviço de urgência é o saco de boxe e os protestos repetem-se de uma forma quase diária”, confessou. Recorde-se que foi neste hospital que o primeiro caso de violência (concernente a esta recente onda mediática) surgiu.

Sem descurar o “colapso” em que se encontram os serviços de Anatomia Patológica, Radiologia e Medicina Física e de Reabilitação, as atenções acabariam por se centrar em Ginecologia/Obstetrícia uma vez que dos nove médicos que compõem o serviço, cinco irão reformar-se nos próximos quatro anos.

Miguel Guimarães fez questão de visitar o serviço de Ginecologia/Obstetrícia para falar com mais colegas e realizar um levantamento pormenorizado dos constrangimentos mais prementes. Recebido pelo diretor de serviço, Pinto de Almeida, o bastonário da Ordem dos Médicos tomou conhecimento que adicionalmente à iminência da saída de profissionais, apenas 2 dos 9 médicos do serviço têm menos que 55 anos. Travando uma “luta competitiva desleal” com os privados, Pinto de Almeida confessou estar com dificuldades em completar as escalas de urgência já este ano. À data desta visita, em abril havia ainda um dia por preencher, em maio dois dias e, em junho, cinco dias. “A perspetiva de fecho é real”, sublinhou o diretor.

A presença de Miguel Guimarães em Setúbal culminou com uma reunião com várias dezenas de colegas, de várias especialidades. O bastonário mantém, neste novo mandato, a toada de ouvir quem cuida e quem trabalha, no terreno, com quem conhece realmente os constrangimentos, neste caso, do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Na comitiva da Ordem dos Médicos esteve também presente Daniel Travancinha, recentemente reeleito presidente do Conselho Sub-regional de Setúbal. O líder sub-regional salientou o esforço e dedicação dos médicos com mais de 55 anos que continuam a fazer urgências, mantendo assim os serviços abertos. “Alguns fazem mais de 24 horas (de urgência) por semana”, acrescentou.

Já Miguel Guimarães evidenciou que o Hospital São Bernardo está a ser penalizado pela classificação (grupo C) que lhe é atribuída, recebendo compensações financeiras muito inferiores às que são pagas a outras unidades hospitalares públicas pelos mesmos atos médicos. A concluir, afirmou ser “fundamental que o Ministério da Saúde olhe para o Hospital de Setúbal com outros olhos e que os nossos deputados tenham uma preocupação grande para com as condições de dignidade para o exercício da medicina”. É totalmente necessário “fazer alguma coisa pela população de Setúbal e por quem constrói todos os dias o SNS”, terminou.

UCSP São Sebastião (Vale do Cobro): cerca de 50% da população de referência não tem médico de família

No período da tarde a comitiva da Ordem dos Médicos, formada pelo bastonário, Miguel Guimarães, Daniel Travancinha e José Poças, deslocou-se ao Centro de Saúde de São Sebastião (Vale do Cobro) para conhecer as instalações da unidade e falar com os médicos que lá trabalham. Desde logo um dos principais problemas ficou patente: existem 19 mil e 800 pessoas sem médico de família, o que representa quase 50% da população de referência da unidade. A diretora executiva do ACes Arrábida, Bárbara Carvalho, salientou que “esta unidade tem tantos inscritos como toda a população de referência do litoral alentejano”, demonstrando a dimensão das solicitações que chegam todos os dias à UCSP.

Com 11 médicos, a unidade tem boas instalações, mas debate-se com um problema de atratividade para os recém-especialistas. A necessidade das equipas é de mais 9 médicos e outros tantos enfermeiros. Neste sentido, o bastonário salientou que “já existem médicos de família suficientes, não existem é no SNS” (…) “só não existem médicos de família para todos os portugueses porque o Governo não quer”, lamentou.

Recursos humanos envelhecidos, falta de autonomia em termos de gestão financeira e uma baixa literacia de saúde da população, foram outros dos problemas conhecidos durante as reuniões de trabalho.