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Reorganização dos Serviços de Urgência Politrauma

Transcrevemos em seguida a carta do Colégio da Especialidade de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética sobre as notícias relativas a uma potencial reorganização dos Serviços de Urgência Politrauma em Lisboa e o parecer desse mesmo Colégio sobre Urgência de Cirurgia Plástica e Maxilo Facial na ARS Sul e Vale do Tejo.

«Tem a Comunicação Social veiculado notícias sobre uma iminente reorganização dos Serviços de Urgência Politrauma da Área Urbana de Lisboa com encerramento durante o período nocturno dessa vertente de trabalho pelo menos num dos 3 Centros que actualmente prestam assistência oas Politraumatizados no Sul do País não sendo exactamente claro se este encerramento se estenderá também a outro Centro Hospitalar.
O primeiro comentário prende-se com a funcionalidade actual dos Serviços de Urgência que tem sido boa, ultrapassando as limitações em recursos humanos com uma gestão de pessoal adequada, graças aos esforços conjugados das Direcções de Serviço de Cirurgia Plástica dos 3 Centros Hospitalares que têm entre si excelentes relações pessoais e institucionais e uma profíqua prática de articulação informal, não justificando, por si só, qualquer alteração do esquema existente.
O segundo comentário prende-se com os aspectos económicos e, de acordo com um cálculo de que tive conhecimento ofociosamente, o ganho acumulado resultante do encerramento desta e das valências de Cirurgia Vascular e Gastro envolvidas na reorganização referida é residual… num dos centros envolvidos rondario, pasme-se, cerca de 60 mil euros/ano…
Seja como for só o natural e indispensável reforço de equipas de especialidade no ou nos Centros Hospitalares que permanecem abertos, sem falar nas despesas envolvidas com o transporte e circulação de doentes entre instituições resultante da necessidade técnica e deontológica de manter a assistência em post-operatório pelas equipas deslocadas que asseguraram a terapêutica vai arrastar uma despesa incomparavelmente maior.
Isto dito cumpre chamar a atenção para o prejuízo dos Cidadãos que é inevitável…
Numa das Instituições atingida pelo projecto de encerramento as intervenções em Urgência de Cirurgia Plástica e Maxilo-Facial sob Anestesia Geral foram 423 entre Janeiro e Dezembro de 2012, a que acresce um número bem maior de intervenções em Ambulatório de Urgência que os Sistemas de Gestão das Urgências são incapazes de registar… os atendimentos urgentes desta especialidade no SU desta Instituição rondaram neste período  2800 .
Por outro lado a ruptura de assistência no período nocturno levará ao adiamento provável por mais de 24 horas do tratamento de um número indeterminado de doentes com prejuízo grave para o seu conforto mas pior, para o prognóstico clínico, acarretando acumulação de trabalho a montante e, a jusante, um risco de distorções na rentabilidade da actividade de rotina dos Serviços.… Poderia ser escalpelizado o conjunto de razões que a isto obrigam… mas, neste contexto, basta que se refira o facto como inevitável.
Abordado em tempos este modelo no âmbito de Reuniões com a ARS de Lisboa e Vale do Tejo, os Directores dos Serviços de Cirurgia Plástica da área Urbana de Lisboa produziram um documento de reflexão entregue que aponta ainda vários problemas, conhecedores profundos da realidade assistencial, logística e organizativa dos Hospitais e da visão global do panorama da assistência da Especialidade no país
Decerto que pesado o deve e o haver desta alteração e porque nem sempre mudar é bom e nem sempre concentrar é racional económica e funcionalmente, não parece que o esquema ventilado na Comunicação Social traga outra coisa que prejuízos económicos, funcionais e assistenciais tornando-o irracional.
Lisboa 26 de Maio de 2013»

Parecer do Colégio referente a Urgência de Cirurgia Plástica e Maxilo Facial na ARS Sul e Vale do Tejo
Grupo de trabalho de Cirurgia Plástica criado na sequência de Reunião de 13.12.2012
1. Introdução
O serviço de urgência de Cirurgia Plástica e Maxilo-facial deve ser enquadrado numa perspectiva alargada no contexto das urgências polivalentes com capacidade de resposta cabal a doentes politaumatizados ou com monotrauma exigindo cuidados especializados.
Às equipas de urgência de Cirurgia Plástica cabem numerosas tarefas onde se incluem:
a) Serviço urgência a doentes externos de Cirurgia Plástica (CHLCentral) ou Cirurgia Plástica e Cirurgia Maxilofacial  (CHLNorte e CHLO)
b) Serviço de urgência a doentes internos do Serviço (que pode implicar também intervenção cirúrgica);
c) Serviço de urgência a doentes internados noutros Serviços dos hospitais respectivos;
d) Serviço de Urgência à Unidade de Queimados (CHLNorte e CHLCentral) (que implica com alguma frequência necessidade de intervenção cirúrgica).

2. Cirurgia Plástica e Urgência Polivalente
Na cidade de Lisboa estão definidos três centros para o efeito o que implica a existência da especialidade de Cirurgia Plástica nessas mesmas urgências. De outra forma estes doentes não poderão ser tratados pelas razões que abaixo se enumeram:
a) Não é possível dissociar a resposta a este tipo de doentes da presença de uma especialidade como a Cirurgia Plástica uma vez que esta é chamada com muita frequência a intervir de forma isolada ou em parceria com outras especialidades;

b) Esta colaboração não é muitas vezes previsível na avaliação inicial do doente vindo apenas a constatar-se no decurso de intervenções de outras especialidades.             Com efeito é frequente uma outra Especialidade constatar a impossibilidade de encerramento adequado no fim de uma cirurgia por exemplo a um membro ou a identificação de lesão de estruturas nobres subjacentes no decurso dessas mesmas cirurgias e requererem a intervenção da Cirurgia Plástica. Nestes casos é exigível e indispensável a presença destes especialistas. Não constitui forma de tratamento adequado e é claramente má prática protelar a intervenção.

c) A solução de transferência de doentes em caso de necessidade de intervenção de Cirurgia Plástica por ausência no momento de uma Equipa de Especialidade levanta inúmeros problemas entre os quais se destacam:
a. Doentes nos quais, como acima se refere, só se constata a necessidade de intervenção de Cirurgia Plástica no decurso de uma cirurgia;
b. Implicar carga adicional para outras especialidades nos locais onde virá a ser observado pela Cirurgia Plástica. Ou seja, é imposto tratamento do doente a outras especialidades não filiadas às áreas de influência das mesmas criando com frequência desentendimentos entre os profissionais de saúde que com facilidade terminam em transferências sucessivas do doente de forma a ser tratado por diferentes especialidades em diferentes locais; Em última análise resulta prejuízo claro para o doente e para o tratamento.

3. Contabilização do trabalho desenvolvido
A mera enumeração dos actos praticados pelas equipas de urgência é muito deficiente nos diferentes centros por diversos motivos:
a) Os sistemas informáticos existentes apenas permitem o registo da actividade de urgência externa. Mesmo esta é feita de forma muito incompleta pois não permite de forma automática e fiável contabilizar todos os doentes observados pela especialidade;
a. Em alguns Centros (CHLO) a informação não permite registar como envolvendo a equipa de Cirurgia Plástica os pacientes que são referenciados por outra Especialidade após entrada no Serviço de Urgência. Esses doentes ficam contabilizados nessa Especialidade… Isto é uma situação muitíssimo frequente (doentes reenviados da Cirurgia Geral ou da Ortopedia por exemplo) e geralmente acaba por resultar em intervenção cirúrgica que, a maioria das vezes, também pode não ser  registada como actividade da Equipa de Cirurgia Plástica pelas razões que se explicam

b) Em todos os Centros a actividade cirúrgica feita fora do Bloco Operatório Central nas Salas de Cirurgia da própria Urgência sob Anestesia Loco-regional não é considerada intervenção cirúrgica… Esta é, nesta especialidade, importante parcela da actividade cirúrgica e tem por vezes  aspectos complexos merecendo até melhor enquadramento logístico. No entanto o acesso muito dificultado ao bloco operatório por exiguidade generalizada de recursos logísticos e humanos (pessoal de enfermagem) obriga a estas  intervenções complexas nas chamadas salas de “pequena cirurgia“ onde o registo da quantidade e diferenciação dos actos é claramente deficiente. Este facto é penalizante em diversos sentidos uma vez que muitos desses doentes tema alta de imediato sendo contabilizados como meras observações com muitos dos inconveniente que isso acarreta nomeadamente em termos de determinação dos GDH respectivos;
c) A contabilização dos actos praticados em função de grelha horária é completamente inadequada para ser tida em consideração pois a observação pela Cirurgia Plástica é feita habitualmente de forma muito posterior à hora de entrada do doente por razões de diversa ordem onde se inclui a natureza do próprio circuito montado em cada urgência, a observação prévia por outras especialidades ou a necessidade de exames complementares; De facto a realidade desta Especialidade difere da duma Especialidade médico, da oftalmologia, ou ORL… Nestas Especialidades a generalidade dos doentes entra, é observado e sofre no máximo um tratamento feito in-loco de imediato… a hora de entrada em SU é relevante… Mas o doente de CPR e CMF precisa de avaliações multidisciplinares e exames auxiliares prévios e condições (jejum p.e.) que tornam impossível tratar o paciente logo após a entrada… O doente entrado às 20 horas poderá assim ser tratado depois das 00:00 pelo que a hora de entrada nesta especialidade é irrelevante.
d) O problema da contabilização por grelha horária é ainda particularmente exacerbado no que se refere às cirurgias no Bloco Operatório uma vez que com muita frequência são efectuadas durante o período nocturno por razões de dificuldade de acesso ao bloco operatório em qualquer dos centros.

4. Comentários a recursos logísticos e humanos, não referentes à Cirurgia Plástica, dos diferentes centros
a) As actuais urgências não estão dimensionadas para conseguir absorver os doentes afectos a outra das urgências centrais qualquer que seja o período do dia. Com efeito é com extrema dificuldade que a Cirurgia Plástica consegue ter acesso ao bloco operatório sendo muitas vezes remetida para a noite a intervenção em doentes que à muito deram entrada no Serviço de Urgência;
b) Experiências de anos anteriores, mormente nos períodos de Verão, em que se tentou concentrar o trabalho existente em dois centros revelou-se completamente inapropriada pela ausência de condições logísticas em qualquer um dos centros para absorver esse impacto. Esses problemas revelaram-se, nomeadamente, ao nível da acomodação dos doentes na urgência ou acesso ao bloco operatório com prejuízo nítido da qualidade do tratamento.

5. Recursos humanos de Cirurgia Plástica
a. Os actuais recursos de cirurgia Plástica são escassos em cada um dos centros que presta urgência na Cidade de Lisboa;
b. Esta situação tem sido ultrapassada com empenho por cada um dos centros nomeadamente em alturas mais críticas como no Verão;
c. As modalidades anteriormente tentadas como esquemas semanais rotativos ou encerramento temporal dos centros revelaram-se muito problemáticos por diversos motivos entre os quais se contaram:
i. Obrigar a equipas reforçadas (com mais elementos) nos locais com urgência activa de Cirurgia Plástica e manutenção de um elemento de urgência interna nos locais em que a urgência externa estava desactivada. Na prática o número de elementos de urgência era o mesmo.
ii. Revelou clara insuficiência dos recursos locais para acomodar o maior número de doentes nas instalações da urgência e no bloco operatório com tempos de espera inaceitáveis e por vezes com transferência secundária dos doentes;
iii. Sobrecarga mal compreendida e não aceitada por colegas de outras especialidades que eram chamados a intervir criando problemas relacionais entre as diferentes especialidades que por vezes obrigaram a transferência secundária dos doentes;
iv. Chamada de forma abusiva por parte dos chefes de equipa de urgência do elemento de urgência interna de Cirurgia Plástica para resolução dos problemas de urgência colocando um problema legal e ético difícil de ultrapassar a diversos níveis.

6.  Comentários a recursos adicionais potenciais de hospitais ditos não centrais
a. Não têm sido possível mobilizar por diversas ordens de razões (contratuais, saúde, distância, vontade);
b. A serem mobilizados (o que nas situações legalmente possíveis deve ser equacionado, resultando em economia de HE e em facilitação da difícil gestão de recursos humanos dos Hospitais Centrais), deverão sê-lo sob a forma de equipas completas para assegurarem integralmente a assistência no Serviço de Urgência em causa de forma a poderem assumir por completo o tratamento dos doentes afectos ao período em causa nomeadamente no que se refere ao acompanhamento posterior;
Os interesses particulares, nomeadamente no que à rentabilidade respeita, dos hospitais de origem, no entender dos Directores de Serviço dos Hospitais Centrais, deve ceder perante as necessidades básicas do Sistema de Saúde e a urgência é um deles.
c. Não se concorda e não se entende as assimetrias existentes em termos contratuais entre diferentes hospitais afectos ao SNS. Com efeito é responsável por uma perda desproporcionada de jovens especialistas e em idade de fazer urgência para hospitais mais periféricos e em regimes contratuais que os isentam dessa obrigação bem como vencimentos acima dos praticados nos hospitais ditos centrais. É urgente rever esta situação em toda a sua extensão pois conduzirá inevitavelmente ao agravamento da situação.

7. Constituição das equipas e urgência
a. As actuais equipas de urgência em cada centro já se encontram no limiar ou abaixo do aceitável
i. A recomendação técnica da Ordem dos médicos para o efeito é de 2 especialistas e um interno como número mínimo em cada equipa em regime permanente
ii. Nenhum dos centros cumpre esses requisitos de forma sistemática em todos os dias da semana (na verdade em poucos dias isso se verifica de uma forma geral). Alguns não os cumprem nunca (CHLO)
b. Em caso de encerramento de alguma urgência externa (mesmo que apenas durante o período nocturno) no mínimo teria de ficar um elemento de urgência interna, o que merece as seguintes reflexões:
i. Ser insuficiente em caso de necessidade de intervenção cirúrgica (o que não é raro nos dois centros com Unidade de Queimados);
ii. Ser passível de chamadas abusivas ao serviço de urgência externa por parte dos responsáveis desta como referido noutro ponto deste documento;
iii. Constituir um não aproveitamento cabal de recursos porque na maioria das situações constitui já metade da equipa actualmente praticada.

8. Conclusão e recomendações
Tendo em consideração as reflexões acima efectuados entende-se o seguinte:
a) A cada Urgência Polivalente deve corresponder uma área comum a todas as especialidades de forma a evitar que o mesmo doente seja afecto a áreas geográficas de diferentes hospitais;
b) As urgências polivalentes devem obrigatoriamente conter em regime permanente uma equipa de Cirurgia Plástica dimensionada ao volume de trabalho a desenvolver;
c) Nas condições actuais nenhum dos centros hospitalares em Lisboa tem capacidade de absorver cumulativamente os doentes de Cirurgia Plástica de outro centro devido à logística implantada em cada um deles e ao número limitado de especialistas;
d) Com as condições actuais sugere-se a manutenção do funcionamento actual embora que precário em termos de especialistas para o efeito;
e) Devem, pelo menos, ser previstas medidas de contingência em caso de rotura por falta de elementos disponíveis para a urgência em qualquer um dos centros nomeadamente identificado de forma clara os especialistas recrutáveis para o efeito nos hospitais ditos periféricos.