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Reconciliação terapêutica: “Não, não está tudo no computador”.

Autora: Tatiana Macedo Pinto, Médica Interna no 4º ano de MGF na USF Porto Centro

 

RESUMO: A revisitação da medicação atual com o utente em todas as consultas permite minimizar a possibilidade de erros com a mesma. Parece-me ser nosso dever incentivar o utente a ser sempre portador de toda a medicação que usa, já que a maioria dos utentes não a consegue nomear, explicando-lhe a importância desta medida e sugerindo estratégias que facilitem a tarefa, favorecendo a sua colaboração.

 

“Não está aí no computador?” deve ser a resposta mais frequente à pergunta “Então e que medicação está a tomar?”. E, quando vemos que o utente não traz todos os medicamentos e perguntamos se são apenas aqueles, uma das respostas mais frequentes poderá também ser “Só trouxe os que preciso de receita” ou “Só trouxe os da doutora”.

Quantas vezes somos quase afrontados na consulta por insistir para que os utentes sejam sempre portadores de toda a medicação que usam, mesmo que seja só em SOS? Não serei a única a sentir isto, com certeza. Mas, se muitos de nós temem os erros na medicação, há quem nada tema. E, nestas incongruências entre uns profissionais e outros, os utentes escolhem a posição que mais lhes agrada, muitas vezes a mais cómoda, e continuam a não trazer a sua medicação ou a trazê-la compartimentada.

E quantas vezes nos dizem que não tomam nada, mas… abre-se a PEM e parece que se abre uma caixa de Pandora!

A Direção-Geral da Saúde define a reconciliação da medicação como o processo de análise da medicação de um doente, sempre que ocorrem alterações na medicação, com o objetivo de evitar discrepâncias, nomeadamente omissões, duplicações ou doses inadequadas, promovendo a adesão à medicação e contribuindo para a prevenção de incidentes relacionados com a medicação. [i]

Se pensarmos que os nossos utentes são muitas vezes seguidos também noutras consultas, que se aconselham junto do farmacêutico, do médico amigo, da vizinha que tem um problema semelhante, na ervanária, entre outros potenciais conselheiros, podemos concluir que vale a pena revisitar a medicação atual com o utente em todas as consultas. Todas.

É preciso também referir o perigo do “copiar + colar” a medicação dos registos anteriores, confiando que os utentes perceberam tudo e assumindo que estão a fazer tudo bem quando dizem que estão a tomar “a mesma”.

Quantas vezes já nos confrontamos com um utente a tomar a medicação em duplicado porque comprou o mesmo medicamento de dois laboratórios diferentes e não percebeu que era o mesmo princípio ativo? Quantas vezes verificamos que o utente não fez os ajustes de dose recomendados? Quantas vezes nos surpreendemos com transcrições incorretas/desatualizadas?

O risco de sobredosagem e de interações medicamentosas é real e temos de estar atentos.

É importante que o utente traga a sua medicação e nos diga como a está a tomar. Se há utentes que conseguem, apenas com os rótulos, saber como tomam a sua medicação, também há aqueles que precisam de trazer as caixas inteiras para serem capazes de dizer o que estão a fazer, porque precisam de ver os comprimidos na sua forma e cor, entre outras estratégias. Parece-me ser nosso dever incentivar estas práticas, explicar a sua importância e sugerir estratégias para facilitar a tarefa ao utente, favorecendo a sua colaboração.

A utopia seria os utentes chegarem à consulta e serem capazes de, sem hesitações, enumerar toda a medicação que usam. Como a maioria não o consegue fazer, podemos aspirar a que os utentes tragam sempre os rótulos de todos os medicamentos que tomam e saibam dizer, sem hesitação, como tomam o quê. E se todos lutarmos neste sentido, acredito que seja possível.

Uma questão que se levanta, claro, é a do tempo. Não há tempo! Por exemplo, se se tratar de um utente hipertenso, entre medir adequadamente a pressão arterial e verificar a medicação em uso, quase que lá se vão os 20 minutos que temos para uma consulta programada nos Cuidados de Saúde Primários.

Se se perde tempo a rever sempre a medicação? Sim. Mas, se calhar, a questão será mais aquilo que se ganha do que o tempo que se “perde”.

 

Referências:

[i] Direção Geral da Saúde. Norma de Orientação Clínica nº 018/2016 de 30/12/2016: Reconciliação da medicação.