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Rastreio do cancro da mama

Divulgamos em seguida os pareceres das Direcções dos Colégios de Medicina Geral e Familiar, Ginecologia/Obstetrícia e Oncologia Médica sobre estudo publicado no BMJ “Twenty five year follow-up for breast cancer incidence and mortality of the Canadian Nacional Breast Screening Study: randomized screening trial”.

Colégio de Medicina Geral e Familiar
O colégio de Medicina Geral e Familiar, reunido a 16 de Maio de 2014, após leitura e análise do estudo “Twenty five year follow-up for breast cancer incidence and mortality of the Canadian National Breast Screening Study: randomised screening trial”, publicado no BMJ de 2014, é de parecer: trata-se de uma mega investigação, importante, que poderá abrir uma nova perspectiva sobre o rastreio do cancro da mama. No entanto é um estudo limitado à população canadiana. Serão necessários mais estudos no sentido de corroborar que as conclusões deste possam ser extrapoladas para a realidade europeia e portuguesa em particular.
Independentemente da magnitude do estudo entende-se que será prudente aguardar por conclusões que nos permitam alterar a actual posição face ao rastreio do cancro da mama.

Colégio de Ginecologia/Obstetrícia
O Rastreio pela mamografia é consensualmente realizado para detectar carcinomas da mama em fase muito precoce, ainda clinicamente não palpáveis, e contribuir para uma redução da mortalidade em geral.
A maior incidência de cancro da mama surge nas mulheres com mais de 50 anos em cerca de 70-80% e aumenta a incidência à medida que a mulher progride na idade.
Nas mulheres com idade inferior aos 50 anos não tem sido demonstrado tão eficaz o rastreio nos grupos etários entre os 40 e 50 anos.
Aqui a maior densidade do tecido mamário não permite um diagnóstico mais preciso e pode omitir alguns cancros, onde a probabilidade de um rastreio apenas mamográfico pode ser insuficiente e necessitar de um complemento com Ecografia e um exame clinico cuidadoso.
À medida que a mulher se aproxima da menopausa o tecido glandular sofre uma involução e com uma maior proporção de tecido adiposo que necessariamente melhora a interpretação da mamografia.
Actualmente nos últimos anos há uma maior incidência de carcinomas da mama em idades mais jovens, onde a prevalência de lesões benignas é muito maior, e existe uma maior dificuldade de diagnósticos precoces baseados apenas pela mamografia exclusiva.
Os novos programas de rastreio (UK) estão em fase de estenderem gradualmente para idades de 47 aos 73 anos e que será reavaliado em 2016.
Os estudos randomizados de Rastreio em vários países têm sido revistos muitas vezes o que atesta as dificuldades reais de estabelecer normas definitivas.
Todos os rastreio são unânimes em afirmar que existe uma redução na mortalidade que pode variar de 20 a 39%. As variações dependem dos períodos de observações e da população sobre as quais é realizado o rastreio.
Um rastreio também deverá ser adaptado em relação a determinado grupo de mulheres de alto risco.
As controvérsias dos rastreios têm-se mantido pelas análises dos resultados na perspectiva de redução da mortalidade, mas que indiscutivelmente tem a oportunidade de diagnosticar tumores mais precoces, pese embora as características de agressividades dos tumores que não dependem de diagnósticos precoces, mas sim do seu potencial agressivo.
Apostar na Mamografia de rastreio ainda é um caminho seguro.

Colégio de Oncologia Médica
A recente publicação no BMJ sobre este tema, com avaliação da incidência e da mortalidade aos 25 anos, em doentes que se submeteram ou não ao rastreio organizado do cancro da mama, com realização de mamografia versus exame clínico especializado ou auto-palpação, em idades compreendida entre os 40 e 59 anos, veio alertar para um sobre diagnóstico de 22% e sem redução na mortalidade, alegando que os tratamentos adjuvantes são aplicados nos tempos correctos e com terapêuticas avançadas.
Este estudo tem feito sempre parte das diversas análises comparativas sobre a eficácia do rastreio de cancro da mama na diminuição da mortalidade por cancro da mama.
Tem alguns vieses que prejudicam as conclusões que apresentam:
1- Desde o seu início foi acusado de problemas na randomização1
2- Utiliza procedimentos diagnósticos muito antigos (nomeadamente mamografia)
3- Utiliza os grupos etários que normalmente não são englobados em programas de rastreio organizado (40-49) ou estão no intervalo inferior (S0-59), grupos onde reconhecidamente o efeito do rastreio é menor
4- Não faz comparação com mulheres que não realizam mamografias nem qualquer tipo de exploração física
5- Simplifica a definição de “sobrediagnóstico” à diferença entre o número de casos diagnosticados por mamografia e os casos diagnosticados por outros procedimentos físicos
6- Não utiliza outros “marcadores” dos cancros além do tamanho do tumor, número de gânglios invadidos e receptores estrogénicos
Embora seja um tema controverso, muitas outras publicações têm demonstrado um benefício do rastreio mamográfico, com redução de cerca de 31% na mortalidade das doentes com cancro da mama (Swedish Two-County Trial: lmpact of mammography screening on breast câncer mortality during 3 decades- RSNA, 2011)
Doris Schopper, Chris de Wolf. How effective are breast cancer screening programmes by mammography? Review of the current evidence. European Journal of cancer, 2009; 45, 1916-1923, é outro estudo publicado neste sentido.
O BJC em 2011, publicou um artigo de G van Schoor et al, sobre a avaliação do programa de rastreio organizado conduzido entre 1970 e 1980 na Holanda, demonstrando 20 a 30% de redução na mortalidade por cancro da mama, nas mulheres entre os 50-69 anos. Estes resultados levaram à implementação de programas de rastreio de cancro da mama, em larga escala na Europa, América do Norte e Austrália (Shapiro et al, 1998). A avaliação subsequente destes programas mostrou idêntico benefício na mortalidade por cancro da mama nas doentes rastreadas (Demisse et al, 1998; Gabe and Duffy,2005).

As diferentes conclusões sobre o papel destes rastreios organizados estão inerentes às diferenças do desenho dos estudos e do método de análise. A intensidade do screening (tempo de intervalo entre as mamografias- anualmente vs 24 a 33 meses), a idade das mulheres rastreadas, estando demonstrado que em idades mais jovens (<50 anos) os falsos positivos mamográficos são mais elevados, a experiência dos radiologistas, são factores que podem induzir estas divergências.

A educação, a facilidade de diagnósticos precoces na população geral, sem rastreio, é variável de país para país. A diferença na mortalidade por cancro da mama em tumores ≤ a 2 cm vs tumores de maiores dimensões é substancial. O pressuposto deste artigo agora publicado no BMJ não é uniformemente aplicável, visto que é sabido que nem todas as mulheres fazem o auto-exame e muitas outras não frequentam consultas médicas especializadas, como no ramo de controlo daquele artigo.
A revisão dos vários estudos controversos publicados e comparados, entre outros, concluem que as mamografias eram benéficas para as doentes.

Resumindo:
1- A redução da mortalidade é sobretudo função de dois factores muito importantes (muito difícil estimar a contribuição isolada deles): rastreio organizado e avanços terapêuticos (e maior acessibilidade aos cuidados de diagnóstico)
2- O rastreio “organizado” é muito melhor que o rastreio “oportunístico”
3- Há avaliações recentes independentes: inglesa (The benefits and harms of breast cancer screening: an independente review, 2012) e holandesa (Health Council of the Netherlands. Population screening for breast cancer: expectations and developments. The Hague: Health Council of the Netherlands, 2014; publication no. 2014/01)
4- Que há dezenas de meta-análises que mostram o benefício do rastreio “organizado”

Em Portugal o diagnóstico precoce por cancro da mama, em mulheres fora de qualquer programa de rastreio organizado, é bastante inferior ao desejável, com implicação na mortalidade, por ausência da realização de auto-exame e principalmente pela dificuldade de acesso e ou falta de regularidade das consultas especializadas.
Exemplos de artigos em que os programas portugueses são referidos (com resultados):
Giordano L, von  Karsa L, Tomatis M, Majek O, de  Wolf C, Lancucki L,  et  al. Mammographic screening programmes in Europe: organization, coverage and participation. J Med Screen. 2012;19 Suppl 1:72-82.

Tõrnberg S, Kemetli L, Ascunce N, Hofvind S, Anttila A, Seradour B, et aL. A pooled analysis of interval cancer rates in six European countries. Eur J Cancer Prev. 2010 Mar;19(2):87-93.
Tõrnberg S, Codd M, Rodrigues V, Segnan N, Ponti A. Ascertainment and evaluation of interval cancers in population-based mammography screening programmes: a collaborative study in four European centres. J Med Screen. 2005;12(1):43-9.

Klabunde CN, Sancho-Garnier H,  Broeders M, Thoresen S,   Rodrigues VJ, Ballard­Barbash R. Quality assurance for screening mammography data collection systems in 22 countries. lnt J Technol Assess Health Care. 2001Fall;17(4):528-41
Alves JG, Cruz DB, Rodrigues VL, Gonçalves ML, Fernandes E. Breast cancer screening in the central region of Portugal. Eur J Cancer Prev. 1994 Jan; 3 Suppl 1:49-53.

Assim, consideramos importante a realização do rastreio à população portuguesa.

1 Norman Boyde, The review of randomization in the canadian National Breast Screening  Study. Is the debate over? Can Med Assoe J  1997; 156(2); 207-9