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Plataformas de apoio à decisão clínica deviam ser disponibilizadas já

Que necessidades existem no nosso sistema de saúde e que soluções digitais estão já identificadas? Esta foi uma das perguntas que serviu de base ao webinar organizado pela AESE Business School, em parceria com a Pfizer, altura em que foram apresentados os resultados do trabalho “PADIS Digital Healthcare”. O bastonário da Ordem dos Médicos integrou um dos painéis de debate do evento, que decorreu na quarta-feira, dia 21 de abril, e defendeu que existem já muitas plataformas de apoio à decisão clínica e que deveriam ser disponibilizadas de forma gratuita aos médicos e aos cidadãos, com as necessárias adaptações, como propôs a Ordem dos Médicos ao Ministério da Saúde há mais de dois anos.

O projeto, desenvolvido pela AESE e agora apresentado, foca-se na transformação digital na área da saúde. Através de focus group envolvendo diversos stakeholders, foram analisadas as necessidades existentes ao nível da cadeia de valor de prestação de cuidados de saúde, assim como da cadeia de valor da indústria farmacêutica. Adicionalmente foram identificadas ideias de novas soluções ou enquadradas as soluções já existentes. O webinar começou precisamente com uma síntese de oito ideias de correntes do trabalho, apresentadas por Rui Mesquita, professor da AESE:

  • Consolidação e integração de informação clínica dos utentes acessível para introdução de dados e consulta de informação pelos vários profissionais de saúde independentemente do nível de cuidados e de prestadores públicos ou privados.
  • Evitar deslocações desnecessárias dos utentes ao hospital, apostando na hospitalização domiciliária, telemedicina e outros serviços de assistência no domicílio.
  • Soluções de Business Inteligence e Inteligência Artificial que possam dar informação em tempo real aos profissionais de saúde sobre informação clínica priorizada e necessidades do utente e informação agregada aos decisores, auxiliando a tomada de decisão assertiva e adequada.
  • Integração de informação recolhida pelos doentes em dispositivos (smartphones, smartwatches e IoT) e aplicações com o objetivo de melhorar a prevenção, o diagnóstico e a gestão da doença.
  • Análise de processos e sistemas atuais de forma a melhorar a experiência dos utilizadores.
  • Ferramentas de avaliação da adesão à terapêutica e reconciliação de medicação.
  • Utilizar a tecnologia para libertar os clínicos de burocracias de forma a que possam dedicar mais tempo de qualidade aos doentes.
  • Falta de literacia do cidadão de como navegar o sistema de saúde, assim como prestar auto-cuidados.

O painel de debate para o qual foi convidado o bastonário da Ordem dos Médicos contou também com o presidente dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, Luís Goes Pinheiro, com o presidente da Autoridade Nacional do Medicamento, Rui Santos Ivo, e com a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins.

Miguel Guimarães defendeu que muitas ferramentas de digitalização estão já disponíveis, mas que falta vontade de as aplicar de forma generalizada, bem como investimento. Como exemplo positivo, salientou que “Portugal é um país de topo na desmaterialização das receitas médicas”, mas alertou que as mudanças devem sempre ter em vista o bem maior dos doentes. “A tecnologia pode servir para consolidar a relação médico doente e não o contrário”, defendeu, apelando a que seja utilizada para libertar os médicos de tarefas burocráticas. O bastonário citou também uma capa emblemática da revista Time, de 2017, alertava que não estávamos preparados para a próxima pandemia – não pela ciência, mas por falta de vontade política.

O presidente da SPMS adiantou que, neste momento, e também fruto da parceria, muito do esforço está a ser feito em projetos que evitem deslocações desnecessárias dos doentes aos cuidados de saúde. “O registo clínico é um trabalho inacabado e fundamental para prestar melhores cuidados de saúde”, defendeu ainda, acrescentando que estão também a procurar integrar a informação dispersa relativa aos meios complementares de diagnóstico e terapêutica que os cidadãos realizam. Questionado sobre o papel que a SPMS pode ter em termos de inovação, Luís Goes Pinheiro elegeu a “disponibilização de dados para serem transformados em informação”. “Há dinheiro e contexto de mentalidade que pode ajudar na transformação. Sejamos todos capazes de aproveitar”, acrescentou.

Na sua intervenção, o presidente do Infarmed mostrou-se otimista em relação aos tempos que vivemos. “Há momentos que catalisam grandes transformações”, disse, lembrando o exemplo de 1960 com a talidomida, transformador da forma de atuar dos reguladores, acreditando que a pandemia também marca uma nova era. Para Rui Santos Ivo, a Covid-19 demonstrou que “temos de desenvolver um sistema que permita ligar todos os elos, da indústria, aos distribuidores, passando pelos fabricantes de matérias primas, etc.”

Já a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos defendeu que deve existir mais ligação e partilha de informação entre todos os atores do sistema de saúde, apontando diversas vantagens a uma “rede inteligente e colaborativa”. “No fim do dia são os cidadãos que têm de lucrar com a melhoria dos outcomes”, lembrou Ana Paula Martins, reforçando que humanização tem de continuar a ser central nas várias reformas.

Nas conclusões, o bastonário da Ordem dos Médicos alertou que falta regulação na medicina à distância, lembrando que é essencial que a segurança seja mantida na telemedicina. “Não temos regras objetivas em Portugal, nem em muitos países da Europa”, disse, considerando ainda que “a política continua a atrapalhar” o avanço de muitos dossiers transformadores, nomeadamente a criação e um processo clínico do doente transversal aos vários hospitais e prestadores, sejam do setor público, social ou privado. “Estamos no tempo em que precisamos do just do it, do faça-se acontecer”, sintetizou.

O segundo painel de debate contou com Tamara Milagre, da associação Evita, com Duarte Santos, da Associação Nacional de Farmácias, e com Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. A representante dos doentes pediu uma participação mais ativa dos cidadãos nas decisões de saúde. Já Duarte Santos defendeu que a capilaridade das farmácias pode e deve ser aproveitada para chegar aos cidadãos e melhorar a literacia, lembrando que “não vale a pena usar a mesma fórmula para todas as pessoas”, com o país a ter várias realidades distintas. Por último, Alexandre Lourenço destacou que os dados que existem muitas vezes não são aproveitados para fundamentar as decisões, como acabou por acontecer na pandemia. “As regras de financiamento e contratualização é que definem o que se faz ou não se faz e são condicionadas pelo Ministério das Finanças”, avançou, apelando a uma mudança que acabe com a fragmentação de cuidados.

As conclusões foram apresentadas por Paulo Teixeira, diretor-geral da Pfizer Portugal, que defendeu a necessidade de existirem mais parcerias e que extravasem o Serviço Nacional de Saúde, insistindo, como foi dito nos debates, que muita da tecnologia já existe, está é por aplicar. A fechar, José Fonseca Pires, professor da AESE, sublinhou a “grande vantagem de trabalharmos em parceria” e reiterou que o sistema de saúde sai beneficiado se mantivermos a capacidade de conjugar visões alargadas e profundas.