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Plano de incontingência

Autor: Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos

*Artigo publicado no jornal Público no dia 11/08/2018

 

Nos dias mais quentes deste verão, logo no arranque de agosto, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) deu mais uma prova da sua fragilidade. Analisando o impacto do calor e da mortalidade, entre 5 e 7 de agosto, “houve uma variação diária, no conjunto, de mais de 500 óbitos registados”, como confirmou a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas. E se não são conhecidas as exatas causas e conjuntura destas mortes, não será difícil deduzir que a grande maioria decorrerá de circunstâncias relacionadas com o calor extremo sentido num país que viu muitas das suas localidades registarem temperaturas a rondar os 45 graus. E como atuou o Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde (DGS)? Como de costume. Por estranho que pareça, a expressão é mesmo essa: como se de um calorzinho usual de verão se tratasse. O Estado deve ser proativo na proteção dos seus cidadãos. Mas a DGS, cujas principais atribuições e missões passam por, e transcrevo, “regulamentar, orientar e coordenar as atividades de promoção da saúde e prevenção da doença, definir as condições técnicas para adequada prestação de cuidados de saúde, planear e programar a política nacional para a qualidade no sistema de saúde”, foi quase e apenas… reativa.

Pois está certo que houve campanhas a promover a ‘megabebida’ que é a água, as usuais recomendações para evitar as praias naqueles horários que (quase) todos conhecemos, as sugestões para as roupas leves e claras, enfim, o clássico. Sem originalidade, manteve-se o tom do costume, a dizer o mesmo de sempre. A repetição é importante para passar a mensagem, é verdade, mas mais importante ainda seria — isso sim, uma verdadeira originalidade! — a antevisão dos problemas. Para se arranjarem, de facto, soluções. Por esses dias, foram muitas as unidades de saúde do país que receberam os seus doentes — crianças, idosos e doentes crónicos, muitos deles com muitas debilidades respiratórias — em ambientes de total estado de ebulição, com temperaturas (interiores) acima dos 35 graus centígrados. Um verdadeiro verão a ferver dentro dos próprios hospitais e centros de saúde para doentes, médicos e todos os profissionais de saúde.

Que tal, por antecipação, começar a pensar-se, com tempo, em acautelar o estado das ditas “condições técnicas para adequada prestação de cuidados de saúde”? Que me dizem ao “planeamento de uma política nacional para a qualidade no sistema de saúde” que verdadeiramente garanta que os hospitais e centros de saúde do país têm as condições mínimas de atendimento aos seus doentes, em questões (aparentemente) tão elementares como a adequação das temperaturas das suas infraestruturas? Que tal, numa próxima oportunidade, um verdadeiro plano de incontingência? Ou a certeza de que o verão — e o calor e as temperaturas extremas — vão voltar a acontecer. Podem é, pelo menos, ficar ao ar livre.