+351 21 151 71 00

Oncologia: “Políticos deviam assumir quando não dão acesso a medicamentos por dinheiro”

 

“O acesso às terapêuticas inovadoras em Oncologia: o presente e o futuro”. Este foi o mote da mesa de debate que decorreu no dia 14 de fevereiro, no Porto, integrada na 8.ª edição da conferência Perspetivas em Oncologia e que foi antecedida por uma homenagem à oncologista Margarida Damasceno. O bastonário da Ordem dos Médicos foi um dos convidados e defendeu mais transparência na forma como é gerido o acesso à inovação terapêutica. “Os nossos governos não são sérios nem transparentes. Os políticos deviam assumir quando não dão acesso a medicamentos por dinheiro. Não devem vir para a comunicação social dizer que há acesso a tudo, quando na realidade há uma série de barreiras”, disse Miguel Guimarães.

No mesmo debate, o bastonário criticou que os pareceres da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) possam ir contra decisões tomadas por grupos oncológicos altamente diferenciados e que “conhecem como ninguém o seu doente e o impacto da medicação escolhida”. Miguel Guimarães aproveitou a ocasião para lamentar, uma vez mais, a aprovação da nova Lei de Bases da Saúde que “aposta menos na ciência e mais na pseudociência” – para depois condenar que o Estado invista em terapêuticas sem validade ao mesmo tempo que coloque barreiras na oncologia.

Para o bastonário, é fundamental que haja “clareza e transparência” em todo o processo, mas, também, que se olhe mais para o dinheiro gasto em saúde como um investimento e não como uma despesa, relembrando os casos inadmissíveis em que se rejeitaram medicamentos essenciais por os doentes ainda não estarem em “risco iminente de vida”. Miguel Guimarães recordou o Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela NOVA Information Management School (NOVA-IMS), publicado em abril de 2019, e que concluiu que cerca de metade do valor investido no Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 2018 retornou, no próprio ano, para a economia, graças ao impacto positivo que os cuidados de saúde tiveram no absentismo laboral e na produtividade dos portugueses. No total, terão voltado para a economia nacional 5,1 mil milhões de euros.

A mesma mesa contou com intervenções do presidente do Infarmed, Rui Ivo, do presidente da Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica, Carlos Lima Alves, e do Coordenador da Unidade de Oncologia do Hospital Lusíadas, Paulo Cortes, que foi também presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia.

Na sua intervenção, Rui Ivo concordou que o caminho passa por tornar pública a informação dos pareceres, mas garantiu que a equipa do Infarmed conta com peritos externos que analisam os processos sem conflitos de interesses. O presidente do Infarmed assumiu que perante o número de novos medicamentos que se esperam e o grande número de doentes em algumas patologias é preciso uma análise e negociação criteriosa. Ainda assim, reconheceu que os desafios que vamos enfrentar merecem uma abordagem europeia.

Carlos Lima Alves, completando o que disse Rui Ivo, acrescentou que “a monitorização é fundamental” para a tomada de decisões, assumindo que ainda não contam com um sistema que monitorize o impacto do que está a ser feito em larga escala. “Nem tudo o que é aprovado é necessariamente melhor”, disse.

Paulo Cortes insistiu na importância de se incluírem peritos externos no Infarmed e disse não compreender como é que os pareceres podem ir contra quem conhece os doentes. “A oncologia é feita por equipas multidisciplinares e tem cada vez maior número de nuances e personalização”, salientou. Para o oncologista, as decisões do Infarmed demoram muito – quase cinco vezes mais do que noutros países – e não tem havido a “coragem política para responder que temos um teto de preço”. Ainda assim, à semelhança do que defendeu o bastonário, também Paulo Cortes apela a que na análise do preço sejam contemplados fatores como a qualidade de vida para o doente e para a sociedade do tratamento que se está a disponibilizar.