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Mobbing (ou assédio moral no trabalho): moda ou realidade?

Autora: Patricia Zlamalik, Pós-Graduada em Avaliação do Dano Pessoal Pós-Traumático | IFE USF Prelada – ACeS Porto Ocidental

Numa sociedade cada vez mais competitiva, tem-se assistido a uma subversão das exigências laborais, marcada por pressões por melhor desempenho quantitativo, para além da despersonalização do trabalhador que passa a ser tratado como uma «máquina de produção», deixando para segundo plano o respeito e a dignidade pelo outro. As taxas de desemprego refletem a instabilidade económica atual, tornando as pessoas cada vez mais inseguras quanto à sua condição laboral e o ambiente de trabalho num local de conflitos e violência frequentes. É nesse ambiente que se desenvolve o denominado mobbing, ou assédio moral, um processo de violência psicológica contra o trabalhador que poderá afetar a sua saúde física e mental.

O mobbing define-se como sendo qualquer comportamento abusivo (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, de forma reiterada ou pela sua sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa. É uma realidade presente em todo o mundo e transversal a todas as profissões, sendo praticado com mais frequência em relações de hierarquia, pela chefia, mas podendo ocorrer também entre colegas, ou, mais raramente, numa relação ascendente do trabalhador para o seu superior hierárquico.

As formas de assédio são inúmeras, destacando-se as críticas constantes relativamente ao desempenho laboral ou características individuais da vítima, inferiorização e ridicularização da vítima na presença de outros funcionários, impedimento da execução de tarefas da sua área de responsabilidade ou, por outro lado, sobrecarga com inúmeras tarefas e prazos impossíveis de cumprir, provocando elevado stress que pode culminar em Burnout ou mesmo, em casos extremos, em suicídio.

Estes comportamentos arrastam consigo inúmeras consequências a nível psicológico, social e físico para a vítima, mas também para os colegas que presenciam os abusos e para a própria empresa ou organização, pelo desenvolvimento de um ambiente laboral hostil, com consequentes quebras na produtividade.

De acordo com o VI Relatório Europeu sobre as condições de trabalho (EWCS, Eurofound) 16% dos inquiridos reportaram terem estado expostos a comportamentos sociais adversos e 7% foi alvo de assédio moral no local de trabalho nos 12 meses anteriores, um valor que aumentou face a avaliações prévias. Em Novembro de 2017 foi publicado o primeiro inquérito homólogo realizado em Portugal que revelou números substancialmente mais baixos – 5% dos trabalhadores esteve exposto a situações sociais adversas, dos quais 6,1% mulheres e 3,4% homens reportaram ter sido vítima de violência física, assédio moral, assédio sexual, e/ou intimidação/perseguição. A baixa visibilidade deste flagelo poderá ser consequência da falta de reconhecimento do abuso como um sério problema, do medo de despedimento ou vergonha da exposição a atos que atentam contra à honra e dignidade da pessoa.

A vítima de mobbing poderá entrar num período de deterioração e isolamento em que começam a suceder-se problemas de saúde decorrentes da alteração do seu equilíbrio biopsicossocial. Os sintomas mais frequentes estão relacionados com alterações do padrão do sono, ansiedade, stress, hipervigilância, dor generalizada, cansaço extremo e depressão. O mobbing, em alguns casos, pode originar sintomatologia semelhante ao stress pós-traumático, podendo provocar mudanças na personalidade. A experiência negativa transforma as perceções das vítimas, não só face ao seu ambiente de trabalho mas também face à vida em geral, em situações ameaçadoras, envolvendo medo, perigo e dúvida relativamente ao sentido da vida.

Encontramo-nos perante um cenário que se caracteriza por elevados custos humanos, económicos e sociais, onde o médico pode e deve desempenhar uma função protetora, aconselhando no sentido da evicção da perpetuação dos danos, do fortalecimento da autoestima e da identidade da pessoa. Enquanto profissional de saúde que faz um acompanhamento de maior proximidade do utente, compete ao médico de família investigar se os problemas relacionados com o local de trabalho poderão estar na origem das queixas do doente que se apresenta com sintomatologia depressiva ou ansiosa. Por outro lado, deverá avaliar o estado de saúde mental daqueles que são efetivamente identificados como vítimas de mobbing e tomar as atitudes mais adequadas no sentido de aconselhar e alertar para este fenómeno e para os direitos que lhes assistem enquanto trabalhadores, nomeadamente a apresentação de queixa-crime que penalize de forma efetiva os perpetradores.

As vítimas de assédio moral não podem sofrer sozinhas! Agarremos a arma mais poderosa que possuímos – a relação médico-doente – como forma de quebrar o silêncio ensurdecedor que as atormenta.