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Meios de defesa do médico perante agressões físicas, difamações, injúrias, ameaças e coações no exercício da sua profissão

Como é do conhecimento público tem-se registado um aumento significativo de casos de agressões a profissionais de saúde, designadamente médicos.

A propósito julgámos por bem relembrar, de forma relativamente simplificada, alguns conceitos, procedimentos e o facto da Ordem dos Médicos ter disponível para os seus membros um seguro que cobre estes eventos.

Em termos jurídicos referenciamos, nesta vertente, como crimes mais comuns a violação à integridade física, a difamação, a injúria e a coação.

Vejamos em que consistem estes crimes:

A violação à integridade física consiste na ofensa ao corpo ou à saúde do médico. A violação pode ser simples ou grave, nos termos dos elementos constantes dos artigos 143º e 144º do Código Penal.

A difamação concretiza-se perante terceiro, e traduz-se na imputação ao médico de facto que não corresponda à verdade ou na formulação, sobre o médico, de um juízo ofensivo da sua honra ou consideração.

A injúria traduz-se na imputação de factos ou no uso de palavras ofensivas da honra ou consideração do médico.

A difamação e a injúria podem manifestar-se verbalmente, por escrito, por gestos, por imagens ou por qualquer outro meio de expressão.

É ainda punível a ameaça à prática de crime contra a integridade física, de forma a provocar medo ou inquietação ao médico.

É, também, punível criminalmente a coação quando o médico seja constrangido a praticar ou não executar determinado acto.

Dito isto, julgamos relevante fornecer algumas orientações sobre a conduta que o médico deve ter em cada caso.

  1. Como devo reagir juridicamente no caso de ser vítima de algum destes crimes?

O modo de reacção depende da circunstância de o médico se encontrar a exercer a profissão médica em estabelecimento de saúde integrado no Serviço Nacional da Saúde ou fora dela, e depende ainda da natureza do crime (se está em causa um crime público, semi-público ou particular).

  1. Como devo reagir perante a prática de algum destes crimes no caso de exercício da profissão médica em estabelecimento de saúde integrado no Serviço Nacional da Saúde?

No âmbito do crime de violação à integridade física ou coação, o Ministério Público desencadeia oficiosamente o procedimento criminal e exerce em plena autonomia a acção penal, não sendo assim necessária queixa ou acusação particular por parte do médico (crime público, na terminologia jurídica).

Nos casos de difamação, de injúria e de ameaça o médico tem de apresentar queixa para que se possa dar início ao processo criminal (são crimes semi-públicos na terminologia jurídica).

  1. Como devo reagir perante a prática de algum destes crimes no caso de exercício da profissão médica em estabelecimento de saúde privado?

Nestes casos a lei penal considera que, na presença de crimes de difamação e de injúria, é necessário que os médicos apresentem queixa e deduzam posteriormente acusação particular para que o processo possa prosseguir (crime privado).

Já nos casos de violação à integridade física simples e de ameaça é somente necessária a apresentação de queixa por forma a que o Ministério Público dê andamento ao processo (crimes semi-públicos).

Por fim, na situação de violação à integridade física grave o Ministério Público desencadeia oficiosamente o procedimento criminal e exerce em plena autonomia a acção penal (crime público).

  1. O que é a queixa?

A queixa é a notícia de um crime às autoridades competentes e, simultaneamente, uma manifestação de vontade por parte do médico de que seja instaurado um processo.

Nos crimes semi-públicos e privados se o médico não se queixar não é possível a instauração de um processo.

  1. Até quando e onde devo apresentar a queixa?

A queixa deve ser apresentada no prazo de 6 meses, a contar da data em que o médico tiver tido conhecimento da difamação ou da data da violação à integridade física, da injúria, ou da ameaça.

Passados os 6 meses, o direito de queixa extingue-se.

A queixa deve ser apresentada:

  • No Ministério Público;
  • Na Polícia de Segurança Pública (PSP); ou,
  • Na Guarda Nacional Republicana (GNR);

No caso de crime de violação à integridade física a queixa pode ainda ser apresentada:

A participação crime pode ser apresentada por escrito ou oralmente sendo, neste último caso, reduzida a escrito pelas autoridades competentes.

  1. O que acontece após a queixa?

Após a queixa o Ministério Público irá levar a cabo um conjunto de diligências com vista à investigação da existência de indícios da verificação do crime, à determinação dos seus agentes e sua responsabilidade e à descoberta e recolha de provas.

No final do inquérito:

  • No caso dos crimes públicos e semi-públicos, o Ministério Público arquivará o inquérito (no caso de considerar não existirem indícios suficientes da prática do crime ou que o arguido o não praticou) ou poderá deduzir acusação contra o arguido (no caso de considerar que existem indícios suficientes de se ter verificado o crime) dando assim início ao processo judicial;
  • No caso de crimes privados, o Ministério Público arquivará o inquérito nas mesmas situações, ou, no caso de considerar que existem indícios suficientes, notificará o médico para que deduza acusação particular.
  1. O que é a acusação particular?

A acusação é a concretização da pretensão em submeter o arguido a julgamento.

A acusação diz-se particular quando a sua apresentação pelo médico é elemento essencial para que o processo judicial possa prosseguir e, designadamente, para que o arguido possa ser julgado.

  1. Que medidas devo tomar no momento exacto da violação à integridade física, da injúria ou da ameaça?

Nas situações graves, como defesa e prevenção de prova, o médico deve cuidar de solicitar a presença de terceiro, preferencialmente de outro profissional de saúde ou elemento de segurança da unidade de saúde, caso exista.

No âmbito funcional da instituição, designadamente do Serviço Nacional de Saúde ou em unidades privadas de saúde de média/grande dimensão, recomenda-se ainda a informação do sucedido ao director da unidade ou do serviço e ao conselho de administração, com vista a que estas entidades, tendo conhecimento do sucedido, levem a cabo medidas preventivas adequadas.

  1. Existe algum seguro, aplicável aos médicos, que cubra as agressões físicas sofridas por estes?

Sim, actualmente qualquer médico, que exerça funções tanto em instituição de saúde pública, como privada, e que se encontre inscrito na Ordem dos Médicos pode beneficiar de um Seguro de Acidentes Pessoais, contratualizado entre a Ordem dos Médicos e a Seguradora AXA Portugal.

  1. Qual a cobertura desse seguro de acidentes pessoais?

O seguro actualmente em vigor garante uma indemnização ao médico seguro na sequência de acidentes pessoais ocorridos em Portugal e provocados, exclusivamente, por agressões físicas no exercício da sua actividade profissional, a qual pode ter como limites os seguintes valores:

  • Morte ou invalidez permanente – até 40.000,00 euros;
  • Incapacidade temporária absoluta, em caos de internamento hospitalar (subsídio diário) – até 100,00 euros (máximo de 15 dias);
  • Despesas de internamento – até 6.000,00 euros;
  • Protecção Jurídica – nesta cobertura há que atender ao facto dela só ser desencadeável se o montante mínimo da reclamação for igual ou superior a 250,00 euros e o montante mínimo para o pedido de indemnização for igual ou superior a dois salários mínimos nacionais à data do litígio. A cobertura de protecção jurídica compreende as despesas judiciais até 4.000,00 euros, nos quais se incluem honorários de advogado, custas judiciais fixadas pelos tribunais e honorários de peritos ou técnicos.
  1. Como devo proceder, junto da Seguradora, após ter sofrido uma agressão?

Em primeiro lugar o médico agredido deve identificar os responsáveis pelas agressões, fazendo uma súmula com esses dados e ainda com a referência ao local onde os factos ocorreram, o dia e hora em que tiveram lugar e outras circunstâncias que entendam relevantes, designadamente a indicação de testemunhas ou outras provas. Poderá, então, dirigir-se à AXA Portugal e à Inter Partner Assistance que faz a cobertura de protecção jurídica, dando notícia sumária da ocorrência e, se for caso, de que pretende constituir advogado. De seguida deve participar os factos às autoridades policiais, nos termos já acima referidos solicitando cópia dos autos policiais para juntar à participação de sinistro feita à seguradora.

O Consultor Jurídico

Paulo Sancho

2018.07.04