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Médicos internos de Medicina Interna desiludidos exigem melhores condições de trabalho

No dia 29 de agosto, a Ordem dos Médicos, por iniciativa do seu bastonário, recebeu – presencialmente e através de meios telemáticos – dezenas de médicos internos de Medicina Interna de todo o país, na sequência de uma carta aberta subscrita por 416 médicos internos daquela especialidade que fora enviada à Senhora Ministra da Saúde a 16 de agosto.

Na carta, que se pode ler aqui, os signatários alertaram para as principais razões do seu mal-estar e insatisfação profissional, e comunicaram que irão apresentar as competentes escusas de responsabilidade e indisponibilidade para realizar mais 150 horas extraordinárias por ano em conformidade com o disposto no n.o 2 do art. 38.º do Regulamento do Internato Médico, aprovado pela Portaria n.º 79/2018, de 16 de março.

Esta é mais uma manifestação genuína de jovens médicos que alertam para as graves dificuldades sentidas no SNS – que continuam a avolumar-se com consequências para os profissionais e para os doentes.

À semelhança do que aconteceu com a especialidade de Ginecologia e Obstetrícia, a Ordem dos Médicos deu algum tempo para que a tutela mostrasse intenção de ouvir estes médicos. Como tal acabou por não acontecer, o bastonário decidiu reunir com estes colegas para se inteirar do que está a ocorrer concretamente no terreno e para colaborar na procura de soluções efetivas.

Enfermarias com 120 ou 150 doentes entregues a um só médico, “ingratidão por parte de quem manda” e casos de ‘burnout’ estão entre as queixas dos internos de Medicina Interna que escreveram à tutela a exigir melhores condições de trabalho.
Após a reunião com os colegas, já em declarações à comunicação social, o bastonário salientou que “temos de dar outras condições de trabalho às pessoas”. “Não se pode olhar para os médicos internos como se fossem os escravos do sistema. Isto não é possível nem aceitável num país democrático e têm de existir soluções”, frisou.
Sara Pereira, interna de quinto ano do Hospital Pedro Hispano, concelho de Matosinhos, afirmou que falta à tutela perceber “que é preciso gente para trabalhar e nós sozinhos não estamos a conseguir. Nem especialistas nem internos. Nós não conseguimos segurar os serviços de urgência, o internamento, a investigação…”, descreveu, acrescentando que “muitos dos médicos internos já atingiram [o número de] horas-extra [expresso na lei] há muito tempo. O que queremos fazer é um ponto de situação muito claro: não estamos disponíveis para compactuar com isto. Precisamos de medidas sérias”, referiu.

É o caso de Catarina Camarneiro, interna de segundo ano do Hospital Central da Figueira da Foz: “já ultrapassei as 150 horas extraordinárias há alguns meses. Estou quase nas 300”, respondeu, na ocasião, aos jornalistas. Catarina Camarneiro diz conhecer casos de colegas que já abandonaram a medicina e outros que nem ponderam, tirada a especialidade, enveredar pelo Serviço Nacional de Saúde e junta-se a Sara Pereira na reivindicação do acesso à formação e a outras tarefas que não “tapar buracos no serviço de urgência”.

Pedro Maia Neves, interno do terceiro ano no Hospital de Santo António, no Porto, vai ainda mais longe e denuncia: “Estamos a fazer tarefas que não deviam ser nossas. Estamos a ser equiparados a especialistas sem o sermos”. Para Pedro Maia Neves, o “sim por amor à camisola” dito “com muito orgulho” nos anos de pandemia da Covid-19 “não é aceitável eternamente”.

Estes foram apenas alguns dos tópicos abordados num encontro que demonstra, uma vez mais, a urgência de salvar o Serviço Nacional de Saúde. Se existe uma prioridade é a de investir, respeitar e valorizar o capital humano. Valorizar e ouvir os médicos internos e os médicos especialistas que todos os dias dão o seu melhor em condições que estão cada vez mais longe das ideais. A Ordem dos Médicos continua disponível, como sempre esteve, para colaborar com o Ministério da Saúde na aplicação efetiva das soluções para os diagnósticos que já foram feitos e refeitos.