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Médicos impedidos de proteger a vida de doentes com cancro

Na sequência da notícia deste fim-de-semana sobre a denúncia feita pelo Colégio de Oncologia Médica em carta dirigida ao bastonário, o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos vem alertar que negar no SNS o acesso dos doentes a medicação com efeito comprovado na diminuição do risco de recidiva ou no aumento da probabilidade de sobrevivência constitui uma situação muito grave, ainda mais quando sabemos que, em muitos casos, a mesma medicação está livremente disponível para uso no setor privado e social.

 

Nota completa com as recomendações do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos:

 

A manchete do Jornal Expresso de 7 de Setembro afirma que o “Infarmed recusa tratamentos contra o cancro”. A denúncia destas situações tem sido feita por muitos médicos especialistas em Oncologia Médica e foi assumida pela Direção do Colégio de Oncologia Médica em carta dirigida ao Bastonário da Ordem dos Médicos.

 

Os médicos no exercício da sua profissão são obrigados a cumprir as leges artis centrada nas boas práticas, e a respeitar as regras éticas e deontológicas da profissão. A violação destes princípios pode ser considerada negligência ou erro médico. E os médicos são muitas vezes alvo de queixas e processos por situações pelas quais não têm responsabilidade direta ou indireta. Existem várias barreiras no acesso aos medicamentos potencialmente inovadores: as Comissões de Farmácia e Terapêutica hospitalares – CFT (que em diversos casos retêm os pedidos de Autorização Excecional (AE) demasiado tempo), a Comissão de Avaliação de Tecnologias da Saúde do Infarmed (CATS), outros “peritos” do Infarmed (muitas vezes não especialistas na área em questão), a direção do Infarmed (que tem colocado obstáculos à implementação de Programas de Acesso Precoce – PAP, e tem demorado tempo excessivo no processo de avaliação custo-efetividade).

 

Os obstáculos colocados pelas barreiras referidas e as decisões negativas ou empatadas adotadas para a aprovação de medicamentos com ação antitumoral têm colocado vários doentes em risco de vida e “obrigado” vários médicos oncologistas a delinearem planos de cuidados diversos dos esperados pelas leges artis, como plano de atuação contingente.

 

Negar no SNS o acesso dos doentes a medicação com efeito comprovado na diminuição do risco de recidiva ou no aumento da probabilidade de sobrevivência constitui uma situação muito grave, ainda mais quando sabemos que, em muitos casos, a mesma medicação está livremente disponível para uso no setor privado e social.

 

A decisão de propor um tratamento antineoplásico sistémico tem de ser suportada por ensaios clínicos que sustentam as leges artis e a aprovação dos medicamentos pela Agência Europeia do Medicamento. Exige evidência científica robusta de que esse tratamento pode ser benéfico para o doente ao reduzir o risco de morte, o risco de recorrência da doença oncológica, ou pela preservação da qualidade de vida.

 

De resto, o não reconhecimento do valor terapêutico acrescentado, validado pelos investigadores e médicos a nível internacional e pela Agência Europeia do Medicamento, ou a recusa de qualquer alternativa (Programa de Acesso Precoce ou Autorização Excecional) que viabilize o tratamento adequado de doentes oncológicos até que se conclua a avaliação de custo-efetividade, tem sido prática recorrente para tratamentos oncológicos.

 

Os estudos que existem sobre esta matéria, realizados por instituições competentes, não deixam margem para dúvidas. De resto, o último Relatório da Primavera realçou o problema do acesso à inovação terapêutica. De acordo com o documento, o tempo para acesso à inovação terapêutica em Portugal é cinco vezes mais longo do que o melhor resultado europeu no período de 2015 a 2017. Enquanto a Alemanha teve uma demora média de 119 dias para introduzir no mercado medicamentos inovadores, Portugal demorou 634 dias, ou seja, quase dois anos. E no caso das AE e PAP a situação é semelhante. E todos sabemos o enorme impacto que atualmente as doenças oncológicas assumem na saúde pública, na vida das pessoas e na sociedade.

 

O Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, em reunião extraordinária de 8 de setembro, decidiu:

 

1. Manter total solidariedade com a direção do Colégio de Oncologia Médica;

2. Recomendar fortemente a todos os médicos que informem e expliquem aos seus doentes as melhores opções terapêuticas e as limitações à prescrição que possam ser impostas por entidades externas em violação das leges artis, registem devidamente a informação no processo clínico do doente e denunciem a situação à Ordem dos Médicos através do mail denuncias@ordemdosmedicos.pt;

3. Responsabilizar diretamente, com casos concretos, os diferentes “peritos” envolvidos na cadeia de acesso aos medicamentos, por decisões que sejam erradas que impedem os médicos de preservar a vida de doentes com cancro;

4. Ativar de imediato o Gabinete de Apoio ao Acesso a Inovação Terapêutica e Tecnológica para, em conjunto com os médicos, os Colégios, as Sociedades Científicas e as Associações de Doentes, reclamar, caso a caso, o acesso aos tratamentos que estão devidamente validados cientificamente pela comunidade científica e pela Agência Europeia do Medicamento;

5. Deixar mais uma vez um apelo ao Ministério da Saúde e, em especial, ao Infarmed, para resolver de forma definitiva este tipo de situações, cumprindo o seu dever de servir os doentes e contribuir para salvar vidas.

6. A Ordem dos Médicos já por diversas vezes se mostrou e está disponível para ajudar o Infarmed a encontrar as melhores soluções para os nossos doentes numa área em que as nossas competências são imprescindíveis.

 

Porto, 09 de setembro de 2019
O Conselho Nacional da Ordem dos Médicos