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António Manuel Sampaio de Araújo Teixeira(1931-2023)

    Homenagem

    No passado dia 4 de Junho de 2023, faleceu o Senhor Professor Doutor António Manuel Sampaio de Araújo Teixeira, uma das Figuras mais emblemáticas da Cirurgia Portuguesa.

    Dia particularmente triste para a Família, que perdeu o Pater de condição humana tutelar e, a todos os níveis, exemplo de referência.

    Para os Amigos, que deixaram de poder contar com a sua constante disponibilidade para, nos momentos precisos, apoiar, aconselhar e, sempre que necessário, chamar à razão, porque c’est à cela que servent les amis.

    E para a Sociedade Cirúrgica Portuguesa que, mau grado o triste momento de perda, não pode deixar de recordar o enriquecimento que foi para todos nós termos podido contar com a convivialidade de uma Personalidade como a do Professor Araújo Teixeira.

    É como Discípulo de Lisboa que, com o privilégio de ter vivido uma longa e profunda Amizade, assumo a responsabilidade de aqui recordar a sua Vida, enquanto Homem, Cirurgião, Académico e Pedagogo.

    António Manuel Sampaio de Araújo Teixeira nasceu na Freguesia da Cedofeita da Cidade do Porto, no dia 29 de Novembro de 1931.

    Aluno brilhante desde a Instrução Primária, licenciou-se na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto com a média final de 18,44 valores.

    Fez o Internato de Cirurgia Geral no Serviço de Cirurgia 3 do Hospital de Santo António, à época dirigido pelo Dr. António Peixoto de Araújo Teixeira, seu Pai.

    Findo o Internato, foi encarregado de organizar o Serviço de Cirurgia no recém construído Hospital da Misericórdia de Vila Nova de Gaia.

    Sentindo necessidade de adquirir formação complementar e diferenciação académica no estrangeiro, concorreu a uma Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian.

    Foi, entretanto, convidado pelo Professor Fernando Magano para seu Assistente na Faculdade de Medicina do Porto, sendo já nessa condição que, em 1962, foi para o Service de Chirurgie Général et Digestive do Hôpital Bichat, em Paris, então Centro de Referência na Cirurgia das Vias Biliares dirigido por Jacques Hepp.

    Tempo que considerou particularmente enriquecedor em todos os domínios da vida e onde, além de Jacques Hepp, encontrou no Serviço duas das mais influentes Personalidades da Cirurgia Mundial da época, Maurice Mercadier e Jean Moreaux.

    Dos três recebeu os ensinamentos que lhe permitiram enriquecer a sua filigrana, ciência e arte, cirúrgica.

    No Service Hepp do Hôpital Bichat, teve como companheiros de trabalho diário Jean Clot, Michel Julien e Henri Bismuth que lideraram Serviços de Referência. Com Henri Bismuth construiu uma relação de amizade, fraterna e familiar, que persistiu até agora.

    De regresso ao Porto apresentou-se a Provas de Doutoramento tendo, em 1966, apresentado a Tese “Repercussão hepática e coledócica da cirurgia do Esfincter de Oddi – Aspectos clínicos e experimentais” que, por unanimidade do Júri, obteve a classificação de 19 valores.

    Professor Agregado em 1970, assume a Direcção do Serviço de Cirurgia 2 em 1974 e, dois anos depois, aos 44 anos de idade, a Cátedra de Patologia Cirúrgica e a de Clínica Cirúrgica em 1992, cargos que manteve até à Jubilação, em 2001.

    Foi Presidente do Conselho Científico da FMUP de 1976 a 1981.

    Fora dos muros da sua Instituição, o reconhecimento pelos pares levou a que, depois de ter sido Membro Fundador, lhe tenha sido entregue a Direcção da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, da Sociedade Portuguesa de Coloproctologia e da Sociedade Portuguesa de Cirurgia, que desempenhou com o espírito de entrega e eficiência por todos bem conhecido.

    Com marcada impressão na Universidade de Santiago de Compostela e de intervenção em diversas Sociedades de Cirurgia internacionais, merece particular registo a forma como trouxe o Congresso Mundial da Société International de Chirurgie/International Surgical Society para Lisboa, onde se realizou como maior sucesso, em 1995.

    Preocupado com a Formação Pós-Graduada iniciou em 1976 as 1as Reuniões Internacionais de Cirurgia Digestiva da FMUP-Hospital de São João, que organizou ininterruptamente até à sua Jubilação e permaneceram como uma das mais importantes Reuniões de Cirurgia da Europa, com presença disputada pelos mais reputados Cirurgiões Mundiais.

    No mundo real e concreto que era o desse tempo, as Reuniões Internacionais de Cirurgia Digestiva constituíram-se como uma profunda revolução para a Cirurgia Nacional pelo inédito que foram as “cirurgias em directo” transmitidas do Bloco Operatório para a Aula Magna.

    Foi aí que assistimos ao modo como os mais reputados cirurgiões mundiais, dos EUA ao Japão, pensavam os porquês e os comos, que permitiram às Novas Gerações perceber o que melhor caracterizava o exercício da arte cirúrgica.

    Em 1991 consolidou-se o último capítulo da Modernidade Cirúrgica, com o reconhecimento universal da Cirurgia de Acesso Mínimo.

    Percebendo, desde o primeiro momento, o novo mundo que se abria para o conforto e segurança dos doentes, Araújo Teixeira empenhou todo o seu prestígio pessoal e peso institucional para que, não só a sua Escola do Porto, mas também as de Coimbra e Lisboa tivessem conseguido, sem desfasamentos temporais, assumir posições de relevo internacional.

    O seu humanismo, na dimensão renascentista do termo, elevada educação e superiores condições morais e éticas, afabilidade nas relações interpessoais e insaciabilidade pelo saber, permitiram que António Manuel Sampaio de Araújo Teixeira tivesse sido um Cirurgião ímpar, inesquecível para a Comunidade Académica e Amigos.

    Pelo carisma, ao contrário de outros que fazem do seu ego hipertrofiado a força motriz de vida, conseguia cativar pelo sorriso com que expressava a sua genuína simplicidade, era intransigente na exigência ética do rigor do exercício, mas, porque liderava pelo exemplo, assente na amizade leal e desinteressada, era respeitado pelo natural reconhecimento do seu modo de ser.

    Pela dimensão académica como entendia a cirurgia e pelo espírito inconformado e empreendedor que lhe era próprio, pelo modo como fez chegar a Modernidade Cirúrgica a Portugal e, pelo esforço e empenho com que a consolidou, deixa marca indelével na Cirurgia Nacional que fica inequivocamente dividida em duas Eras, de Antes e Depois de Araújo Teixeira.

    Teve o engenho bastante para criar um Serviço de Referência que dirigiu entre 1971 e 2001, com excelentes condições de trabalho, equipamentos e um Grupo extraordinário de Colaboradores que começou com Adolfo Gama, José Ramalhão e Abílio Gomes, depois enriquecido com Costa Cabral e Carlos Saraiva, seguidos de José Bernardo, Costa Maia e, por fim, António Manuel e o João Paulo Araújo Teixeira.

    Por razões diversas, a vida foi-lhe madrasta com alguns, mas permitiu-lhe guardar até ao fim a verdadeira e leal amizade de Adolfo Gama, Abílio Gomes e José Bernardo, os Anestesistas Amélia de Melo, Moreira da Costa, Cristina Amaral e Antónia Trigo Cabral, bem como a Enfermeira Luísa Archer e D. Cristina Moura, Instrumentista e Secretária de sempre.

    Conservador no pensar e modernista no fazer, destacava-se pelo Carácter e Humanismo como vivia e que lhe permitia ser estimado por todos com que se relacionava, onde é importante referir os doentes e as suas famílias.

    Com a vida, corajosamente, dedicada à “antiga” Cirurgia Geral, foi um trabalhador incansável, dedicado aos doentes, sem horários, feriados ou fins-de-semana.

    Enriqueceu a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto com a propositura para Doutoramento Honoris Causa de Maurice Mercadier, Thomas Starzl e Henri Bismuth.

    Todas estas suas condições de vida permitiram-lhe o reconhecimento, interno e externo, comprovado pelas distinções honoríficas com que foi agraciado: Medalha de Mérito da Cidade do Porto, 1980, Membro da Academia Francesa de Cirurgia, 1986, Louvor do Ministério da Saúde, 1986, Prémio Nacional de Oncologia, 1996, Chevalier de l’Ordre National de la Légion d’Honneur de França, 1996, Membre d´Honneur da Associação Francesa de Cirurgia, 1999, e a Grã-Cruz da Instrução Pública, em 2001.

    Depois de encerrado o Capítulo FMUP, colocou a sua dimensão de Académico e Pedagogo ao serviço do Instituto Piaget. Aqui, a partir de Viseu, incentivou as relações com a Faculdade de Ciências da Saúde da UniPiaget de Angola, em Viana-Luanda.

    Com intervenção direta na programação e reforço da qualidade académica e repetidas intervenções científicas no Programa de Licenciatura, tornou a Faculdade de Ciências da Saúde da UniPiaget em uma das mais relevantes Instituições Académicas de Angola, ao mesmo tempo que reforçava as condições do Instituto Piaget em Cabo Verde.

    A Cirurgia Nacional tem em “Araújo Teixeira” uma dinastia que, fundada pelo Dr. António Peixoto de Araújo Teixeira, foi desenvolvida e consolidada por seu Filho, Professor Doutor António Manuel Sampaio de Araújo Teixeira que a deixa firme para ser seguida pelos Netos, Dr. António Manuel Meireles de Araújo Teixeira, Prof. Doutor João Paulo Meireles de Araújo Teixeira e continuada pelo Bisneto, Dr. João Pedro Pinho de Araújo Teixeira que, Interno promissor já com um Prémio de Melhor Poster da Sociedade Portuguesa de Cirurgia, deixa antever um futuro risonho e frutífero de expansão para a Dinastia.

    Registo o pesar da Sociedade Portuguesa de Cirurgia, mau grado os novos tempos a terem impedido de, pela primeira vez, não se ter feito, formal e institucionalmente, representar com a presença do seu Estandarte nas Cerimónias Fúnebres de um seu Antigo Presidente.

    Nesta Memória evocativa deixo para o fim os seus Primeiros e fulcrais pilares, a Família que sempre considerou como nuclear suporte emocional para a carreia profissional que conhecemos.

    Destaco a Esposa, Senhora Dona Maria Manuela Martins Meireles de Araújo Teixeira, em quem e por palavras suas, “encontrou a felicidade de poder contar com o seu amor, dedicação, lealdade e bons conselhos e companheirismo, estando presente nos bons e maus momentos”.

    Sem menor importância, os Filhos, António Manuel, João Paulo, Maria Manuela e Isabel Maria, Noras, Genros e Netos que, com o carinho de que nunca se inibia de mostrar orgulho gratificante, lhe souberam dar o ambiente de amor de que sentia rodeado.

    Termino com três citações.

    Dizia o Professor Joaquim Bastos, Mestre Ilustre da Faculdade de Medicina do Porto, com quem Araújo Teixeira, depois de ter sido aluno, partilhou parte do caminho profissional, com respeito e estima mútuas, que “um cirurgião, no seu percurso, no tempo e no espaço, é alumiado pela luz intensa e conjugada de quatro estrelas cintilantes que, ao mesmo tempo, lhe esclarecem o caminho e lhe controlam a acção: a Ciência, a Arte, a Ética e o Humanismo”.

    Não encontro melhor perspectiva para definir a Vida do Cirurgião Académico que foi o Professor António Manuel de Araújo Teixeira.

    As outras duas são suas. A primeira foi como terminou o agradecimento na Sessão de Homenagem de Jubilação na sua Faculdade de Medina do Porto. Dirigindo-se à Memória “do querido Mestre, Professor Fernando Magano”, disse, “Senhor Professor, tenho a minha consciência tranquila de que procurei cumprir a promessa que lhe fiz há 40 anos de defender a Cirurgia da FMUP e o Serviço de Patologia Cirúrgica; perdoe-me não saber ou não ter conseguido fazer melhor”.

    E, com a integridade de carácter e tranquilidade de consciência como faróis da sua dimensão humana, quando escreveu, “procurei transmitir aos meus netos as dificuldades por que passei, referindo que nunca pertenci a qualquer associação ou partido político, pelo que apenas tive e tenho que prestar contas à minha consciência e, no juízo final, a Deus”.

    Como diz um dos seus Amigos mais próximos, “são poucos os que vêm a conhecer a missão e felizes os que a conseguem cumprir” e, na verdade, o Professor Doutor António Manuel Sampaio de Araújo Teixeira foi um dos poucos que tiveram essa felicidade.

    É a recordação de um Senhor, Homem de grande estatura moral e ética, Cirurgião que fazia com arte o que a ciência aconselhava, Académico que defendeu até à exaustão a Universidade e Pedagogo emérito que permanecerá bem viva em todos aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer e, sobretudo, de um Amigo com quem tive o privilégio de partilhar uma verdadeira e sólida amizade de mais de 40 anos, que aqui deixo sentido testemunho

    Autor: Henrique Bicha Castelo
    Professor Catedrático Jubilado de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa.
    Presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia: 2010-2012

    Datas

    Nome completo: António Manuel Sampaio de Araújo Teixeira
    Especialidade: CIRURGIA
    Data de nascimento: 29/11/1931
    Data de falecimento: 04/06/2023

    Nota: a OM assegura aos herdeiros os direitos de acesso, retificação e apagamento destes dados pessoais.

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