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FAQ – Objeção de Consciência em IVG (inclui modelo para declaração de objeção)

Publicamos a súmula de perguntas frequentes relativas a Objeção de Consciência em IVG (incluindo um modelo de declaração de objeção) elaborado pelo departamento jurídico da OM:

»Qual a fundamentação legal e deontológica ao direito de objeção de consciência na IVG?

A fundamentação decorre dos Estatutos da Ordem dos Médicos, do Código Deontológico, da Lei 16/2007 e da sua regulamentação, designadamente da Portaria 741-A/2007.

O médico tem direito a recusar a prática de actos da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência e ofenda os seus princípios éticos, morais, religiosos, filosóficos, ideológicos ou humanitários.[1]

»O direito à objeção de consciência é assegurado ao médico para quaisquer actos de IVG?

O referido direito pode ser exercido para todos os actos de IVG ou só para determinados procedimentos[2].

A Portaria regulamentadora da Lei estabelece que o objetor deve especificar expressamente quais as alíneas do nº 1 do artigo 142º do Código Penal[3] (interrupção de gravidez não punível) a que concretamente se refere a objeção.

»O médico pode limitar a sua objeção de consciência em IVG a determinados actos?

Pode delimitar para um ou mais actos ou para todos os procedimentos relacionados com a IVG[4].

 »No procedimento da IVG o direito à objeção de consciência invocado por um médico no SNS produz efeito sempre que ele preste serviços no sector privado, no cooperativo ou no social?

Uma vez invocada a objeção de consciência para a IVG ela produz efeitos em todos os locais em que preste serviços[5] sendo que o médico está individualmente obrigado a apresentar a objeção ao Diretor Clínico dos estabelecimentos onde trabalhe e nos quais se pratique IVG[6].

»Como deve o médico manifestar a sua objeção de consciência na IVG?

Embora haja uma norma deontológica que prevê a possibilidade (que não a obrigação) do médico comunicar, por escrito, à Ordem dos Médicos cada objeção concreta que apresente[7], a verdade é que a aludida Lei e a Portaria que a regulamenta têm regras específicas consagradas para este procedimento.

Assim, a objeção de consciência é manifestada em documento assinado pelo objetor, o qual deve ser apresentado ao director clínico de todos os estabelecimentos de saúde, cuidados primários, hospitalares, ou oficialmente reconhecidos, onde o médico preste serviço e em que se pratique interrupção voluntária da gravidez.[8]

»A objeção tem de ser genérica para a IVG ou pode ser limitada a alguns dos procedimentos com ela relacionados?

A objeção pode ser para todos os procedimentos de IVG ou só para alguns dos actos.

Pelo que refere a Portaria 741-A/2007 o objetor deve especificar expressamente na declaração quais as alíneas do nº 1 do artigo 142º do Código Penal a que concretamente se refere a objecção, ou seja, deve explicitar se se refere a

  • Uma objeção de consciência ainda que a IVG possa constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida (alínea a));
  • Uma objeção de consciência ainda que a IVG se possa mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez (alínea b));
  • Uma objeção de consciência à IVG ainda que haja motivos seguros para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez (alínea c));
  • Uma objeção de consciência à IVG mesmo que o feto seja inviável (alínea c));
  • Uma objecção de consciência à IVG mesmo que a gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas (alínea d);
  • Uma objecção de consciência à IVG por opção da mulher ainda que realizada, nas primeiras 10 semanas de gravidez (alínea e).

 »O médico que se declarou objetor pode participar no processo de decisão da grávida?

O médico deve assegurar o encaminhamento das mulheres grávidas que solicitem a interrupção da gravidez para os serviços competentes, dentro dos prazos legais (nº 3 do artigo 12º da Portaria 741-A/2007).

A interpretação que fazemos da vontade do legislador designadamente das alterações produzidas pela Lei 136/2015, de 07.09 à versão inicial da Lei 16/2007 e aquelas que posteriormente resultaram da Lei 3/2016, de 29.02 de revogação da Lei 136/2015 vai no sentido de se entender que o médico objetor não deve intervir no processo de decisão da grávida quer nos cuidados de saúde primários, quer nos cuidados hospitalares.

»A invocação do direito à objeção pode entrar em confronto com o direito da grávida à IVG?

Sob a coordenação da ARS competente, os estabelecimentos de saúde oficiais em que a existência de objetores de consciência impossibilite a realização atempada e correta de interrupção da gravidez devem garantir a sua realização noutros estabelecimentos de saúde oficiais ou reconhecidos e assumir os respetivos encargos. Os serviços onde a impossibilidade ocorra têm a obrigação legal de providenciar os necessários cuidados de saúde à grávida.

»Qual a natureza da declaração de objeção?

A declaração é reservada e de natureza pessoal.[9]

»A declaração de objeção pode ser objeto de registo, publicação ou servir para instruir alguma decisão administrativa?

O nº 5 do artigo 6º da Lei 16/2007 refere que em caso algum pode ser objeto de registo ou publicação ou fundamento para qualquer decisão administrativa.

»Há um modelo estabelecido para apresentar a Objecção de Consciência e em caso afirmativo qual o seu teor?

Há um modelo meramente indicativo que consta do Anexo III à Portaria 741-A/2007, de 21 de Junho.

Com esta FAQ juntamos um modelo (que pode ser descarregado clicando AQUI) compreensível para o objector que poderá referenciar todas as alíneas do nº 1 do artigo 142º do código Penal ou só uma ou algumas delas.

O Consultor Jurídico, Paulo Sancho – 23.04.2023

 

[1] Nº 1 do Artigo 138.º do Estatuto da Ordem dos Médicos – Objeção de consciência

1 — O médico tem o direito de recusar a prática de ato da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência e ofenda os seus princípios éticos, morais, religiosos, filosóficos, ideológicos ou humanitários.

e n º 1 do artigo 12º do Código Deontológico aprovado pelo Regulamento 707/2016, de 21 de Julho (com redação em tudo idêntica)

[2] Nº 1 do artigo 6º

É assegurado aos médicos e demais profissionais de saúde o direito à objeção de consciência relativamente a quaisquer actos respeitantes à interrupção voluntária da gravidez.

[3] Artigo 142.º Interrupção da gravidez não punível

1 – Não é punível a interrupção da gravidez efetuada por médico, ou sob a sua direção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando:

  1. a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
  2. b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;
  3. c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, excecionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
  4. d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.
  5. e) For realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez.

2 – A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direção, a interrupção é realizada, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Na situação prevista na alínea e) do n.º 1, a certificação referida no número anterior circunscreve-se à comprovação de que a gravidez não excede as 10 semanas.

4 – O consentimento é prestado:

  1. a) Nos casos referidos nas alíneas a) a d) do n.º 1, em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo e, sempre que possível, com a antecedência mínima de três dias relativamente à data da intervenção;
  2. b) No caso referido na alínea e) do n.º 1, em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo, o qual deve ser entregue no estabelecimento de saúde até ao momento da intervenção e sempre após um período de reflexão não inferior a três dias a contar da data da realização da primeira consulta destinada a facultar à mulher grávida o acesso à informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável.

5 – No caso de a mulher grávida ser menor de 16 anos ou psiquicamente incapaz, respetiva e sucessivamente, conforme os casos, o consentimento é prestado pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes da linha colateral.

6 – Se não for possível obter o consentimento nos termos dos números anteriores e a efetivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência, o médico decide em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.

7 – Para efeitos do disposto no presente artigo, o número de semanas de gravidez é comprovado ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis.

[4] Nº 1 do artigo 6º da Lei 16/2007 e alínea b) do nº 2 do artigo 12º da Portaria 741-A/2007.

[5] Nº 3 do artigo 6º da Lei 16/2007

Uma vez invocada a objecção de consciência, a mesma produz necessariamente efeitos independentemente da natureza dos estabelecimentos de saúde em que o objector preste serviço.

[6] Nº 4 do artigo 6º da Lei 16/2007

A objecção de consciência é manifestada em documento assinado pelo objector, o qual deve ser apresentado, conforme os casos, ao director clínico ou ao director de enfermagem de todos os estabelecimentos de saúde onde o objector preste serviço e em que se pratique interrupção voluntária da gravidez.

[7] Que é exclusivamente arquivada no seu processo individual.

[8] Também a alínea a) nº 2 do artigo 12.º da Portaria 741-A/2007 se refere ao modo como deve ser manifestada a objeção.

[9] N º 5 do artigo 6º da Lei 16/2007