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Estudo AMP: Excesso de mortalidade cinco vezes superior à explicada pela COVID-19

O excesso de mortalidade verificado em Portugal desde o início da pandemia pode ser muito superior ao que tem vindo a ser anunciado. Entre o dia 1 de março e o dia 22 de abril o número de mortes acima do esperado pode chegar aos 4000 óbitos, o que corresponde a um valor cinco vezes superior ao explicado pelas mortes atribuídas à COVID-19, indica um estudo que foi publicado na Acta Médica Portuguesa, a revista científica da Ordem dos Médicos e que está disponível em: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/13928.

De acordo com o trabalho, da autoria de Paulo Jorge Nogueira, Miguel de Araújo Nobre, Paulo Jorge Nicola, Cristina Furtado e António Vaz Carneiro, do Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública e do Instituto de Saúde Baseada na Evidência (ambos da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa), o excesso de mortalidade de março e de abril não pode ser comparado com fevereiro nem sequer com os anos homólogos, mas deve antes ter como referência os meses de férias, em que há uma redução generalizada de atividade e circulação.

“O estado de emergência em que Portugal tem estado levou a várias medidas restritivas com impacto, por exemplo, na redução da mortalidade por acidentes de viação ou de trabalho e também a uma quebra no número de outras infeções características desta época do ano ou de alturas de menor isolamento social, que devem ser descontadas dos resultados analisados. Quer isto dizer que o número de mortes a mais identificadas é ainda maior do que se pensava, ao não se considerar esta quebra nos óbitos na estrada ou de trabalho, entre outros”, explica António Vaz Carneiro.

Os autores utilizaram bases de dados públicas para estimar o excesso de mortalidade por idade e região entre 1 de março e 22 de abril, propondo níveis basais ajustados ao período de estado de emergência em vigor. As conclusões apontam para um excesso de mortalidade observada de 2400 a 4000 mortes.

O excesso de mortalidade encontra-se associado aos grupos etários mais idosos (idade superior a 65 anos). Os números absolutos indicam mais mortes nos distritos de Aveiro, Porto e Lisboa, o que está em linha com as áreas com mais doentes diagnosticados com COVID-19 e também com mais densidade populacional. Se a análise dos números for feita em termos relativos não há diferenças regionais significativas, ainda que se verifique uma tendência para maior excesso de mortalidade nos distritos mais envelhecidos.

A mortalidade por todas as causas aumentou em março e abril de 2020 comparativamente a anos anteriores, mas este aumento não é explicado pelas mortes reportadas de COVID-19. Em relação às causas, os dados sugerem uma explicação tripartida para o excesso de mortalidade: mortes por COVID-19 identificadas pelas autoridades, mortes por COVID-19 mas não identificadas e diminuição do acesso a cuidados de saúde. Vaz Carneiro afirma: “Neste estudo, o número de mortos em excesso não-Covid foram 4 a 5 vezes mais numeroso que os COVID. Para qualquer plano futuro imediato do SNS, temos de passar da gestão de risco da infecção COVID, para uma gestão de risco global (COVID e não-COVID), para evitar este excesso dramático da mortalidade.”

O estudo avança alguns números preocupantes e que podem justificar estes óbitos: entre 1 de março e 22 de abril houve menos 191.666 doentes com pulseira vermelha nos hospitais, menos 30.159 com pulseira laranja e menos 160.736 com pulseira amarela. Tendo como referência a mortalidade nas 24 a 48 horas após a admissão nos hospitais antes da pandemia, estas quebras correspondem a um potencial de pelo menos 1291 mortes, sendo 79 em doentes triados com pulseira vermelha, 1206 com pulseira laranja e 6 com pulseira amarela.

“Desde muito cedo que manifestámos a nossa preocupação com a forma como os serviços de saúde estavam a reorganizar-se, pelos riscos de deixar outros doentes de fora da resposta, com patologias que precisam também de acesso em tempo útil a cuidados de saúde e que não se compadecem com esperar pelo fim da pandemia”, comenta o bastonário da Ordem dos Médicos. Miguel Guimarães reforça que “as autoridades de saúde, infelizmente, não dispõem de sistemas de monitorização adaptados a esta nova realidade e capazes de fazerem uma análise fina e em tempo real ao que está a acontecer aos chamados doentes não-Covid”.

“É urgente criarmos uma task-force que funcione de forma articulada e que olhe rapidamente para estes dados para poder redesenhar a resposta aos nossos doentes que continuam a precisar de nós e a contar connosco. O milagre de Portugal de que tanto se tem falado não nos pode deixar confortáveis se não conseguirmos melhorar a resposta em todas as frentes”, reforça o bastonário.

 

Lisboa, 28 de abril de 2020

 

2020.04.28_NI – Mortes a mais podem ser cinco vezes superiores às explicadas pela COVID-19