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Estágio médico no Brasil – a minha experiência

Autora: Ana Catarina Ferreira, Interna de 4º ano de MGF na USF Nova Mateus

 

Resumo: O principal objetivo de um programa de intercâmbio no internato de MGF é proporcionar a descoberta de diferentes sistemas de saúde primária e ambientes educacionais. O Brasil encontra-se num patamar bastante diferente no que respeita à riqueza, organização e qualidade dos cuidados primários prestados em comparação com Portugal, daí o seu interesse. O presente artigo pretende apresentar a opinião da interna sobre o seu estágio no Rio de Janeiro, bem como as suas principais aprendizagens.

 

A título histórico, apenas em 1981 houve o reconhecimento pelo Ministério da Educação do Brasil da especialidade de MGF, sendo que só a partir de 2002 houve um claro desenvolvimento da mesma, sobretudo no sul do país, em Porto Alegre. Só muito recentemente, em 2011, se deu a criação da residência em Medicina Familiar e Comunitária (MFC) no Rio de Janeiro, pela Secretaria Municipal de Saúde, inicialmente com 60 vagas. Este programa de residência é composto por 2 anos, com 150 vagas/ano, incentivos económicos pelo programa e pela prefeitura da cidade, bem como por um programa de formação para preceptores que decorre em paralelo. À data atual, o programa de residência em MFC do Rio de Janeiro é o maior programa de residência do país.

O estágio decorreu no Centro Municipal de Saúde José Manoel Ferreira, no bairro do Catete, durante um mês, integrado no terceiro ano de internato da especialidade.

Ao longo do estágio, a interna teve uma atitude sobretudo observacional, apesar de ter assumido algumas consultas de forma autónoma. A proporção de consultas abertas face às programadas é muito maior no Brasil, ocupando a maior parte da agenda. Assim, é notória a destreza dos clínicos na resolução de problemas agudos em comparação com a sua maior dificuldade na gestão de condições crónicas. Além das consultas, a interna participou também nas visitas domiciliárias, metade na dita “comunidade de asfalto”, as habitações em bairros comuns, e a restante nas favelas, onde as condições de higiene, saúde e segurança eram mais periclitantes. As reuniões formativas para internos, quer no centro de saúde (CS) quer na coordenação de internato, foram também uma mais-valia, quer na compreensão do sistema nacional de saúde brasileiro e seus desafios, bem como na aprendizagem clínica nos seminários teóricos.

Os principais pontos fortes foram: – Agentes Comunitários de Saúde (funcionários que trabalham no e para o CS, sendo responsáveis por determinadas áreas geográficas e que acompanham sempre o médico nas visitas ao domicílio, estabelecem a ponte entre o sistema e os doentes, avisando-os das consultas, dos resultados de exames e da data da marcação de consultas hospitalares); – Matriciamento (todas as semanas o CS era visitado por uma ginecologista, dermatologista e psiquiatra. Esses colegas observam em conjunto com os internos da unidade os casos nos quais estes últimos tenham tido mais dificuldades); – Academia Carioca: ginásio no CS com um professor de educação física que faz exercícios adaptados para os utentes referenciados ao programa pelo médico de família; – Grupos de Apoio (Musicoterapia, consulta da dor, etc.); – Existência de farmácia e centro de colheita de análises no CS; – Laboratório de informática nas instalações do CS; – Elevada competência na abordagem a doenças infeciosas e em pequena cirurgia; – Disponibilidade do orientador de formação (OF) para o interno (o OF quase não faz consultas, o seu trabalho centra-se na revisão dos registos dos internos, assiste a algumas das consultas e corrige trabalhos e casos clínicos resolvidos por estes).

Os aspetos menos positivos dos CSP deste país são o escasso acompanhamento de doenças crónicas e planeamento em saúde; recursos materiais básicos muitas vezes em rotura (papel marquesa, kits de sutura, etc.) e articulação com cuidados de saúde secundários difícil e demorada, mesmo no caso de urgência.

Este programa foi uma oportunidade incrível e valiosa, que permite a jovens médicos de MGF inspirarem-se e introduzir-se a novos métodos de desenvolvimento profissional para a aprendizagem ao longo da vida.