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Escusas de responsabilidade são “um grito de alerta” para mudanças urgentes no SNS

A Ordem dos Médicos (OM) já recebeu este ano 230 pedidos de escusa de responsabilidade. A maioria dos pedidos surgiram de médicos que trabalham na região de Lisboa e Vale do Tejo (148). Da região Norte chegaram 40, do Centro 24 e do Algarve 18 (mais do dobro de todo o ano passado (6).

Em declarações à Lusa, bastonário da Ordem dos Médicos admitiu que acredita que estes números “estão subavaliados” e que a realidade é muito maior: temos um e-mail para denúncias, com dados brutais, mas [em relação às escusas de responsabilidade] estes dados serão sempre inferiores aos reais.” Isto porque “os pedidos de escusa de responsabilidade vão para a Ordem e são entregues também nos hospitais, mas algumas vão para as secções regionais e outras para o conselho nacional”.

Miguel Guimarães considera que o número avultado destes pedidos simboliza “um grito de alerta, uma chamada de atenção para estas situações, que se enquadra perfeitamente naquilo que é o estatuto da Ordem dos Médicos: o dever que temos de proteger os nossos doentes”, disse. O bastonário reiterou que o facto de o médico pedir escusa de responsabilidade não quer dizer que deixa de ser responsável, ou que vai deixar de fazer aquilo que é o seu serviço.

“Significa que sabe que está a trabalhar em condições que não são as adequadas para o exercício da sua profissão e sabe que, por causa disso, podem acontecer mais erros, ou pode não conseguir fazer aquilo que desejaria fazer porque não tem os equipamentos e os materiais devidos ou porque, por exemplo, está a trabalhar há mais de 24 horas seguidas, em que a capacidade de decisão já não é exatamente a mesma, nomeadamente no serviço de urgência.”

A relação entre o número de pedidos de escusa de responsabilidade e o número de médicos que todos os dias saem do Serviço Nacional de Saúde tem uma origem clara para Miguel Guimarães:  deficiências no SNS.

“Não há um dia que não saia um médico do SNS e não é por reforma. Nem são apenas os jovens médicos que acabam a especialidade e não ocupam as vagas que, entretanto, abrem, que já vai numa taxa altíssima de quase 40%. São também os especialistas, que são importantes para ajudar os nossos doentes e para a formação médica dos jovens internos, que estão a sair do Serviço Nacional de Saúde”, afirmou.

E adicionou que o SNS “não está a servir os objetivos para o qual foi criado” e que são precisas “novas formas de gestão adequadas aos tempos modernos, nomeadamente na área da autonomia, da flexibilidade da gestão e da contratação pública”.

“As regras da contratação publica não se aplicam a saúde, não é possível. Se quero contratar médicos, ou enfermeiros, (…) para cumprir as regras, vou conseguir contratá-los daqui a seis meses ou um ano. Precisamos que fazer aquilo que alguns países europeus já fizeram, que é ter um novo modelo de gestão na saúde que inclua algumas das regras aplicadas no setor privado, explicou.

Contudo, frisou, “isso não chega para manter as pessoas, para manter os profissionais é preciso valorizar o seu trabalho pelo que é a sua formação, a sua competência e, sobretudo, a sua responsabilidade”.

O bastonário lembrou que o SNS está a estabilizar a atividade que tinha em 2019 e que não está a recuperar, defendendo para isso um plano com parcerias com os setores privados e social em diversas áreas.