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Escala dos médicos internos do CHLC para serviço de urgência no CHLN

Internos de Ortopedia do CHLC – Escala para realização de serviço de urgência no CHLN – Legalidade

Foi solicitado a este departamento que apreciasse a legalidade da escala dos médicos internos de Ortopedia do CHLC, EPE para realizarem serviço de urgência da especialidade no CHLN, EPE. Nessa escala estavam também incluídos especialistas do serviço do CHLC.

Segundo resulta da documentação que nos foi fornecida, esta situação iniciou-se em Janeiro de corrente ano, sendo que a partir da primeira semana de Março evoluiu, passando os internos do CHLC a serem escalados um dia por semana (um interno, de segunda a sexta-feira), sem a participação de qualquer especialista do serviço, isto é, depreende-se que os especialistas do CHLC deixaram de ter que prestar serviço de urgência no CHLN.

Vejamos.

Dado que a questão envolve diversas perspectivas, seja a questão das horas de urgência, seja a prestação de serviço em estabelecimento que não o de colocação, iremos apreciar cada uma dessas questões.

Assim, quanto à urgência, não nos foi disponibilizada a escala pelo que não podemos saber qual o número de horas que cada interno está “obrigado” a realizar no CHLN e no CHLC, se é que faz algumas horas de urgência no serviço de colocação, algo que não resulta claro da exposição.

De todo o modo, o que podemos dizer é que neste aspecto do número de horas de serviço de urgência, o artigo 49.º do Regulamento do Internato Médico estipula, no n.º 5, que “a prestação em serviço de urgência ou similar que ultrapasse as doze horas semanais não deve prejudicar os objectivos fixados para cada estágio do programa de formação”.

Ou seja, desde logo haverá que tentar saber se a realização de serviço de urgência no CHLN (e no CHLC, se isso ocorrer) excede ou não as doze horas semanais e, em caso afirmativo, se a ultrapassagem desse limite prejudica os objectivos do programa de formação, algo que está para além das nossas capacidades enquanto juristas, competindo aos internos visados pela escala (com o eventual apoio do colégio da especialidade) colocar esta questão à direcção do internato médico do CHLC e à CRIM, entidades legalmente competentes para “fiscalizarem” o cumprimento do programa de formação.

Na apreciação deste primeiro ponto haverá ainda que ter presente o princípio da “dedicação exclusiva” à formação que recai sobre todos os internos.

Com efeito, os médicos internos estão legalmente obrigados a “(…) dedicar à formação teórica e prática a sua actividade profissional durante toda a semana de trabalho e estão impedidos de acumular outras funções públicas, salvo funções docentes(…)” – vide artigo 16.º do Regime Jurídico do Internato Médico.

Ora, embora a informação disponibilizada seja escasse, parece-nos que a decisão de escalar os internos do CHLC para realizar o serviço de urgência no CHLN não tem qualquer intuito formativo, constituindo antes uma solução (?) para satisfazer aparentes deficit assistenciais na área da Ortopedia (desconhecemos a existência de qualquer estudo que justifique a concentração da resposta assistencial na área da Ortopedia num único estabelecimento hospitalar, ao caso o CHLN).

Questão diferente, mas igualmente relevante, é a da possibilidade legal dos médicos internos serem “obrigados” a exercer as suas funções noutro estabelecimento que não o de colocação.

É sabido que certos estágios podem ser realizados noutro estabelecimento que não no estabelecimento de colocação.

Contudo, parece-nos evidente que esta não é a situação. Assim, a questão da legalidade dessa “mobilidade” torna-se relevante.

Como resulta do artigo 13.º do RIM, os médicos internos vinculam-se por meio de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto ou, no caso de já possuírem vínculo, por comissão de serviço, sendo esta última situação muito rara. Assim, vejamos o que dispõe o regime jurídico do contrato de trabalho em funções públicas sobre a questão do local de trabalho.

De acordo com o artigo 116.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, “O trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido, sem prejuízo do regime de mobilidade geral aplicável às relações jurídicas de emprego público constituídas por tempo indeterminado” (sublinhado nosso).

Como se pode concluir pelo nosso sublinhado da parte final do artigo, a possibilidade de realização da prestação laboral noutro local que não o contratualmente definido não existe no caso dos contratos a termo resolutivo incerto.

É uma actuação proibida à entidade patronal, como resulta do artigo 89.º, alínea f) da citada Lei n.º 59/2008: “É proibido à entidade empregadora pública: (…) f) Sujeitar o trabalhador a mobilidade geral ou especial, salvo nos casos previstos na lei”.

A lei não prevê a aplicação do mecanismo da mobilidade aos contratos a termo. Com efeito, a mobilidade geral que está prevista nos artigos 58.º e seguintes da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro apenas se aplica aos contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado – vide n.º 2 do artigo 39.º da citada Lei.

E a mobilidade que está prevista no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (artigo 22.º-A) também não é aplicável aos médicos internos, dado que remete para o regime da mobilidade geral da função pública que, como vimos, exclui da sua aplicação os contratos a termo resolutivo incerto.

Em face do exposto, será seguro afirmar que a mobilidade a que estão sujeitos os médicos internos de ortopedia do CHLC constitui um acto ilegal, por violar os artigos 116.º e 89.º, alínea f, do regime jurídico do contrato de trabalho em funções públicas, o artigo 39.º, n.º 2 da Lei n.º 12-A/2008 e o artigo 22.º-A do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, além dos artigos 13.º, n.os 1 e 3, e 14.º-A do Regime Jurídico do Internato Médico.

Será ainda ilegal por violação do artigo 16.º, n.os 2 e 3 do Regime Jurídico do Internato Médico, caso se confirme que essas horas de urgência não constituem actividade formativa e excedem o limite legalmente previsto.

Constituindo a escala uma verdadeira ordem, os médicos internos estão disciplinarmente obrigados ao seu cumprimento, como determina a contrario sensu o artigo 5.º, n.º 5 do Estatuto Disciplinar da Função Pública.

Não estão, no entanto, impedidos de reclamar da ilegalidade dessa mesma ordem, o que poderão fazer directamente ao autor ou para o superior hierárquico ou, ainda, directamente para os tribunais.

Considerando a conhecida demora das instâncias judiciais, somos de parecer que a reclamação junto do autor do acto (a escala), com conhecimento à direcção do internato médico do CHLC, à comissão regional do internato médico, ao conselho de administração do CHLC e à ARSLVT, será a via mais eficaz para a reposição da legalidade, pelo que se aconselha.

Esta é, salvo melhor, a nossa opinião.

O Consultor Jurídico,

Vasco Coelho
2014-03-26
97/2014/CNE
OM00A156