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Ecos do congresso | Francisco Assis (presidente do Conselho Económico e Social)

 

Refere que em Portugal não há uma cultura de autonomia. Os hospitais, com esta pandemia, acabaram por exercer essa autonomia e as coisas decorreram de forma diferente. Acha que há uma lição a retirar?

Julgo que sim. A verdade é que o reforço da autonomia contribuiu para uma melhor resposta à crise. Esse é um problema geral do país, não se manifesta só no setor da saúde, manifesta-se em várias áreas. Há uma certa desconfiança em delegar competências e responsabilidades. Essa autonomia deve começar por uma grande exigência no processo de nomeação das pessoas, depois por um exercício de responsabilidade constante, mas com uma relação de confiança que tem de existir. Essa relação de confiança falha muito na sociedade portuguesa, tendemos a desconfiar muito uns dos outros, na competência e na capacidade de resolução uns dos outros. Há uma espécie de centralismo em todos os domínios do Estado português e da sociedade, e isso manifesta-se dramaticamente em vários setores e no setor da saúde isso é uma evidência. Da parte dos administradores da saúde há uma grande preocupação em relação a isso.

Acha que esta autonomia vai ser apenas conjuntural ou que se pode tornar estrutural?

Isso eu não posso antecipar, mas acredito que agora era importante fazermos uma reflexão profunda e serena sobre o que se passou, as lições que se podem retirar deste processo e as modificações que devem ser introduzidas em função das ilações que tirámos. Esse é um exercício que o país tem de fazer em conjunto, com a diversidade de pontos de vista políticos, sociais e económicos. Temos a obrigação de, em conjunto, fazermos uma reflexão séria sobre o que se passa. Os momentos de crise são momentos em que vêm mais ao de cima quer as dificuldades, quer as novas soluções e aprende-se com isso. Espera-se que essa aprendizagem não seja de resultados efémeros e que projete o futuro.

Defende que é preciso haver uma maior abertura do poder político e promoveu isso no Conselho Económico e Social, para o qual convidou a Ordem dos Médicos. Qual é a importância de ter a Ordem dos Médicos no CES?

Primeiro porque é uma Ordem da maior importância na vida do país. É muito difícil pensar no Conselho Económico e Social sem uma forte participação da componente da saúde e da componente médica. A presença da Ordem dos Médicos tem para mim um significado especial e é imprescindível nos tempos em que estamos a viver no nosso país e no mundo em geral. Isso significa uma valorização da Ordem, mas também significa uma valorização da temática da saúde. Criámos quatro grupos de trabalho e um deles é precisamente no domínio da saúde, coordenado pelo Professor Adalberto Campos Fernandes, uma personalidade de reconhecido mérito. Mais para o final do ano teremos um documento que será o corolário de uma reflexão muito participada.

Que mensagem gostaria de deixar aos médicos neste Congresso, em que até partilhou, em jeito de graça, a sua decisão de não seguir medicina.

Eu tenho muito respeito pela atividade médica. Tanto que percebi que, não tendo vocação, não devia ser médico e tirar o lugar a outro. Tenho a noção que os médicos têm um papel sempre essencial em todo o mundo e em todas as sociedades, mas que nem sempre isso é devidamente reconhecido. Os momentos de crise são momentos em que toda a gente reconhece a importância da atividade médica e há outros momentos em que isso não acontece assim. Todas as profissões são muito importantes, mas esta profissão é uma profissão especial que exige uma vocação absoluta. Quem não tem uma vocação absoluta não pode ser médico. Queria agradecer em nome do Conselho Económico e Social todo o trabalho que os médicos desenvolveram ao longo destes meses muito difíceis e desejar que seja possível prosseguir um trabalho de melhoria do nosso sistema de saúde para que os médicos possam ver o seu trabalho plenamente reconhecido, o que muitas vezes não é só materialmente, é também nas condições de trabalho, no ambiente de trabalho, na forma como o trabalho se desenvolve.