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Ecos do congresso | Carlos Fiolhais (físico e professor universitário)

Qual a importância da ciência em tempo de pandemia e dos médicos enquanto cientistas? O que é que esta pandemia mudou na relação entre a medicina e a ciência?

A medicina é a ciência. Sempre foi. Sempre que a ciência progrediu a medicina mudou. Agora vimos isso ao vivo e a cores. A sociedade foi confrontada com um novo mal, uma surpresa completa, e a ciência mobilizou-se completamente e, dentro da ciência, também a medicina. Tivemos de fazer tudo ao mesmo tempo. O vírus era completamente novo, mas a resposta dificilmente poderia ter sido melhor, não só na identificação do vírus e nos testes com base nessa identificação, como a seguir, na preparação de vacinas novas com base no RNA modificado e as outras mais convencionais. É um trabalho acelerado, mas que foi feito em conjunto, entre a comunidade médica e a comunidade científica, sendo a interseção muito grande.

Que lição podemos retirar deste trabalho?

Temos de aprender o valor da ciência. Temos de aprender que aquela percentagem pequena da nossa riqueza que investimos na ciência é uma aposta no futuro. A ciência é uma semente que se lançou e vamos apanhar o fruto, sendo que, se calhar, lançámos a semente sem saber qual era o fruto que íamos apanhar. Estas vacinas revolucionárias vêm de duas empresas que estavam a fazer coisas completamente diferentes na área médica. De repente mudam tudo o que estão a fazer. Precisamos de confiar e investir mais na ciência, sabendo que ela é uma espécie de chave, uma porta de entrada no futuro, e que o futuro tem surpresas e evidentemente não podemos prever tudo o que vai acontecer, mas podemos diminuir o risco e a insegurança se tivermos o conhecimento.

Está otimista quanto ao futuro?

Sim, mas não sou ingénuo e sei que também existe muita pseudociência. Veja-se o caso da internet, como nasceu ligada à ciência e aquilo para que serve. O que está a acontecer neste momento é uma pandemia, mas é também aquilo que as Nações Unidas chamam de uma infodemia, com a circulação de informações falsas e prejudiciais e que se expandem muito mais rápido do que a própria pandemia. Que arma nos pode defender disso? É a educação, a racionalidade. Não está garantido que ganhem, mas é o que podemos defender.

Que palavra final deixa aos médicos? O que é que mudou na forma como os vê?

Sempre tive um enorme respeito pela profissão médica porque sei que são pessoas que têm uma base de ciência. Mas também têm outro lado, de ajuda, um lado humano, o lado da compaixão. E isso é uma dimensão adicional. Há um autor português do século XVII, Rodrigo de Castro, que era judeu e que escreveu na Alemanha o livro “O Médico Político”. Nesse livro, Rodrigo de Castro diz que o médico é um homem bom que sabe de medicina. Não é uma pessoa que sabe de medicina e que é bom. Os médicos são homens bons e alguns sabem tanto de medicina que a conjugação perfeita entre as duas coisas permite-nos a saúde e, portanto, vida.