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Doença de Parkinson: Um olhar para além da farmacoterapia

Autora: Luísa Camacho Fernandes, médica interna de Formação Especifica em Medicina Geral e Familiar na USF Sete Caminhos (ACES Grande Porto II/Gondomar)

 

Como médicos, e sempre com a missão e o dever de ajudarmos os nossos doentes, torna-se, por vezes, difícil lidarmos com a eventual ineficácia que a terapêutica farmacológica apresenta em determinados aspetos de algumas doenças, nomeadamente a doença de Parkinson (DP). Por vezes, olhar um pouco mais além e complementar diferentes tipos de terapêutica pode fazer a diferença.

A DP é uma das doenças neurodegenerativas progressivas mais comuns que ocorrem em idosos. Consequente à degeneração dos neurónios dopaminérgicos na substância negra e à formação de corpos de Lewy surge a sintomatologia motora, nomeadamente bradicinésia, rigidez e tremor, com distúrbios da marcha e postura.1 Apesar destes sintomas serem, muitas vezes, apontados como os principais culpados por toda a incapacidade que surge com a doença, esta associa-se a distúrbios não motores, tais como distúrbios do humor (depressão, ansiedade e apatia), insónia e fadiga, podendo ocorrer em até 50% dos casos.2 Todo o quadro pode causar não apenas um declínio cognitivo e desinteresse pela vida, mas também perda de independência, levando a uma redução importante da qualidade de vida. Vários estudos confirmam que a terapêutica farmacológica não atua convenientemente, num grande número de casos, a nível da sintomatologia não-motora.1 O aumento da atividade física no geral e de forma regular tem vindo a ser associado com a melhoria da qualidade de vida e da mobilidade ao longo do tempo na DP. Vários estudos têm reportado que a dança, treino de resistência, exercícios de alongamento ou uma simples caminhada são eficazes na melhoria funcional destes doentes.3 Os exercícios mente-corpo enfatizam quer o alongamento e relaxamento do músculo esquelético, o treino da coordenação física e o controlo da respiração e movimento. Atualmente, os tipos de exercícios físicos e mentais mais comuns incluem o Qigong, Tai Chi e a Yoga.1 Hábitos de atividade física regulares, incluindo pelo menos duas horas e meia por semana, foram associados significativamente a um menor declínio na qualidade de vida e mobilidade funcional.3 Apesar do foco do benefício da prática de atividade física na melhoria dos sintomas não-motores, esta tem também potencial para diminuir a sintomatologia motora associada à DP.1

Como médicos, muito do foco na nossa prática clínica diária dirige-se ao diagnóstico e tratamento das patologias que surgem nos nossos doentes. Como médica interna de Medicina Geral e Familiar, o papel da prevenção surge, cada vez mais, lado a lado a estas duas vertentes da Medicina, aliado à reabilitação. Desde o início da prática da Medicina, há milhares de anos, que o tratamento da sintomatologia apresentada pelos doentes e, em alguns casos, a cura de determinadas patologias, se tornaram o ex-líbris desta arte. No entanto, na atualidade em que vivemos, e atendendo ao aumento da esperança média de vida, surgem, cada vez em maior número, doenças crónicas, progressivas e neurodegenerativas que carecem ainda de muitos anos de estudo e investigação para poder ser prestado um adequado tratamento, em todas as suas vertentes. Assim, torna-se fulcral a tentativa de melhoria da qualidade de vida destes doentes, de forma a minorar toda a restante sintomatologia e incapacidade por elas geradas. Apesar da ocorrência das alterações neurodegenerativas não ser passível de ser prevenida, a atividade física pode ser usada como um importante auxiliar na reabilitação destes doentes, complementando a terapêutica farmacológica na gestão da doença. Tendo em conta todas as provas dadas relativamente à eficácia da terapêutica farmacológica utilizada na DP, nomeadamente no retardar da progressão da doença, esta não deve, em momento algum, ser descurada ou desvalorizada. No entanto, conforme comprovamos no exercício da nossa profissão, sendo reiterado também na literatura, há determinado tipo de sintomatologia que se torna extremamente difícil de ser controlada com a evolução da doença. Com os estudos que têm surgido, nesta e noutras doenças, a atividade física tem-se mostrado, cada vez mais, como um forte aliado à terapêutica farmacológica por nós tão (e bem) utilizada. Mais uma vez, não retirando mérito ao benefício dos fármacos dirigidos a esta insidiosa patologia, talvez esteja na altura de olharmos um pouco mais além, e de começar a ser também hábito a prescrição de atividade física, tal como se de um medicamento se tratasse, obviamente nos casos em que esta esteja indicada.

Quando observamos na nossa prática clínica doentes com DP, nomeadamente numa fase mais avançada da doença, muita da informação por nós partilhada deve, em muitos casos, ser também discutida com os cuidadores. Quer seja pelo curso da doença em si, pela perda de autonomia que acarreta ao longo do tempo, e pela constante necessidade de prestação de cuidados, por exemplo, para um cumprimento terapêutico adequado, cada vez mais os cuidadores assumem um papel fulcral na vida destes doentes. Relativamente ao incentivo para a utilização de terapêuticas complementares como a aqui abordada, este apoio torna-se igualmente fundamental. Muitas vezes, tendo em conta as dificuldades que vão surgindo no dia-a-dia destes doentes e diariamente presenciadas pelos cuidadores, poderá facilmente cair-se na tentação de assumir que o efeito benéfico que tal atividade possa ter será praticamente nulo. E tal presunção é aqui afirmada sem a emissão de qualquer juízo de valor. Como clínicos, observamos o declínio, em termos motores e cognitivos, destes nossos doentes, muitas vezes assistindo de bancada e com a sensação de pouco conseguirmos oferecer para um verdadeiro tratamento e controlo da doença. Se nós, com a criação da relação médico-doente e com o distanciamento necessário ficamos apoderados de tal sentimento, como ficarão os cuidadores? Muito provavelmente, e como muitas vezes acontece, pesquisam tratamentos inovadores, qualquer coisa que possa reverter ou adiar a progressão da doença, minorando o sofrimento dos seus, e deles próprios. Perante a dificuldade em encontrar uma solução possível, será lícito questionarem se algo tão simples, e até banal, como a prática de atividade física terá efetivamente algum impacto. Neste ponto, entramos com o nosso papel de explicar e aconselhar a algo inócuo (avaliando sempre caso a caso), e que já demonstrou ter um papel bastante positivo em determinados aspetos da doença.

Assim, todos os profissionais de saúde devem encorajar e facilitar a prática de atividade física regular em todos os doentes com DP (e não só), em qualquer estadio da doença, mesmo nos mais graves, nunca esquecendo a importância major do cumprimento da toma da terapêutica farmacológica prescrita em cada caso. É também nossa obrigação, tal como com a prescrição de uma levodopa e carbidopa, explicarmos convenientemente aos doentes quais os benefícios de tal tratamento, e de que forma este deve ser realizado. Desta forma, torna-se também mais percetível para os doentes e seus cuidadores (e talvez também para nós) a validade e eficiência deste tratamento não-farmacológico, muitas vezes desvalorizado, e que pode, à partida, ser considerado como tendo apenas um efeito placebo. No entanto, quando observamos a literatura, concluímos que vai muito para além disso.

 

Bibliografia

  1. Jin X, et al. The Impact of Mind-body Exercises on Motor Function, Depressive Symptoms, and Quality of Life in Parkinson’s Disease: A Systematic Review and Meta-analysis. Int J Environ Res Public Health. 2019; 17(1):31
  2. Wu PL, Lee M, Huang TT. Effectiveness of physical activity on patients with depression and Parkinson’s disease: A systematic review. PLoS One 2017; 12(7): e0181515
  3. Rafferty MR, et al. Regular Exercise, Quality of Life, and Mobility in Parkinson’s Disease: A Longitudinal Analysis of National Parkinson Foundation Quality Improvement Initiative Data. J Parkinsons Dis. 2017; 7(1): 193-202