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Congresso à mesa | Dia 1

 

PANDEMIA: HISTÓRIA, CIÊNCIA E PESSOAS

Não há melhor forma de começar um congresso que tem “a ciência em tempo de pandemia” como mote, do que com uma contextualização histórica, aludindo a pandemias anteriores à COVID-19 e a tempos que já nos parecem remotos, mas com os quais podemos aprender bastante. Maria do Sameiro Barroso, impulsionadora do Núcleo de História da Medicina da Ordem dos Médicos, começou por demonstrar e datar alguns factos históricos da própria medicina, desde os primeiros instrumentos cirúrgicos, passando pelas primeiras formas de receituário e atos anestésicos. Já Carlos Fiolhais ofereceu ao auditório algumas notas sobre pandemias anteriores, tal como a Peste Negra (1347-1351) e a Peste Bubónica do Porto (1899). “A ciência é um trabalho solitário, é um trabalho duro… e o saber está à disposição”, afirmou o físico e professor catedrático, argumentando que apesar da “desgraça” que acarretam, as pandemias permitiram uma “aprendizagem” decisiva para o que enfrentamos hoje.

Através de videoconferência, o sociólogo Boaventura Sousa Santos juntou-se à mesa e acrescentou conhecimento sobre as consequências sociais da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2. “O vírus vinca as desigualdades sociais”, afirmou, aludindo ao “problema da fome” e à “desigualdade de acesso a cuidados de saúde” como flagelos que têm vindo a aumentar. Tais considerações levam o orador a considerar que “o modelo de sociedade tem de ser repensado”.

A moderar esta sessão estiveram Germano de Sousa, antigo bastonário da Ordem dos Médicos, e Lurdes Gandra, secretária do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos. Ambos consideraram “interessante” saber como a ciência esclarece, quase sempre, a história.

 

 

O PAPEL DOS MÉDICOS NA PANDEMIA

Roberto Roncon, Luís Cadinha, Nuno Jacinto, Pedro Norton, Margarida Morgado, Noel Carrilho e Jorge Roque da Cunha foram os palestrantes desta mesa que demonstrou a transversalidade das várias áreas e especialidades médicas no combate à pandemia. Com moderação de Alexandre Valentim Lourenço e de Joaquim Viana, os vários intervenientes destacaram o grande desafio que a COVID-19 representou, obrigando a uma reorganização de serviços e equipas nos vários níveis de cuidados, para melhor corresponder às necessidades da população – mesmo quando os meios humanos e técnicos escasseavam.

O papel dos médicos no plano de vacinação, nomeadamente pelo exemplo que deram ao aderirem à imunização logo desde o início, foi também apontado como um fator decisivo para aumentar a confiança da população. Aliás, uma das conclusões da mesa foi que a comunicação dos médicos com os cidadãos, em especial através da comunicação social, foi crítica para manter a confiança, a tranquilidade e para incitar a adesão às medidas de combate ao SARS-CoV-2. Em vários momentos, o painel destacou a resiliência e independência do bastonário da Ordem dos Médicos, apontando-se as medidas e propostas que a Ordem dos Médicos fez como essenciais para Portugal ter mais sucesso na pandemia.

Muitos dos palestrantes focaram, em especial, o desafio que o vírus desconhecido representou para a saúde pública, que com poucos recursos foi obrigada a dar resposta a múltiplas solicitações. O papel dos médicos de família, que acompanharam 96% dos doentes COVID-19, foi também enaltecido, com alguns dos presentes a lamentarem a injustiça de se dizer que os centros de saúde estiveram fechados e a dizerem que é urgente libertar os médicos de tarefas administrativas e tarefas COVID, para poderem dedicar-se em exclusivo aos seus doentes de sempre.

 

 

CONFERÊNCIA: ÉTICA EM TEMPO DE PANDEMIA

Médico, professor catedrático aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e especialista em Bioética, Walter Osswald dispensa apresentações. Coube-lhe a condução da grande conferência do dia e, claro, não desiludiu, brindando a audiência com uma sapiência que nos faz refletir.

Para o orador, a mobilização de vários países em torno da produção – em tempo recorde – de vacinas contra a COVID-19 tratou-se de um positivo “abalo ético”. Tanto devido à “raridade” do ato, como também pela solidariedade que o mesmo expôs. “Houve muitos cientistas a partilhar informação” sem preocupação com direitos de autor e patentes. “É de louvar” terem feito esta partilha “sem proveito próprio”, afirmou.

Segundo Walter Osswald, o grande desafio ético, e não só, da pandemia é o processo de vacinação. “O que se impõe é vacinar, vacinar, vacinar”, porque, relembrou, “os riscos são reduzidos e nem sabemos se os riscos são maiores numas vacinas do que noutras”. Não esquecendo as dificuldades da distribuição, o especialista em bioética considera que as diferenças na taxa de cobertura entre alguns países eram “inevitáveis”. No entanto, não tem dúvidas ao afirmar que “havendo vacinas suficientes” é urgente fazê-las chegar a todos os territórios.

“Houve ou não houve discriminação de doentes que não tinham COVID-19?” Esta foi uma questão que Walter Osswald lançou e que o mesmo não respondeu de forma perentória. O que é certo é que “os doentes não-COVID não foram considerados prioritários” acabando, muitos deles, por ficar para trás sem acesso a cuidados de saúde. “Sabemos que houve mortes a mais”, lamentou, assinalando várias fragilidades do Serviço Nacional de Saúde e de todo o sistema de saúde.

Sobre o futuro não consegue dizer que “vai ficar tudo bem”, pois há dimensões que devem ser corrigidas, mas já não estavam bem antes. “Os médicos têm de ter mais autonomia”, reivindicou. Até porque autonomia e melhores condições de trabalho são dois bons ingredientes para prevenir o “sofrimento ético” pelo qual tantos profissionais passaram durante a pandemia. “A fase mais elevada da sabedoria consta da pergunta, não da resposta”, e Walter Osswald elevou este congresso para patamares de excelência, oferecendo-nos muitas respostas, mas ainda mais interrogações.

 

 

ECONOMIA EM SAÚDE – DESAFIOS PARA O FUTURO

A pandemia impulsionou muitas mudanças estruturais que, sem esta crise de saúde pública, dificilmente seriam implementadas nos próximos anos. Além disso, as instituições conseguiram encontrar o seu caminho sozinhas, pelo que muitas soluções estão, na realidade, dentro do sistema. Contudo, as alterações ainda são mencionadas como temporárias, quando era importante que fossemos capazes de as normalizar. Estas foram algumas das principais ideias defendidas por Nadim Habib, professor na Nova School of Business and Economics, da Universidade Nova de Lisboa, na mesa “Economia em Saúde – Desafios para o Futuro”. O especialista destacou, como fator positivo, que temos uma saúde que está a ficar menos focada nos hospitais, mas alertou que há um caminho a fazer para se aproveitar mais a digitalização. Segundo Nadim Habib, Portugal até tem tido capacidade de comprar alguma tecnologia, mas tem sido lento a converter a inovação tecnológica em inovação organizacional.

Na mesma mesa foi palestrante Pedro Pita Barros, professor catedrático da Nova School of Business and Economics, que sublinhou que muitos dos problemas que tínhamos antes da Covid-19 se mantêm, desde logo a suborçamentação, os pagamentos em atraso a fornecedores e a necessidade de verbas adicionais. Ainda assim, o economista considera que houve áreas que beneficiaram da necessidade de encontrar novas formas de organização, como os cuidados de saúde primários e a hospitalização domiciliária, insistindo que importa investir e enquadrar os caminhos encontrados. Pita Barros considera como ganho positivo da pandemia a resiliência do sistema de saúde, que resultou da capacidade de visão e de mobilização de recursos adequados, num movimento que define como “preparar para estar preparado”.