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Comunicado da Ordem dos Médicos – declarações do Ministro da Saúde ao Jornal de Notícias

Ordem dos Médicos Conselho Nacional Executivo

COMUNICADO

NUNCA VOU A UM S.A.P. NEM NUNCA IREI

Numa entrevista ao JN de 6 de Agosto, Sua Excelência o Senhor Ministro da Saúde terá feito um conjunto de afirmações, entre as quais se destacam a que foi chamada para título e que se transcreve: “Nunca vou a um S.A.P. nem nunca irei”.
Descontado que tem que ser a época jornalística em curso, adequadamente chamada de “silly season”, em que a ausência de notícias e o país a banhos obrigam a uma hipertrofia por vezes enviesada do que se disse ou se pretendeu dizer, não pode a Ordem dos Médicos, tomando como rigorosas, objectivas e voluntárias, as afirmações atribuídas a Sua Excelência o Senhor Ministro da Saúde, deixar de reagir. A ser totalmente exacto o que terá sido afirmado pelo mais alto responsável da saúde em Portugal, não poderá a Ordem dos Médicos deixar de classificar as suas palavras como ignorantes, infelizes, incultas, despesistas, distraídas e ofensivas para profissionais da saúde e doentes. O Senhor Ministro fala com o soberbo palanfrório de quem paira acima dos limitados recursos da generalidade dos portugueses.
São palavras ignorantes porque o Senhor Ministro ignora que há SAPs que funcionam como verdadeiras urgências hospitalares, com recursos para efectuar alguns exames complementares essenciais, e com dois Médicos, e outros profissionais de saúde, em presença física permanente.
São palavras infelizes porque incentivam o sistema hospitalocêntrico de Portugal, quando devia ser exactamente ao contrário! Quando se pretende tirar doentes das urgências hospitalares, quase todas sobrecarregadas e a trabalhar no limite, algumas sem condições de país civilizado, inacreditavelmente o Senhor Ministro vem dizer aos portugueses que as entupam ainda mais!
São palavras incultas porque o Senhor Ministro não tem a mínima noção de que um Médico, até sem estetoscópio, pode salvar uma vida! Que o simples acto de colocar um soro pode evitar um choque hipovolémico irreversível num politraumatizado! Que duas ampolas de Furosemida podem permitir que um doente com edema agudo do pulmão chegue vivo a um centro com mais recursos! Que a adrenalina subcutânea pode salvar um doente em choque anafilático! Que o acto de tossir pode reverter uma taquicardia supraventricular paroxística! Que colocar um tubo endotraqueal pode ser a diferença entre a vida e a morte! Que, numa verdadeira urgência, demorar mais meia hora até ser assistido por um Médico pode significar, inexoravelmente, a morte!…
São palavras despesistas porque traduzem que um doente nunca deve acreditar num Médico que não lhe faça uma bateria de exames complementares. Os doentes devem passar a exigir, portanto, Ministro dixit, todos os mais sofisticados exames complementares quando apresentam um qualquer transtorno de saúde, mais ou menos agudo, por mais simples que seja. Segundo o Ministro da Saúde, um Médico com estetoscópio não é de confiança!
Palavras distraídas porque o Senhor Ministro esquece-se que é exactamente o Ministro da Saúde e, por consequência, o principal responsável pela ausência de melhores condições em tantos níveis do Sistema de Saúde português, incluindo os SAPs! Espantoso!
Palavras ofensivas para os doentes que não vivem na cidade grande e que têm nos SAPs o único recurso verdadeiramente acessível para situações agudas.
Palavras ofensivas para os Médicos que, sem a infalibilidade que não é apanágio de nenhum Médico ou ser humano mas com a máxima dedicação, competência e preocupação, dão o seu melhor aos doentes que observam nos SAPs, resolvendo-lhes a esmagadora maioria dos problemas, evitando deslocações desnecessárias às urgências hospitalares e, seguramente, salvando muitas vidas! Não havia necessidade!…
Enfim, em duas palavras, as respostas do Senhor Ministro da Saúde às questões colocadas pelo JN foram profundamente deploráveis, mas verdadeiramente reveladoras.
Preparem-se os portugueses para o que aí vem.
De facto, o Senhor Ministro pretende encerrar todos os SAPs de Portugal, ainda antes de uma verdadeira e global reforma dos Centros de Saúde, orientada para os ganhos em saúde e não apenas para o cumprimento exclusivo do orçamento do Ministério. Já o começou a fazer, no Centro do país, mas ainda ninguém conhece a prometida rede de Unidades Básicas de Urgência, nem os respectivos critérios de localização e equipamento, muito menos o que significam exactamente e o regulamento das ditas “Consultas Abertas”, que serão criadas em substituição. Na realidade, o Senhor Ministro prepara-se para fechar todos os SAPs, que funcionavam durante as 24h do dia (admitimos que alguns não se justificaria continuarem abertos), e abrir as “Consultas Abertas”, apenas durante o dia. Como serão somente “Consultas Abertas”, irão ter ainda menos recursos técnicos e humanos que os SAPs, se bem que, no terreno, irão desempenhar precisamente as mesmas funções…
Será que, no futuro, numa qualquer entrevista, o Senhor Ministro também irá desaconselhar os portugueses de recorrerem às “Consultas Abertas”?…
Percebe-se que o Senhor Ministro diga mal dos SAPs. Faz parte da sua estratégia para os encerrar. É mais uma reforma pseudo-economicista feita à custa da saúde dos cidadãos. Desgraçadamente, falta alguma perspicácia ao Ministério da Saúde para melhor gerir os recursos existentes sem prejudicar a qualidade e a quantidade dos serviços básicos prestados aos portugueses e sem destruir o Serviço Nacional de Saúde. Os prejudicados serão os doentes.
Coimbra, 14 de Agosto de 2006
Pelo Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos
Prof. Doutor José Manuel Silva
Presidente em exercício

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