Autoras: Márcia Filipa Ferreira Azevedo, interna 4º ano de MGF na USF Cândido Figueiredo
Maria Filipe Guarda Felício, interna 4º ano de MGF na USF Vitrius
Desde cedo, em Medicina, somos preparados para as várias componentes da nossa profissão. Ainda assim, por mais aulas que se tenha sobre a relação médico-doente, há dias em que colocar os saberes em prática se revela difícil. A partilha de experiências assistenciais sentidas como desafiantes permite aos profissionais envolvidos obter validação das suas emoções e crescer na construção de relações terapêuticas saudáveis.
Num centro de saúde do interior do país, iniciei uma tarde de consultas com a minha orientadora. Sem que algo o fizesse prever, fomos sequencialmente confrontadas com situações complexas, que prolongaram, em muito, o horário do dia. Dos casos observados, destaco: utente com esquizofrenia a quem fora diagnosticado carcinoma vesical; adolescente com múltiplas idas à urgência por queixas inespecíficas, identificando-se um problema social grave; jovem que insiste na realização de TC cranioencefálica, não tendo indicação; utente muito faladora; utente agressivo por ver negada a prorrogação de CIT; migrante sem médico de família, sem suporte social, com quadro compatível com depressão major. No final desta longa “prova de obstáculos”, houve necessidade de parar para refletir e partilhar emoções, discussão que depois se estendeu a outros internos e à reunião de conselho geral.
Todos temos consultas que sentimos como especialmente difíceis; às vezes, no entanto, há momentos em que “tudo” parece acontecer. Quando as agendas parecem distantes ou a compreensão da dolência se assume tão ou mais importante que o diagnóstico diferencial, continuar a construir a relação e, simultaneamente, respeitar o tempo de consulta pode tornar-se uma tarefa hercúlea. A partilha interpares destas vivências potencia o autoconhecimento, previne o burnout e promove o crescimento da equipa, com benefício da relação assistencial (prevenção quinquenária).
Ser Médico de Família é mais que diagnosticar e gerir problemas de saúde. A empatia, preocupação genuína e decisão partilhada são peças-chave para a abordagem integral das necessidades dos doentes, numa relação terapêutica que se constrói ao longo do tempo e que frequentemente comporta desafios para o profissional. A partilha de experiências difíceis e a sua maturação, entre colegas, revela-se uma mais-valia para potenciar e preservar esta relação.