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Centros de Responsabilidade Integrada – proposta de portaria é inaceitável

Divulgamos a posição que a Ordem dos Médicos transmitiu à ACSS sobre a proposta de Portaria relativa aos Centros de Responsabilidade Integrada, em que qualifica a proposta como “inaceitável” apontando as razões. Passamos a transcrever o ofício completo:

 

 

“Exma. Senhora Presidente do Conselho Diretivo da ACSS

 

 

Assunto: Análise da proposta de portaria sobre CRI´s.

 

 

Exma. Senhora Presidente,

 

Acusamos a recepção da proposta de portaria que define o regulamento interno dos serviços clínicos que se organizem em Centros de Responsabilidade Integrada no Serviço Nacional de Saúde, e cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção.

 

Naturalmente que a análise desta proposta carece de ser enquadrada pelo respetivo regime jurídico ao qual, de resto, e nos termos do disposto no artigo 112º da Constituição da República Portuguesa, deve obediência.

 

Assim, e nos termos do recém-publicado Decreto-lei 18/2017, de 10 de fevereiro, que estabelece os princípios e as regras aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde com natureza de entidade pública empresarial, encontra-se estabelecido que, um dos objetivos da política de saúde ao nível organizativo, passa pela “…possibilidade de serem criados Centros de Responsabilidade Integrada com vista a potenciar os resultados da prestação de cuidados de saúde, melhorando a acessibilidade dos utentes e a qualidade dos serviços prestados, aumentando a produtividade dos recursos aplicados” – cfr. preâmbulo do citado diploma.

 

Estes centros foram inicialmente criados como centros de responsabilidade e de custo de atividades homogéneas ou afins (cfr. Decreto-lei 19/88, de 21 de janeiro, regulamentado pelo Decreto Regulamentar 3/88, de 22 de janeiro) e só, posteriormente, evoluíram para centros de responsabilidade integrada (cfr. Decreto-lei 374/99, de 18 de setembro, e Lei 27/2002, de 8 de novembro), tendo como objetivo a melhoria da “…acessibilidade, a qualidade, a produtividade a eficiência e a efetividade da prestação de cuidados de saúde, através de uma melhor gestão dos respetivos recursos” – cfr. 3º do DL 374/99.

 

Deste modo, os Centros de Responsabilidade Integrada não constituem, e ao contrário do que uma leitura mais desatenta do DL 18/2017 poderia inculcar, uma novidade organizativa.

 

De salientar que o DL 374/99 veio a ser revogado apenas em 2003, pelo artigo 42º n.º 1 do Decreto-lei 188/2003, que, no entanto, salvaguardou no seu n.º 2, a manutenção das estruturas criadas pelo DL 374/99 e que, por falta de disposições legais que, entretanto, tenham sido publicadas, se continuou a considerar aplicável a tais estruturas.

 

O recém publicado Decreto-lei 18/2017 dedica apenas quatro artigo aos Centros de Responsabilidade integrada, começando por definir o que são (artigo 9º), passando depois à sua organização interna (artigo 10º), funcionamento e princípios (artigo 11º), terminando com uma disposição relativa ao seu financiamento (artigo 12º), pelo que a maior parte das disposições necessárias ao funcionamento dos centros de responsabilidade integrada são agora e de acordo com a proposta de portaria, relegados para o nível regulamentar.

 

 

Sem prejuízo do que antecede e tendo em consideração o quadro normativo supracitado, cabe-nos, no entanto, dar nota de algumas das insuficiências da proposta de portaria submetida à consulta da Ordem dos Médicos e que, no nosso entender, a tornam, a todos os títulos inaceitável:

 

1 O desaparecimento do termo clinico e a ausência de qualquer referência aos conceitos de gestão ou governação clinica é inaceitável;

 

2 enquanto que o DL 374/99 previa a figura de Diretor (obrigatoriamente profissional médico e só, excecionalmente, não médico – cfr. artigo 6º n.º 1 e artigo 8º DL 374/99) e um conselho consultivo, agora passa a prever-se um conselho de gestão constituído por um diretor, por um gestor/administrador e por um qualquer outro profissional de saúde, sendo que o diretor não tem que ser médico, apesar de, manifestamente, exercer competências na área clinica; esta solução não pode ser por nós aceite, até porque os diplomas que regulam a carreira médica determinam que, no caso de equipas multidisciplinares, é ao médico que cabe a sua coordenação.

 

3 no domínio dos recurso financeiros, desaparece a referência à possibilidade dos Centros de Responsabilidade Integrada gerarem receitas próprias, como também desaparece a referência ao modelo de atribuição de custos; deixa de estar especificado o modelo de dotações orçamentais e é suprimida qualquer referencia referência ao modo de afetação de desvios positivos; para além de uma parca referência constante do artigo 18º da proposta, desaparece a referência a sistemas de incentivos, bem como qual o sistema remuneratório a aplicar;

 

4 É aplicado o regime exclusividade de funções aos elementos da equipa multidisciplinar, mas a proposta de portaria abre a possibilidade de 20% dos elementos de cada grupo não a terem, solução esta que se releva complexa e potenciadora de focos de conflitos entre profissionais; acresce que, para aqueles elementos a quem não seja dada a possibilidade de acumulação de funções, não se encontra prevista qualquer forma de compensação remuneratória;

 

5 Relativamente ao artigo 6.º, importa atentar na redação dada à alínea g), de acordo com a qual compete ao conselho de gestão do CRI garantir a qualidade dos registos e da comunicação relativa às diversas facetas da atividade do serviço e em particular ao processo clínico.

 

6 Ora, em conformidade com o artigo 5.º, n.º 2 da Lei 12/2005, entende-se por «processo clínico» qualquer registo, informatizado ou não, que contenha informação de saúde sobre doentes ou seus familiares.

 

7 Atenta a definição legal de processo clínico considera-se que esta alínea g) carece de clarificação.

 

8 Acresce que, de acordo com o n.º 5 deste mesmo artigo 5.º da Lei 12/2005 “O processo clínico só pode ser consultado por médico incumbido da realização de prestações de saúde a favor da pessoa a que respeita ou, sob a supervisão daquele, por outro profissional de saúde obrigado a sigilo e na medida do estritamente necessário à realização das mesmas, sem prejuízo da investigação epidemiológica, clínica ou genética que possa ser feita sobre os mesmos, ressalvando-se o que fica definido no artigo 16.º”.

 

9 Ou seja, parece-nos que, se o que se pretende é garantir a qualidade dos registos clínicos no processo clínico, será sempre necessário ter em atenção que o acesso ao processo clínico por parte do conselho de gestão com intuitos meramente avaliadores da sua qualidade, poderá violar a indicada Lei, já que nenhuma exceção consta do Decreto-Lei 18/2017 sobre esta matéria.

 

10 Caso neste regulamento se entenda que o processo clínico tem um significado diferente daquele que a lei lhe atribui, então será de usar uma expressão distinta e que não seja suscetível de confusão.

 

11 No que concerne ao artigo 7.º as reservas que temos são, em tudo idênticas às que vêm de ser expressas sobre o artigo 6.º; estatuindo-se que compete ao diretor do conselho de gestão do Centro de Responsabilidade Integrada responsabilizar-se pela qualidade do processo clínico, em todas as situações em que aquele seja um profissional não médico, dificilmente se poderá aceitar que a qualidade de um processo clinico seja avaliada por quem não o é;

 

12 Relativamente ao artigo 8.º, consideramos igualmente inaceitável que, na alínea h)-i.  não seja efetuada qualquer menção à observância das normas clínicas da Ordem dos Médicos;

 

13 Quanto ao artigo 12.º deverá prever-se expressamente que o gozo de licença parental, em qualquer das suas modalidades, permite a substituição do elemento da equipa por outro profissional (e, sendo necessário, a celebração de contrato a termo resolutivo);

 

14 Por outro lado, assinala-se que em nenhum lado está prevista a forma de acordo com a qual os profissionais integram estes centros, sendo que deverá estabelecer-se um processo de seleção que respeite os princípios da igualdade e transparência;

 

15 O artigo 13.º deverá determinar que a coordenação das equipas multidisciplinares cabe a um médico, sem prejuízo da coordenação e supervisão que cabe ao conselho de gestão;

 

16 Quanto ao artigo 15.º dever-se-á prever que a exclusão de um elemento da equipa apenas é possível após um processo no qual seja garantido o direito de audiência e de defesa do elemento a excluir;

 

17 Por último importa dizer que embora as entidades públicas empresariais sejam, maioritariamente, hospitais, a verdade é que também existem unidades locais de saúde que revestem aquela natureza jurídica. Consequentemente, os Centros de Responsabilidade Integrada podem ser criados em qualquer destas entidades, nada obstando a que se apliquem a “centros de saúde” integrados nas ULSs. Deste modo, consideramos que devem ser excluídas do regulamento todas as menções que estão feitas a hospitais.”