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Carta Aberta sobre o anunciado encerramento da MAC

Carta Aberta a sua Excelência o Senhor Ministro da Saúde
MI Dr Paulo Macedo
Assunto: Carta Aberta sobre o anunciado encerramento da MAC.

Três meses depois da Ordem dos Médicos lhe ter enviado a carta que se segue e de não termos obtido qualquer resposta, não resta outra alternativa que não seja transformá-la em carta aberta.
A Ordem dos Médicos sente-se na obrigação de reafirmar publicamente que uma medida com o impacto potencial do encerramento da MAC não pode ser tomada sem divulgação e escrutínio público dos eventuais estudos técnicos que lhe dão suporte, caso esses estudos efectivamente existam.
Encerrar a MAC não pode basear-se apenas em meras afirmações públicas de alegados “ganhos” para o SNS, sem uma análise das consequências para as mulheres e recém-nascidos, afirmações essas proferidas porque tem interesse nesse encerramento, pelo que potencialmente condicionadas por óbvios conflitos de interesse. Alguém tem receio do contraditório?
Segue o texto enviado no princípio de Setembro:
“As afirmações públicas relativas ao putativo próximo encerramento da Maternidade Alfredo da Costa (MAC), por parte de membros da hierarquia governamental, são suficientemente conhecidas.
O próprio Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Central, como é de conhecimento público, comunicou aos Diretores e Responsáveis dos Serviços da MAC que o encerramento desta Instituição ocorreria, de forma faseada, até ao final de 2012.
As razões invocadas foram de ordem estatística, por excesso de capacidade instalada na região de Lisboa, e económica, argumentando o CA que a existência de uma Unidade isolada traria mais custos de funcionamento do que a sua deslocalização para o atual Hospital de D. Estefânia.
Reconhecendo que não é adequado que uma Maternidade esteja desinserida de uma estrutura hospitalar que a complemente, condicionante parcialmente ultrapassada pela sua integração no CHLC, a Ordem dos Médicos, defensora de decisões de sólido carácter técnico, entende ter o dever de expressar as suas preocupações relativamente a esta anunciada decisão.
Com efeito, não é admissível proceder ao encerramento de uma instituição com a História, a Qualidade, a Produtividade, os Recursos Técnicos e Humanos e o espaço de Formação pré e pós-graduada que a MAC comporta sem que a decisão seja, do ponto de vista técnico, clínico e humano absolutamente irrepreensível.
Por este motivo, vimos solicitar a V. Exa., para análise e sustentação da posição da Ordem dos Médicos, o envio dos estudos técnicos que fundamentam a decisão de encerrar/transferir a MAC, que descrevam os custos e os benefícios financeiros do encerramento/transferência da MAC e que descrevam o modo e os procedimentos da execução desse encerramento/transferência da MAC, nomeadamente o destino e a futura acessibilidade das mulheres e das crianças portuguesas às equipas, competências e recursos da MAC, e o que vai acontecer à formação pré e pós-graduada aí ministrada e às idoneidades formativas.
Quando a própria Troika reconhece a necessidade e benefícios económicos da rápida construção do Hospital de Todos os Santos, valerá a pena encerrar precipitadamente a MAC? Que razões terão então levado à decisão do encerramento da MAC, quando parecia lógico que se aguardasse pela construção do novo hospital?
Será verdade que parte da MAC vai ser colocada em contentores (!), de caríssimo aluguer mensal? Que custos financeiros tem o encerramento da MAC?
Para além de todas as outras questões, resultará, de facto, algum benefício financeiro significativo do impetuoso encerramento da MAC? Onde estão as contas? E como vai ser reorganizada a área materno-infantil da grande Lisboa?
Excelência,
Recordamos que a MAC está classificada, desde 2001, no âmbito do Programa de Saúde Materno Infantil, como Hospital de Apoio Perinatal Diferenciado, constituindo, muito mais do que um simples local de partos, uma instituição de referência na saúde pré-natal, neonatal, pré-concepcional e ginecológica.
Em Janeiro de 2010, a MAC recebeu a certificação como “Hospital Amigo dos Bebés”. Serão os futuros contentores igualmente amigos da Qualidade, das mulheres e dos bebés?!
Ao contrário do que tem sido transmitido na comunicação social, o número de partos efectuados na MAC aumentou significativamente de 2010 para 2011. Também o movimento assistencial no primeiro semestre de 2012 aumentou relativamente ao de 2011, mesmo depois do aparecimento de novos hospitais.
No Serviço de Medicina Materno Fetal existem consultas multi-disciplinares diferenciadas, abertas e mantidas desde 1989, que se tornaram referências nacionais, pela quantidade dos casos atendidos e pela qualidade dos cuidados fornecidos.
São consultas que acolhem populações com necessidades especiais, quer sob o ponto de vista clínico (Diabetes, Hipertensão, Gémeos, Doenças Imunológicas e infeção a VIH), quer sob o ponto de vista social.
Só foi possível atingir este nível de cuidados, apostando em equipas multidisciplinares, que incluem médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas e fisioterapeutas que encaram a grávida de uma forma holística, cientes que a saúde tem componentes individuais e de suporte social que vão para além da avaliação médica e que a eficácia desta abordagem só se revela com o entendimento de todos os profissionais.
De referir que estas consultas recebem grávidas referenciadas por colegas e hospitais de áreas muito alargadas, de toda a zona sul do País.
O Centro de Diagnóstico Prenatal da MAC, para além do apoio a toda a patologia obstétrica da Unidade, é ainda local de referência e de consultadoria de muitos casos enviados também de outros hospitais. A diferenciação deste Centro faz dele o local com melhor experiência nacional para o tratamento intra-uterino da anemia fetal na gravidez, para além de ser um Centro que pratica as mais recentes técnicas de estudo fetal e de cirurgia fetal.
A diferenciação dos serviços é possível porque apoiada por um Serviço de Neonatologia, que sempre se desenvolveu a par de inovação terapêutica e tecnológica, com a maior capacidade em Lisboa para receber recém-nascidos, equipada com a última tecnologia, o que permite melhores resultados na ventilação, sobrevivência e sobrevivência intacta de recém- nascidos de baixo peso e muito baixo peso.
A MAC tem neste momento 30 Internos em formação específica de Ginecologia e Obstetrícia, distribuídos pelos 6 anos de internato da especialidade. É a Instituição com maior capacidade formativa na Especialidade e também primeira escolha para os internos com melhor qualificação, dada a qualidade de formação, reconhecida, ano após ano, por todos os Internos.
Para além dos Internos da Maternidade, todos os anos a MAC recebe 20 Internos de outros Hospitais Distritais e Centrais (caso do Hospital S. Francisco Xavier, Fernando da Fonseca e do Hospital D. Estefânia; neste último caso, a solicitação de estágios é já anterior à integração da MAC num Centro comum). Vêm à MAC fazer estágios em Medicina Materno-Fetal, ecografia obstétrica e ecografia ginecológica, infertilidade, colposcopia e planeamento familiar (1 hospital).
O Serviço de Neonatologia recebe também cerca de 30 internos anualmente para fazerem o Estágio obrigatório de Neonatologia (nomeadamente o estágio de cuidados intensivos); A MAC é também o local da realização do ciclo de estudos especiais na área da Neonatologia para os Pediatras que queiram desenvolver esta competência.
Na área da formação pré-graduada, que tem sido omitida, recorda-se que a MAC, desde 2005, é a sede da disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa. Recebe, anualmente 128 alunos do 4º ano e 80 alunos do mestrado integrado da mesma Faculdade. Apenas um dos Assistentes da cadeira não pertence à MAC.
Estas características permitem à MAC ser um importante local de investigação científica e progresso clínico nas áreas daa suas competências.
Por tudo isto, que consideramos mais do que suficiente, é com muita preocupação que recebemos esta informação do encerramento/transferência da MAC, sabendo desde já que constitui um retrocesso em relação aos cuidados de assistência na área da saúde reprodutiva, com prejuízo para as utentes, já que a exiguidade de espaço no Hospital D. Estefânia certamente obrigará a reduzir a capacidade de produção e ensino.
A Ordem dos Médicos, como provedora do(a)s utentes e garante da Qualidade da formação pós-graduada, está particularmente preocupada com o mais que possível/provável desmantelamento das equipas pluridisciplinares que levam anos a constituir, sabendo que o valor de uma equipa é muito superior ao de cada um dos seus elementos.
Mas também estamos, como sempre estaremos, disponíveis para colaborar com as melhores soluções para a Saúde, colaborar na sua execução técnica, e emitir os pareceres que nos sejam solicitados.”

Senhor Ministro, continuamos a aguardar os esclarecimentos solicitados.
Deveremos esperar sentados e concluir que afinal o Ministério da Saúde não dispõe das respostas adequadas?

Ordem dos Médicos, Dezembro de 2012