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“ÁGUAMINHA”

Publicamos em seguida a intervenção do autor de “Águaminha”, o médico psiquiatra Jaime Milheiro, na apresentação do livro que decorreu no dia 25 de Janeiro de 2024 na Ordem dos Médicos no Porto, numa sessão presidida por Eurico Castro Alves, presidente da Secção Regional Norte da Ordem dos Médicos, e que contou com intervenções de Raquel Quelhas Limas, presidente do Instituto de Psicanálise do Porto, e António Leuschner, ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde Mental.

 

Na busca de uma teoria geral da Saúde/Doença e na eterna interrogação sobre o funcionamento global dos seres humanos, há conceptualizações biomédicas que se encontram no limite da consistência e que a prática clínica inquestionavelmente põe em causa.

O isolamento do  órgão, a independência do corpo, a separação da mente, são disso flagrantes exemplos, nesta era em que o conhecimento da unicidade de exercício se encontra  num estado idêntico ao das infecções antes de Pasteur: apenas obliquamente se apercebe e se cuida, apesar das suas irrefutáveis evidências.

Pasteur foi uma figura de tal dimensão na História da Medicina que, mesmo sem darmos por isso,   continua a modelar-nos o presente e o nosso pensamento curativo.

Todos simbolicamente ainda procuramos as malvadas “bactérias” que provocam a Doença, na intenção de as elidir e na inteligência de as extirpar, esquecendo que essa mesma Doença resulta, por norma, de perturbações internas teoricamente dispensáveis e de  “escolhas”   completamente insusceptíveis de antibiogramas formais.

A Medicina e a Psiquiatria ensinaram-me o que era a Doença.

A Psicanálise ensinou-me o que era a Saúde.

Nem a Medicina, nem Psiquiatria, nem a Psicanálise, me ensinaram os amplexos primordiais da primeira na segunda, nem da segunda na primeira.

Não me ensinaram porque não sabiam, obviamente.

Honradamente me compendiaram biologias, fisiologias, endocrinologias, sistemas, ingerências, equivalências, terapêuticas, cirurgias, mas ficaram-se por aí,  mais tarde acrescentando uma escola dita Psicossomática que fez a sua época mas hoje se encontra literalmente esgotada nos seus princípios e nos seus fins.

Mais de cinquenta anos de longas escutas e de individualizadas pesquisas sobre a interioridade do sofrimento,  ensinaram-me a pensar a singularidade  das queixas, o dinamismo das oficinas,  o processamento das corporizações.

Nestes terrenos da Saúde/Doença há desenvolvimentos científicos, laboratoriais, tecnológicos, antropológicos, jurídicos, filosóficos, assistenciais, que incessantemente nos fornecem novíssimas descobertas e excelentes indicações, mas continuam centrados nessa dualidade corpo-mente que importa desconstruir, ocasionalmente avolumada em tertúlias de misticismos,  destinos e ocorrências afins.

Mas seremos obrigados a reconhecer, apesar disso, que a conjugação final é sempre bastante mais complexa do que a soma das partes e sempre bastante mais “humana” do que aquilo que as esquemáticas leituras pretendem fazer crer.

As ciências médicas, psicológicas, sociológicas, epistemológicas, terão de esclarecidamente cruzar-se no futuro próximo.

Terão de  saber enquadrar-se,  compaginar-se, interligar-se, em paradigmas investigacionais muito diferentes dos até agora reverenciados, porque a subjectividade, a misteriosidade, a depressividade, entroncam a Doença no Sapiens e dela jamais serão meros “influencers” emocionais, como habitualmente se diz.

É gigantesca a nossa ignorância neste capítulo.

A teorização daquilo a que chamo “ÁGUAMINHA” (o fluxo da subjectividade no corpo, em canais que adivinhamos mas por agora desconhecemos), baseada nos indícios que na clínica fui recolhendo, nas observações que fui analisando e nas razões que pouco a pouco fui discernindo, constitui um ponto de vista …

… sobre o qual valerá a pena reflectir, em minha opinião.

Jaime Milheiro

 

Em formato de glossário…

sucintamente exponho as minhas reflexões, as minhas observações, as minhas “descobertas”, as minhas “heresias”, as minhas terminologias, as minhas recolhas, as minhas idiossincrasias, as minhas simplicidades, as minhas complexidades, paulatinamente obtidas ao longo de cerca de cem mil horas de escuta e diálogo interpretativo com os meus pacientes, a propósito das razões/desrazões dos seus sofrimentos…