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Agenda do Médico de Família em 2020

Autora: Inês Genesio, Médica Interna no 1º ano de MGF na USF São Bento (ACeS Grande Porto II- Gondomar)

 

Resumo:  Em 2020, tenho duas datas que marcam o meu percurso profissional: 1 de janeiro, pelo início no internato de formação específica de Medicina Geral e Familiar, e 11 de março pelo início da pandemia por infeção SARS-COV-2. À consulta presencial juntaram-se a consulta não presencial, via telefone, e o seguimento de utentes com COVID-19, através da plataforma TraceCOVID.

 

A 1 de Janeiro de 2020 ingressei no internato de formação específica de Medicina Geral e Familiar. O caminho seria duro mas o objetivo era simples: tornar-me na Médica de Família (MF) que os utentes merecem e em quem confiam. A 11 de Março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou pandemia por infeção SARS-COV-2. Desde março, a agenda diária do MF mudou. À consulta presencial, burocracias do dia-a-dia, avaliação de meios complementares de diagnóstico (MCDT) juntaram-se a consulta não presencial, via telefone, e o seguimento de utentes com COVID-19, através da plataforma TraceCOVID.  (Figura 1) Segundo dados da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) o número de consultas médicas presenciais diminuíram, face aos períodos homólogos do ano de 2019. Em contrapartida, as consultas não presenciais aumentaram 63%, 103% e 84% nos meses de março, abril e maio, respetivamente.1

A Consulta de vigilância de Diabetes mellitus e Hipertensão arterial pressupõe a identificação dos utentes com bom e mau controlo, isto é, utentes com risco de terem lesão de órgão-alvo ou de um evento cardiovascular, por exemplo.  A requisição de estudo analítico com perfil lipídico, glicemia em jejum/hemoglobina glicada (HbA1c), função renal e microalbuminúria, com subsequente cálculo de risco cardiovascular constituiu um complemento da vigilância dos doentes. Porém, um diabético bem controlado é mais do que uma HbA1c abaixo do valor alvo, sendo fundamental a realização de exame objetivo.

A Consulta de Saúde Materna consegue ser realizada por consulta presencial ou por chamada telefónica. A necessidade de consulta presencial é enquadrada consoante as semanas de gestação, necessidade da prescrição de ecografia e estudo analítico, bem como a administração de vacinas e profilaxia da isoimunização nas grávidas Rh negativas. A necessidade deste tipo de consulta deve atender ao facto que algumas grávidas são seguidas em consultas de obstetrícia em contexto hospitalar e/ou privado. A planificação do seguimento da grávida pretende evitar uma duplicação de consultas presenciais, no mesmo período gestacional, não descurando, o seu devido acompanhamento.

De todas as tipologias de consulta, a Consulta Saúde Infantil e Juvenil é a que menos se consegue traduzir para uma consulta telefónica. A necessidade de observação do recém-nascido e da criança é fundamental para uma correta avaliação da evolução estatuto-ponderal e do desenvolvimento psicomotor.

Figura 1- Agenda do Médico de Família em tempos de pandemia por SARS-COV-2 // SIJ (Saúde Infantil e Juvenil), SM (Saúde Materna), DM (Diabetes mellitus), HTA (Hipertensão arterial), RCCU (Rastreio do Cancro do Colo do Útero), RCCR (Rastreio do Cancro do Colón e Reto), PF (Planeamento Familiar), SA (Saúde Adulto), MCDT (Meios complementares de diagnóstico).

Na perspetiva de uma interna de MGF do 1º ano é prioritário a intervenção ao nível das Consultas de Rastreio Oncológico. Se a mamografia, citologia cervico-vaginal ou pesquisa de sangue oculto nas Fezes (PSOF) não foi realizada este ano, terá certamente que ser efetuada brevemente. Desta forma, caminhamos para o ano de 2021, ano que poderá ser marcado por uma sobreposição de atividades de rastreio (as não realizadas em 2020 e as que deveriam ser realizadas em 2021).  A implementação de um programa de “via verde” de rastreio e diagnóstico de doença oncológica, tal como sugerido pela Sociedade Portuguesa de Oncologia, poderia colmatar algumas falhas.

Em suma, a agenda do MF em 2020 deu uma reviravolta. Previamente, a chamada telefónica era usada como um veículo de esclarecimento rápido de dúvidas, não se assumindo como “uma verdadeira consulta.” Com esta mudança de agenda percebemos que o tempo e o trabalho dedicados a esta tipologia não são menores do que numa consulta presencial. Mas o que define uma consulta? Para uma interna de MGF do 1º ano, a execução de uma consulta em 7 passos revelou-se parcialmente possível, ficando o 2º (primeiros minutos) e 3º (exploração, análise e contextualização) passos comprometidos. Pela ausência de contacto presencial é necessário, também, adaptar o 4º (avaliação) e 5º (plano). Já a “reflexão” ganhou um novo folgo. Nesta fase, autoavalio o meu desempenho. Muitas vezes falo com utentes cujo rosto nunca vi, nem eles o meu. Mas, pela sua voz, tive que diagnosticar e na minha “voz de menina” eles tiveram que confiar.

 

A missão do MF sempre foi difícil, mas tê-la-á o ano de 2020 tornado impossível? 2021 está a chegar…Temos que iniciar a sua preparação, nomeadamente, prestar cuidados de saúde a utentes com patologias não controladas e/ou patologias de “novo”.

 

Bibliografia:

  • Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Informação de monitorização: Impacto da pandemia COVID-19 no Sistema de Saúde- período de março a junho de 2020, julho de 2020