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A pior estratégia é não haver estratégia

O bastonário da Ordem dos Médicos lamentou que a tutela ainda não tenha criado um “verdadeiro plano de recuperação” para os doentes que viram as suas consultas, cirurgias, exames, diagnósticos, e outros procedimentos, adiados ou cancelados devido à pandemia de COVID-19. Esta foi a principal preocupação manifestada por Miguel Guimarães, na última quarta-feira, durante um evento interno da Ageas Seguros com o mote “Inspiring Now”. Ao bastonário, para debater o impacto da COVID-19 na saúde e na economia, juntou-se o subdiretor de informação da SIC, José Gomes Ferreira, num debate moderado pelo jornalista João Moleira.

“Mesmo no plano outono-inverno continua a não haver uma estratégia clara para os doentes não-COVID”, alertou Miguel Guimarães, quando aludiu ao facto da mortalidade excessiva em 2020 ser muito superior quando comparada aos últimos dez anos. Se à preocupação acerca da mortalidade adicionarmos os impactos (ainda desconhecidos) da morbilidade podemos ter um cenário “assustador”. Isto porque, explicou o bastonário da OM, existem muitos doentes que “perderam a janela de oportunidade para serem tratados com o mínimo de prejuízo e/ou sequelas”.

Sem retirar qualquer importância à situação pandémica que vivemos, Miguel Guimarães voltou a alertar que a “concentração de recursos” para a COVID-19 está a ter “implicações nos doentes normais”. Doentes, esses, que somos todos nós, “são os portugueses que podem ter hipertensão, diabetes, etc.”. Para responder a uma situação ímpar como a que vivemos “Portugal precisa de um verdadeiro sistema de saúde, ou seja, de um Serviço Nacional de Saúde forte, mas também do setor privado e social” como parte da solução. A questão da confiança da população para aceder aos cuidados de saúde permanece também ela essencial, nomeadamente, através da definição de “hospitais COVID” e “hospitais não-COVID”, uma medida defendida pela Ordem dos Médicos e pelo seu bastonário desde o início da primeira vaga da doença em Portugal. “Nós temos que cuidar da nossa saúde, porque cuidar da nossa saúde também é cuidar da nossa economia”, disparou.

E foi para falar de economia que José Gomes Ferreira interveio, concordando com o bastonário da OM no essencial, principalmente acerca da ausência de uma estratégia forte para a saúde, mas também para todos os restantes setores “primordiais” da sociedade. Aqui o jornalista destacou a “saúde, educação e segurança social”. “Ficámos demasiado em pânico na economia, houve exageros na perceção dos agentes económicos e do próprio Estado que levou a uma quebra”.  Com prognóstico de uma recuperação económica lenta – “provavelmente vai demorar cerca de dois anos” – José Gomes Ferreira insistiu na importância de aproveitar e investir devidamente nos fundos que chegarão da União Europeia. “Temos potencialidades enormes enquanto povo, como profissionais, como pessoas dedicadas ao trabalho (…) é preciso que existam condições para as pessoas trabalhar”, enalteceu.

Miguel Guimarães criticou “algumas vozes” que indiciaram que ajudar o país é “estarmos todos calados”. Para o bastonário “ajudar o país é dar sugestões, criar recomendações, apontar o que está mal e o que está bem, etc.”. Para ilustrar esta ideia, o líder dos médicos aludiu ao caso de Reguengos de Monsaraz. “Não percebo porque é que o Governo ficou tão chateado, nós evidenciámos a forma ineficiente como tratamos os nossos idosos, serviu para a discussão pública que começou a existir, serviu para chamar a atenção dos próprios políticos e da sociedade”, defendeu.

Concretamente na Saúde, é também “obrigatório existir um reforço no orçamento”. Miguel Guimarães salientou que percentagem do PIB alocada, em Portugal, para o setor é muito inferior quando comparada com a média dos países da OCDE e, ainda mais, dos países da União Europeia. “Estando na Europa temos de ser mais concorrenciais”, asseverou.

No final da sessão, questionado por João Moleira sobre se os profissionais de saúde estão preparados para o que “ainda vêm aí”, o bastonário da Ordem dos Médicos não deixou dúvidas de que “as pessoas estão cansadas, exaustas e algumas estão mesmo em burnout”.  Essa é uma realidade incontornável e que merecia atenção dos decisores políticos. “É fundamental reforçar o capital humano, pois estamos em défice permanente (…) os médicos de saúde pública trabalham 24 horas por dia, os nossos médicos de família estão alocados à COVID e não têm possibilidade de seguir os seus doentes, etc.”. Isto tem de mudar.

O que temos de bom? “Conhecemos melhor o vírus, estamos melhor organizados, reaprendemos o trabalho em equipa e temos médicos fantásticos”, concluiu.