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A Arte Médica – Uma Reflexão da Medicina Geral e Familiar

Autoras:

Andreia de Faria, IFE de MGF, 4ºAno, ACeS Ave/Famalicão, USF Famalicão I

Laura Pimentel Cainé, Estudante de Medicina, 6ºAno, Escola de Medicina da Universidade do Minho

 

Resumo:

Reflexão acerca daquela que se considera ser a essência da prática profissional da Medicina, particularmente da Medicina Geral e Familiar. Nos tempos tão conturbados que se vivem atualmente, as autoras compartilham esta sua visão como uma pequena luz de ânimo para os colegas.

 

Medicina.

Do latim mederi que significa saber o melhor caminho, tratar ou curar. A Medicina encontrou o seu caminho para o léxico português a partir da ars medicinae, que em tradução literal representa a Arte Médica.

Arte. Vida. Medicina.

Três vocábulos que vibram férteis de significado e se unem numa mescla de paixão que só quem se dedica por vocação à profissão médica pode compreender verdadeiramente.

A Medicina é a arte de cuidar e acarinhar a vida. A vida na sua plenitude, no seu apogeu e finitude. A vida do outro, e a nossa própria vida.

A Medicina abraça em si todos os profissionais e profissões da área da saúde. No contexto socioeconómico atual é crucial que desse facto nos lembremos. Estamos todos juntos, unidos pelo compromisso da Arte de Cuidar.

Assim, as nossas missões, embora possam ser tecnicamente diversas, convergem no Humanismo.

Esta é a minha visão da minha arte, da minha paixão, da minha profissão.

Posso ser compreendida como lírica e idealista, mas esta é em verdade nua e pura a minha crença. E são estes os princípios que transmito a todos com quantos me vou cruzando nesta minha caminhada, partilhando as experiências que me fazem ver a nossa realidade de trabalho nesta plenitude.

Sendo Interna de Medicina Geral e Familiar, atraída para a especialidade enquanto ainda era estudante de Medicina pelas terras minhotas, cedo me apercebi da inevitabilidade da minha escolha quando pude participar naquela que considero uma das mais belas atividades da especialidade, as visitas ao domicílio.

Na sua casa cada um é, simplesmente, sem artefactos. No domicílio presta-se a verdadeira Arte Médica.

Assim, faço questão de proporcionar aos colegas mais jovens que assim o pretendam, a oportunidade de participarem nas visitas ao domicílio dos utentes, e neste contexto considero uma mais-valia que acompanhem as equipas de enfermagem, sempre exímias no seu acolhimento e empenho na formação de futuros médicos e a quem agradeço, publicamente.

O Médico, qualquer que seja a especialidade, deve saber a base da sua Arte, a qual inclui o tratamento de feridas e avaliação das condições de habitação, o ensino aos utentes e cuidadores, cada vez mais esquecidos pela formação dos estudantes de Medicina e no entanto tão essenciais.

Uma das jovens colegas da Escola de Medicina da Universidade do Minho que realizou o seu estágio de Cuidados de Saúde Primários sob a minha orientação respondeu ao desafio proposto e elaborou uma reflexão inspiradora e meritória de partilha, tendo dado o mote para a redação deste relato conjunto.

Concluímos com a reflexão da Laura, na convicção de podermos inspirar (ou reinspirar) outros colegas na Arte, nestes tempos difíceis que vivemos.

 

“No dia 15 de maio de 2023, no decorrer do estágio de Medicina Geral e Familiar na USF Famalicão I, tive a oportunidade de acompanhar as enfermeiras Cláudia e Sandra na prestação de cuidados de enfermagem ao domicílio. Assim, percorremos casas onde foi necessário aplicar tratamentos de diferentes tipologias, como feridas cirúrgicas, tecidos necróticos em pés diabéticos, úlceras de pressão e feridas traumáticas. Por fim, visitamos os utentes com agendamento de vigilâncias, onde fizemos medição da tensão arterial, avaliação das condições de habitação e do cuidador informal e revisão da medicação.

A prestação de cuidados no domicílio é um pilar da manutenção da saúde das populações nos Cuidados de Saúde Primários. É fundamental na promoção da qualidade de vida dos utentes, permitindo que sejam observados e tratados no seu ambiente domiciliar (caso a situação o permita), ao invés de se deslocarem aos serviços de saúde, já que muitos não têm capacidade ou meios para o fazerem. Permite que haja um tratamento mais personalizado e dirigido, não só ao utente em si, mas também ao ambiente onde vive e quem o rodeia. Em jeito de reflexão, apesar de ter feito voluntariado internacional num país de extrema pobreza, reconheço que não é preciso afastar-me muito para encontrar condições de habitação que não promovem saúde e ainda podem causar doença.

Se houvesse mais investimento no Serviço Nacional de Saúde, acredito que os cuidados domiciliares deveriam ser a primeira aposta, principalmente na população idosa, como forma de prevenção primária para avaliar condições de habitação, capacidade do cuidador informal, revisão de medicação, avaliação periódica de sinais vitais, entre outros.

A maior dificuldade que senti foi perceber em que é que eu poderia ser útil. Percebi que não iria ser útil na realização dos tratamentos específicos, porque não tenho competências para tal, então foquei-me em tentar abordar o utente e fazer a observação das condições da habitação. A maioria delas não eram adequadas e verificavam-se vários potenciais fatores de risco para a saúde dos idosos.

Este foi, sem dúvida, um momento importante na minha formação médica, já que me permitiu abordar utentes num contexto diferente do habitual consultório: um ambiente de maior intimidade e fragilidade do utente que requer maior delicadeza por parte de quem o está a observar. É uma experiência pela qual todos os futuros médicos deveriam ter a oportunidade de passar.”