+351 21 151 71 00
ordemdosmedicos@ordemdosmedicos.pt

SONS DAS PALAVRAS E VIVÊNCIAS 
de João M.Videira Amaral 

“A palavra é metade de quem a pronuncia, metade de quem a ouve”. MONTAIGNE (1533-1592). 

 

1. A Linguagem como expressão do pensamento é o sistema que possibilita a comunicação. A Fala diz respeito a um conjunto de sinais utilizados para efetivar a Linguagem. A Língua (ou Idioma) é uma forma de Linguagem. 

2. Os instrumentos da linguagem são sinais ou símbolos, os quais podem ser identificados: pela visão (através de símbolos gráficos) - linguagem escrita; pela audição (através de sons ou símbolos auditivos) - linguagem falada. Esta última é mais usada que a escrita e possui regras menos rígidas. No que respeita a sistemas de comunicação, considera-se que a linguagem pode ser verbal (integrando as modalidades escrita e falada), e não verbal. Este último vocábulo é derivado do latim – verbo – significando palavra). Quanto à linguagem não verbal especificam-se alguns exemplos: - gestos ou movimentos corporais; - choro, sorriso, rotação da cabeça, bocejo, movimento da mão à orelha, nas primeiras idades; mímica de entusiasmo, alegria, tristeza ou desinteresse, etc.. 

3. No tempo de estudante no ciclo secundário tive professores de excelência que, praticando estratégias muito apelativas de ensino- aprendizagem, fomentavam nos jovens a criatividade, assim como o gosto pelas línguas, escrita e leitura como forma de estimulação cognitiva. Quando, pelos meus 17 anos, iniciei o 1º ano do curso de medicina na Universidade de Lisboa, como marco histórico da minha rudimentar cultura, fixei o nome de uma figura ímpar da medicina portuguesa ligada à Universidade do Porto: Abel Salazar (1889-1946) e uma frase sua que ficou célebre: “Quem só sabe de medicina, nem de medicina sabe”. Tendo sido catedrático de histologia, cultivou a escultura, a gravura e a pintura. Virá a propósito recordar nomes de médicos escritores e escritores médicos como por exemplo, Júlio Dinis, Miguel Torga e Fernando Namora, além doutros. 

4. Independentemente da área profissional que eu viria a escolher para a vida (e de que nunca me arrependi, a medicina), sempre me interessei por matérias relacionadas com as línguas e linguagens de diferentes povos, países e regiões. Com a passagem dos anos, como autodidacta, a minha curiosidade e o meu desejo de pesquisa dirigiram-me para uma área interessante e provavelmente menos explorada – a Linguagem Falada. O objetivo essencial deste escrito foi precisamente analisar e registar durante cerca de 24 meses (anos de 2023-2024) a tipologia das pronúncias de “uma mesma palavra” por falantes em diversas regiões de Portugal Continental. A ideia que presidiu a este processo foi partilhar os dados obtidos na sequência de conversas presenciais com pessoas das minhas relações. (ver Quadro) 

____________________________________________ 
QUADRO 

Esquematização de diferentes pronúncias em diferentes regiões de Portugal Continental 
Seleção de vivências de conversas anotadas ao longo de 2023-2024 
Regiões: Grande Lisboa; Grande Porto e Norte; Grande Coimbra e Beiras 
..................................................................................….

Palavras ... Pronúncias - Regiões 
As cenas ...Axenas - Lisboa 
Assim ...Aczim - Beira Alta, Beira Baixa 
Bem ...Baim, Bãi.ae - Porto, Coimbra, Beiras 
Bolinhos ...Bulính.zu - Cova da Beira 
Bom ...Bãum - Porto, Norte 
Chato, Chá ...Tchato, Tchá - Porto, Norte 
Coelho ...Coêlho - Beiras; Coãlho - Lisboa, Porto 
Coisas ...Coisaxx - Lisboa 
Com ...Cão, Côuem - Porto, Norte 
Cumprimentos ...Comprimaintus - Norte; Comprimen.tzu - Cova da Beira 
Descer ...Decer - Beiras; Dexer - Lisboa, Porto 
Espelho ...Espêlho - Beiras; Espãlho - Lisboa, Porto, Norte 
Feio ...Fe.ioa, Feioe - Porto, Norte 
Fortaleza ...Fortaleçza - Beira Alta, Beira Baixa 
Frio ...Fríío – Beiras, Norte; Friú - Lisboa 
Gestão ...Getão, Xetão, Gextão - Lisboa 
Humidade ...Humidaá.d - Beira Baixa 
Ilusões ...Ilu.suões – Porto, Norte 
Inveja ...Invãija - Porto, Norte 
Joelho ...Joêlho - Beiras; Joãlho - Lisboa, Porto, Norte 
Maior...Mái.ór- Porto, Norte 
Manhã...Manháá - Porto, Norte 
Marquesa ...Marquecza- Beira Alta, Beira Baixa 
Meio dia ...Meiu.dia - Porto, Norte; Mei.dia – Lisboa, Beiras 
Moimenta ...Moimainta - Norte 
Momento ...Momainto - Norte 
Nascer ...Nacer - Beiras; Naxer – Lisboa, Porto 
Novo ...Nuovo - Porto, Norte 
Ovo ...Ôvú - Lisboa; Uovo, Auvo - Porto, Norte 
Piedade ...Piadaá.d - Beira Baixa 
Pessoas ...Pessouas, Pessaouas – Porto, Norte 
Saúde ...Czaúde - Beira Alta, Beira Baixa 
Serra ...Serr.rr.rr.a - 
.................................................................................…
Notas: Cova da Beira inclui zona da Beira Baixa entre Estrela e Gardunha; Norte inclui Minho e transição Trás-os-Montes Oeste

---------------------------------------------------- 

5. Em qualquer língua, a determinada letra não corresponde sempre o mesmo som e um som não é representado sempre pela mesma letra. Surge, assim, o conceito de Pronúncia, significando o modo como as palavras são articuladas e faladas. Diz-se que existe Variante Fonética quando a mesma palavra é pronunciada de forma diferente. Em textos escritos, e na ausência de demonstração sonora/áudio, para expressar os sons de determinada língua, foi concebido e estruturado por peritos o chamado Alfabeto Fonético Internacional (AFI) constituído por “símbolos” que representam os sons básicos mais frequentes nas línguas do mundo. Em Portugal existem diversas pronúncias regionais do português, sendo as das regiões de Lisboa, do Porto e de Coimbra as mais conhecidas. A pronúncia considerada padrão, classicamente associada às classes cultas de Lisboa e Coimbra, tem sido a referência. No entanto, em numerosas regiões, designadamente no Norte, pode comprovar-se certa frequência de pronúncia regional em pessoas cultas. Reportando-nos ao Quadro, e relativamente às pronúncias de determinadas palavras em diferentes regiões de Portugal Continental, salienta-se que não foi utilizado o sistema de transcrição fonética mais usado, o já referido Alfabeto Fonético Internacional (AFI). Neste contexto, recorreu-se, às letras do alfabeto da língua portuguesa, incluindo os acentos gráficos [agudo], ´ grave `, circunflexo ^, til ~] e ponto [.] permitindo ler/reproduzir o som tal qual se escreve. O ponto [.] entre duas letras da palavra pretende significar pequena pausa entre as duas partes da palavra “partida” pelo mesmo ponto, por exemplo. A repetição de letras, por exemplo RR significará “érre vibrante e prolongado” – por exemplo serra serrra serrra. A repetição de outra letra – por exemplo vogais aa, ii, etc pretende significar tempo prolongado do respectivo som. 

6. Numa perspetiva autocrítica do presente ensaio (que tem limitações), importará discutir certos pontos: - Tratando-se de uma análise qualitativa dos dados obtidos de amostra insuficientemente robusta, não se procedeu ao estudo estatístico e não se alude a percentagens nem a idades e literacia dos falantes. De acordo com o que foi apurado, será lícito deduzir que a identificação de uma determinada variante fonética, em determinada região, significa apenas uma “tendência”. Parecerá, pois, abusivo concluir que certa pronúncia é típica de determinada região; será mais correto afirmar que “determinada variante foi identificada em pessoas que sempre viveram em determinada região”. Por outro lado, é admissível que tal panorama de “tendências” seja diferente em ulteriores gerações, quer por razões demográficas, quer por modificação de hábitos de sociabilidade. 

- A ausência de utilização de meios áudio poderá configurar um aparente paradoxo: efetivamente, o tópico nuclear do presente ensaio, devotado à linguagem falada, foi abordado recorrendo à linguagem escrita. Como nota final, sobre o tópico abordado, especula-se sobre eventual utilidade: 
a- Na aprendizagem e treino da leitura, da escrita e da fala, sobretudo nas primeiras idades, pressupondo o apoio de tecnologias áudio e de equipa especializada; 
b - Como complemento das estratégias de terapia da fala, quer em pessoas com deficiência, quer nas primeiras idades. 

 

BIBLIOGRAFIA SELECCIONADA 

Bagão Félix A. Palavras Descruzadas. Lisboa: Editora do Livro, 2022 

Castro Pinto J, Parreira M, Vieira Lopes MC. Gramática do Português Moderno. Lisboa: Plátano, 2005 

Cunha C, Lindley-Cintra LF. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa: Almedina, 2024 

Lindley-Cintra LF. A Linguagem dos Pescadores da Ericeira. Lisboa: Junta Distrital, 1973 

Mega Ferreira A. Roteiro Afectivo das Palavras Perdidas. Lisboa: Tinta da China, 2022

Sá Nogueira R. Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem. Lisboa: Clássica Editora, 2022 

https://www.infopedia.pt 

http://cvc.instituto-camoes.pt 

 

Correspondência 
João M Videira Amaral 
jmnvamaral@gmail.com

Últimas Notícias

Ver tudo