Sons das Palavras e das Vivências
SONS DAS PALAVRAS E VIVÊNCIAS
de João M.Videira Amaral
“A palavra é metade de quem a pronuncia, metade de quem a ouve”. MONTAIGNE (1533-1592).
1. A Linguagem como expressão do pensamento é o sistema que possibilita a comunicação. A Fala diz respeito a um conjunto de sinais utilizados para efetivar a Linguagem. A Língua (ou Idioma) é uma forma de Linguagem.
2. Os instrumentos da linguagem são sinais ou símbolos, os quais podem ser identificados: pela visão (através de símbolos gráficos) - linguagem escrita; pela audição (através de sons ou símbolos auditivos) - linguagem falada. Esta última é mais usada que a escrita e possui regras menos rígidas. No que respeita a sistemas de comunicação, considera-se que a linguagem pode ser verbal (integrando as modalidades escrita e falada), e não verbal. Este último vocábulo é derivado do latim – verbo – significando palavra). Quanto à linguagem não verbal especificam-se alguns exemplos: - gestos ou movimentos corporais; - choro, sorriso, rotação da cabeça, bocejo, movimento da mão à orelha, nas primeiras idades; mímica de entusiasmo, alegria, tristeza ou desinteresse, etc..
3. No tempo de estudante no ciclo secundário tive professores de excelência que, praticando estratégias muito apelativas de ensino- aprendizagem, fomentavam nos jovens a criatividade, assim como o gosto pelas línguas, escrita e leitura como forma de estimulação cognitiva. Quando, pelos meus 17 anos, iniciei o 1º ano do curso de medicina na Universidade de Lisboa, como marco histórico da minha rudimentar cultura, fixei o nome de uma figura ímpar da medicina portuguesa ligada à Universidade do Porto: Abel Salazar (1889-1946) e uma frase sua que ficou célebre: “Quem só sabe de medicina, nem de medicina sabe”. Tendo sido catedrático de histologia, cultivou a escultura, a gravura e a pintura. Virá a propósito recordar nomes de médicos escritores e escritores médicos como por exemplo, Júlio Dinis, Miguel Torga e Fernando Namora, além doutros.
4. Independentemente da área profissional que eu viria a escolher para a vida (e de que nunca me arrependi, a medicina), sempre me interessei por matérias relacionadas com as línguas e linguagens de diferentes povos, países e regiões. Com a passagem dos anos, como autodidacta, a minha curiosidade e o meu desejo de pesquisa dirigiram-me para uma área interessante e provavelmente menos explorada – a Linguagem Falada. O objetivo essencial deste escrito foi precisamente analisar e registar durante cerca de 24 meses (anos de 2023-2024) a tipologia das pronúncias de “uma mesma palavra” por falantes em diversas regiões de Portugal Continental. A ideia que presidiu a este processo foi partilhar os dados obtidos na sequência de conversas presenciais com pessoas das minhas relações. (ver Quadro)
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QUADRO
Esquematização de diferentes pronúncias em diferentes regiões de Portugal Continental
Seleção de vivências de conversas anotadas ao longo de 2023-2024
Regiões: Grande Lisboa; Grande Porto e Norte; Grande Coimbra e Beiras
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Palavras ... Pronúncias - Regiões
As cenas ...Axenas - Lisboa
Assim ...Aczim - Beira Alta, Beira Baixa
Bem ...Baim, Bãi.ae - Porto, Coimbra, Beiras
Bolinhos ...Bulính.zu - Cova da Beira
Bom ...Bãum - Porto, Norte
Chato, Chá ...Tchato, Tchá - Porto, Norte
Coelho ...Coêlho - Beiras; Coãlho - Lisboa, Porto
Coisas ...Coisaxx - Lisboa
Com ...Cão, Côuem - Porto, Norte
Cumprimentos ...Comprimaintus - Norte; Comprimen.tzu - Cova da Beira
Descer ...Decer - Beiras; Dexer - Lisboa, Porto
Espelho ...Espêlho - Beiras; Espãlho - Lisboa, Porto, Norte
Feio ...Fe.ioa, Feioe - Porto, Norte
Fortaleza ...Fortaleçza - Beira Alta, Beira Baixa
Frio ...Fríío – Beiras, Norte; Friú - Lisboa
Gestão ...Getão, Xetão, Gextão - Lisboa
Humidade ...Humidaá.d - Beira Baixa
Ilusões ...Ilu.suões – Porto, Norte
Inveja ...Invãija - Porto, Norte
Joelho ...Joêlho - Beiras; Joãlho - Lisboa, Porto, Norte
Maior...Mái.ór- Porto, Norte
Manhã...Manháá - Porto, Norte
Marquesa ...Marquecza- Beira Alta, Beira Baixa
Meio dia ...Meiu.dia - Porto, Norte; Mei.dia – Lisboa, Beiras
Moimenta ...Moimainta - Norte
Momento ...Momainto - Norte
Nascer ...Nacer - Beiras; Naxer – Lisboa, Porto
Novo ...Nuovo - Porto, Norte
Ovo ...Ôvú - Lisboa; Uovo, Auvo - Porto, Norte
Piedade ...Piadaá.d - Beira Baixa
Pessoas ...Pessouas, Pessaouas – Porto, Norte
Saúde ...Czaúde - Beira Alta, Beira Baixa
Serra ...Serr.rr.rr.a -
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Notas: Cova da Beira inclui zona da Beira Baixa entre Estrela e Gardunha; Norte inclui Minho e transição Trás-os-Montes Oeste.
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5. Em qualquer língua, a determinada letra não corresponde sempre o mesmo som e um som não é representado sempre pela mesma letra. Surge, assim, o conceito de Pronúncia, significando o modo como as palavras são articuladas e faladas. Diz-se que existe Variante Fonética quando a mesma palavra é pronunciada de forma diferente. Em textos escritos, e na ausência de demonstração sonora/áudio, para expressar os sons de determinada língua, foi concebido e estruturado por peritos o chamado Alfabeto Fonético Internacional (AFI) constituído por “símbolos” que representam os sons básicos mais frequentes nas línguas do mundo. Em Portugal existem diversas pronúncias regionais do português, sendo as das regiões de Lisboa, do Porto e de Coimbra as mais conhecidas. A pronúncia considerada padrão, classicamente associada às classes cultas de Lisboa e Coimbra, tem sido a referência. No entanto, em numerosas regiões, designadamente no Norte, pode comprovar-se certa frequência de pronúncia regional em pessoas cultas. Reportando-nos ao Quadro, e relativamente às pronúncias de determinadas palavras em diferentes regiões de Portugal Continental, salienta-se que não foi utilizado o sistema de transcrição fonética mais usado, o já referido Alfabeto Fonético Internacional (AFI). Neste contexto, recorreu-se, às letras do alfabeto da língua portuguesa, incluindo os acentos gráficos [agudo], ´ grave `, circunflexo ^, til ~] e ponto [.] permitindo ler/reproduzir o som tal qual se escreve. O ponto [.] entre duas letras da palavra pretende significar pequena pausa entre as duas partes da palavra “partida” pelo mesmo ponto, por exemplo. A repetição de letras, por exemplo RR significará “érre vibrante e prolongado” – por exemplo serra serrra serrra. A repetição de outra letra – por exemplo vogais aa, ii, etc pretende significar tempo prolongado do respectivo som.
6. Numa perspetiva autocrítica do presente ensaio (que tem limitações), importará discutir certos pontos: - Tratando-se de uma análise qualitativa dos dados obtidos de amostra insuficientemente robusta, não se procedeu ao estudo estatístico e não se alude a percentagens nem a idades e literacia dos falantes. De acordo com o que foi apurado, será lícito deduzir que a identificação de uma determinada variante fonética, em determinada região, significa apenas uma “tendência”. Parecerá, pois, abusivo concluir que certa pronúncia é típica de determinada região; será mais correto afirmar que “determinada variante foi identificada em pessoas que sempre viveram em determinada região”. Por outro lado, é admissível que tal panorama de “tendências” seja diferente em ulteriores gerações, quer por razões demográficas, quer por modificação de hábitos de sociabilidade.
- A ausência de utilização de meios áudio poderá configurar um aparente paradoxo: efetivamente, o tópico nuclear do presente ensaio, devotado à linguagem falada, foi abordado recorrendo à linguagem escrita. Como nota final, sobre o tópico abordado, especula-se sobre eventual utilidade:
a- Na aprendizagem e treino da leitura, da escrita e da fala, sobretudo nas primeiras idades, pressupondo o apoio de tecnologias áudio e de equipa especializada;
b - Como complemento das estratégias de terapia da fala, quer em pessoas com deficiência, quer nas primeiras idades.
BIBLIOGRAFIA SELECCIONADA
Bagão Félix A. Palavras Descruzadas. Lisboa: Editora do Livro, 2022
Castro Pinto J, Parreira M, Vieira Lopes MC. Gramática do Português Moderno. Lisboa: Plátano, 2005
Cunha C, Lindley-Cintra LF. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa: Almedina, 2024
Lindley-Cintra LF. A Linguagem dos Pescadores da Ericeira. Lisboa: Junta Distrital, 1973
Mega Ferreira A. Roteiro Afectivo das Palavras Perdidas. Lisboa: Tinta da China, 2022
Sá Nogueira R. Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem. Lisboa: Clássica Editora, 2022
https://www.infopedia.pt
http://cvc.instituto-camoes.pt
Correspondência
João M Videira Amaral
jmnvamaral@gmail.com
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