Autor: Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos
Artigo de Opinião publicado na edição nº24 da Revista “Sollicitare”, a revista da Ordem dos Solicitadores. Visualizar versão em PDF
Mais informados e menos informados, mais cultos e menos cultos, mais atentos e menos atentos: em determinado momento todos os nossos doentes confessam o recurso ao Dr. Google na busca de respostas perante o medo de um diagnóstico ou a incerteza de um prognóstico.
Somos, assim, diariamente confrontados com a necessidade de rebater informação falsa, de origem duvidosa e sem qualquer fundamento científico, num equilíbrio nem sempre fácil com a necessidade de estabelecer relações terapêuticas baseadas na confiança e de não aumentar a fragilidade de quem se senta perante nós.
Na consulta, o constrangimento temporal dificulta o trabalho em prol da literacia para a Saúde, especialmente quando o doente leu na internet algo completamente disparatado, mas em que acredita piamente. Tivemos recentemente o exemplo de campanhas de desinformação sobre as vacinas: ciclicamente é ressuscitado através da internet o mito da associação da vacinação tríplice (sarampo, rubéola e papeira) a casos de autismo. Uma elaborada mentira de consequências nefastas que se resume em poucas linhas: em 1998 a revista Lancet publica um “estudo” que fazia essa associação. Por não ter fundamento científico válido, esse estudo é desmentido pela própria revista Lancet que assume que nunca o devia ter publicado. Também o British Medical Journal publicaria em 2011 um artigo afirmando perentoriamente que o estudo de 1998 era uma “falsificação elaborada”, feita ao serviço de interesses financeiros. Mas, sempre que alguém pesquisa na internet essa associação, sem ter conhecimentos para validar cientificamente as fontes que consulta, o mito propaga-se e persiste pondo em causa a imunidade de grupo e gerando condições propícias a novos surtos de sarampo.
Esta é uma realidade que preocupa todos os médicos e que deve preocupar todos os cidadãos: a falta de literacia em Saúde é geradora de elevados riscos para a saúde das populações. Por esse motivo, este foi desde o início um dos desígnios do meu mandato: que a Ordem dos Médicos contribua para aumentar a literacia em Saúde, quer no âmbito da consulta médica, quer num âmbito mais geral em termos de literacia digital.
A globalização do acesso à informação é uma realidade incontornável com muitos aspetos positivos, mas que, nos seus aspetos negativos, não conseguimos “combater” a partir de fora. A pensar nesta necessidade de proporcionar informação cientificamente validada a todos, a Ordem dos Médicos propôs – e o Ministério da Saúde aprovou – a celebração de um protocolo entre as duas entidades através do qual se irá proporcionar a todos os portugueses acesso gratuito às quatro melhores plataformas de informação científica internacionais (BMJ Best Practice, Cochrane Library, DynaMed Plus e UpToDate). O protocolo já foi assinado e as plataformas estarão acessíveis a partir do dia 1 de janeiro de 2019.
Este é um projeto de que nos orgulhamos profundamente por ser um contributo efetivo para a melhoria da literacia digital dos portugueses. Além disso, tem uma forte componente de formação médica contínua e apoio à decisão clínica. Conseguimos juntar num mesmo recurso conteúdos específicos para profissionais e conteúdos numa linguagem mais acessível (e traduzidos para português) para informar com qualidade científica todos os interessados em questões de saúde.
Porque a literacia em Saúde interessa, de facto, a todos convidamos à consulta de mais informação sobre este tema na nossa página do Facebook (fb.com/ordemdosmedicospt).