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Congresso à mesa | Dia 3

 

VARIANTES E CAPACIDADE DE TESTAGEM

O diagnóstico laboratorial ganhou uma nova expressão com a emergência da pandemia e, em pouco tempo, obrigou a uma verdadeira revolução naquela que era a capacidade de testagem instalada no nosso país. Perante um vírus desconhecido e a ameaça permanente de novas variantes, a testagem foi, e continua a ser, uma área fundamental para o sucesso no combate à pandemia, como ressaltaram os palestrantes da mesa “Variantes e Capacidade de Testagem”, moderada pelo presidente do Conselho Regional do Centro, Carlos Cortes, e por Miguel Castelo-Branco, presidente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior.

A mesa foi marcada pela apresentação de vários dados que contaram a história da pandemia à luz do que foi a evolução da testagem. “Nunca na história da medicina o diagnóstico laboratorial foi tão importante no combate a uma doença”, destacou Carlos Cortes.

O presidente do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Fernando Almeida, começou por lembrar que, quando o SARS-CoV-2 chegou a Portugal, eram muito poucos os locais com a capacidade para fazer os testes necessários. Em março de 2020 fez-se uma média de 2500 testes diários, com um record de 8000, que nessa altura parecia muito. “Agora chegamos a ter dias com 77 mil testes, e em abril houve um dia em que chegámos a fazer 98 mil”, destacou Fernando Almeida, que avançou que o índice de positividade está a baixar, o que é um bom indicador para a pandemia. O especialista referiu também a importância dos testes rápidos para a testagem em massa, mas lembrou que o princípio fundamental é termos uma testagem dirigida, programada e generalizada.

O antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Germano de Sousa, Diretor Técnico Coordenador do Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa, partilhou igualmente a sua experiência de grande capacidade de resposta em termos de testagem, alcançando perto de 1,5 milhões de testes. Do início da pandemia, recorda como foi difícil uniformizar os critérios para evitar os chamados falsos positivos.

Já Paulo Paixão, da Sociedade Portuguesa de Virologia e patologista, corroborou a pressão sentida na primeira vaga da pandemia, sobretudo por todos os circuitos hospitalares estarem dependentes da testagem. Entre outras ideias, o palestrante partilhou que, nas análises que têm feito relacionadas com a imunidade humoral, as vacinas parecem superar bastante a infeção por SARS-CoV-2.

A fechar a mesa, o investigador do INSA João Paulo Gomes, contou o trabalho de “puzzle” que tem sido feito para construir o genoma completo do SARS-CoV-2. O responsável destacou que todos os setores são importantes para um trabalho bem sucedido e relatou que, no início da pandemia, em março de 2020, este trabalho permitiu detetar que o vírus teve 277 introduções diferentes no nosso país, tendo o Reino Unido sido o responsável pela maior parte. Contudo, quando a análise tem antes em conta o impacto, os resultados são já diferentes, com Itália a ser o país que contribuiu mais significativamente para o tamanho da cadeia de transmissão.

 

COVID-19, DESAFIOS DO PROCESSO GLOBAL DE VACINAÇÃO

O primeiro ano de pandemia ficou marcado pela esperança na medicina e na ciência, enquanto áreas que poderiam trazer as melhores armas para combatermos o novo coronavírus. Volvido mais de um ano, e numa altura em que já existem várias vacinas no mercado, o Congresso Nacional da Ordem dos Médicos acolheu uma conferência sobre os “Desafios do Processo Global de Vacinação”, cujo orador foi Durão Barroso, presidente da Aliança Global para as Vacinas (GAVI). A conversa foi conduzida por Carlos Robalo Cordeiro, membro do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a COVID-19 e Presidente da comissão científica deste congresso.

O antigo presidente da Comissão Europeia começou por apresentar a diversidade da organização que dirige, e que junta praticamente todos os países do mundo com instituições de várias áreas. Durão Barroso recordou que foi a GAVI a propor a criação da Covax uma “facility global” para procurar vacinar o mundo inteiro. “Por que razão uma pessoa que tem dinheiro se pode proteger de uma doença fatal e uma que não tem dinheiro e que vive no código postal errado não há de ter acesso?”, questionou, insistindo que “ninguém está seguro até estarmos todos seguros”.

“O vírus não respeita as bandeiras e não pára à porta de cada país. Quanto mais tempo circular maior a probabilidade de reinfeções”, lembrou Durão Barroso, que insistiu que “é por uma questão de ética, mas também de interesse dos países mais desenvolvidos, que devemos promover a vacinação global”. Como estratégia para o futuro, para estarmos preparados para outras doenças e outras pandemias, o ex-primeiro-ministro português avançou que “a vacina não deve ser vista como um produto, deve ser vista como um processo”, pelo que é crucial desbloquear a sua produção e distribuição.

“As tensões geopolíticas têm vindo a aumentar, mas devemos todos bater-nos por algum consenso em relação aos bens públicos globais”, frisou Durão Barroso, para quem é fundamental que a União Europeia caminhe mais unida no que diz respeito aos problemas comuns, em particular na área da saúde. “Devemos usar a dimensão europeia para complementar e reforçar as capacidades dos serviços nacionais de saúde”, disse, avançando que espera que o valor da ciência e da tecnologia saiam reforçados da pandemia.

 

IMPACTO DA PANDEMIA NA FORMAÇÃO MÉDICA

Com a pandemia a parar, em larga escala, o país, seria improvável que o confinamento não tivesse tido forte impacto na área médica, nomeadamente ao nível da formação. A Ordem dos Médicos desempenha um papel fundamental na defesa da formação médica portuguesa, contribuindo para a sua qualidade e defendendo que os médicos internos tenham o melhor currículo formativo possível. Essa preocupação permanente teve eco no congresso, com uma mesa dedicada exatamente ao impacto da pandemia na formação médica.

Foi Lara Sutil, vogal do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos, que abriu a sessão no seu papel de moderadora. A dirigente associativa realçou que a formação tem e terá sempre lugar num congresso com esta tipologia e deu a palavra a Henrique Cyrne Carvalho, presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas. “Sentimos que foi um período difícil”, começou por dizer o também diretor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

Mas, olhando pelo lado positivo, “foi também uma oportunidade para incentivar” e desbloquear algumas propostas que já estavam previstas, mas que, “por uma certa inércia”, não tinham sido nunca colocadas em prática. Transformar dificuldades em oportunidades tem sido uma constante mais ou menos transversal nos discursos deste congresso, o que demonstra, em certo nível, capacidade de resiliência e a vontade de não desistir.

A preocupação de Henrique Cyrne Carvalho era que os estudantes não ficassem limitados no processo formativo, mesmo nos piores momentos da pandemia. Nesse aspeto, afirmou que todas as escolas médicas criaram modelos de ensino e avaliação à distância.

Com uma evolução das tecnologias que permitiram o ensino à distância e a capacidade de realização de simulações médicas com manequins, “para continuar a fazer formação de gestos e atitudes”, o caminho foi sendo trilhado pouco a pouco. “Quero reconhecer o papel nuclear dos estudantes que demonstraram um sentido cívico exemplares”, assinalou. “Os estudantes demonstraram sempre vontade em continuar a sua formação clínica, bem como em participar no esforço que foi imposto ao país”.

Dalila Veiga, presidente da sub-região do Porto da Ordem dos Médicos, fez questão de deixar a sua homenagem, “enquanto médica e cidadã”, aos médicos internos,“pelo seu papel essencial na luta contra a pandemia”. “O seu espírito de missão honrou a medicina portuguesa”, afirmou, mesmo sabendo que muitos tiveram de sair da sua área de conforto e conhecimento para abraçar a missão imperiosa de salvar doentes.

No entanto, é difícil negar que o impacto na formação médica não tenha sido avassalador. Os “cancelamentos de estágios nacionais e internacionais, adiamento de congressos, de cirurgias e de consultas” não são fáceis de gerir e recuperar. “O SNS entrou num tsunami” considerou a médica anestesiologista. “Os médicos foram imersos numa guerra na qual não conseguiram dominar o rumo da mesma”. Ainda assim, o impacto na formação foi “desigual” e, por vezes injusto. Não foi igual para todos, tendo as regiões e as próprias especialidades criado realidades dissemelhantes.

A dirigente da Ordem dos Médicos terminou a intervenção com um forte apelo a mais investimento no SNS e a uma melhor aposta na comunicação das autoridades de saúde com a população em geral.

O presidente do Conselho Nacional do Internato Médico (CNIM), João Carlos Ribeiro, falou um pouco sobre o trabalho que tem dirigido, sobretudo durante a pandemia, assegurando que o CNIM tem tentado “minimizar ao máximo o impacto da pandemia na formação”. Com alterações e decisões muito céleres ao nível da estrutura e dos próprios planos de formação, foi precisa “alguma elasticidade” para cumprir de forma satisfatória a prioridade que seria alocar os médicos internos à atividade assistencial.

João Carlos Ribeiro defendeu que para tomar as melhores decisões há que “medir impactos”. Foi nessa ótica que o Conselho Nacional do Internato Médico efetuou, no ano transato, um questionário ao qual responderam 9 mil médicos, entre internos e diretores de internato. Os resultados mostraram que mais de 80% dos médicos internos da formação geral cumpriram os objetivos mínimos da sua formação, mas mais de um terço não teria cumprido o plano formativo. O orador explicou que existia uma grande preocupação com os internos da formação especializada, especialmente os que estavam no último ano, “porque não tinham tempo para compensar” quaisquer eventuais falhas. No final do dia, assegurou, o trabalho do conselho que preside é “não deixar que nenhum médico seja prejudicado”.

O último orador da mesa foi Carlos Mendonça, o presidente do Conselho Nacional do Médico Interno da Ordem dos Médicos. A sua intervenção relembrou que os médicos internos foram tratados de forma diferente, dependendo de quais eram as suas especialidades, o seu local de formação e até das suas direções de serviço. “Os médicos foram afetados de forma diferente, consoante a região onde estavam a fazer os estágios” garantiu.

Para Carlos Mendonça não há dúvidas que a falta de contacto presencial com o doente “terá impactos na formação” e que, num futuro muito próximo, “vai ser pedido um esforço adicional para recuperar os doentes”, tendo, novamente e continuamente, impactos nos internos.

O bastonário, Miguel Guimarães interveio para salientar o papel da Ordem na formação, “um dos principais desígnios da instituição”. “É um momento de transformação e de pensarmos melhor naquilo que estamos a fazer, equilibrando as deficiências formativas que existem em algumas especialidades”, opinou. O presidente do Conselho Regional do Centro, Carlos Cortes, acrescentou que é preciso “repensar o internato médico”, pois estamos há décadas “a fazer remendos”.

Além de Lara Sútil, a mesa foi moderada por Júlia Maciel, diretora do serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário de São João.

 

GESTÃO DOS CUIDADOS NÃO COVID

A emergência de saúde pública internacional que emergiu há um ano apanhou o mundo de surpresa. Nenhum país e nenhum sistema de saúde podem dizer que estavam preparados. Para se concentrarem os esforços no combate ao novo inimigo, o cancelamento da restante atividade programada foi uma das primeiras decisões. Só que essa decisão, que acabou por se prolongar demasiado no tempo, acabou por levar a uma outra pandemia, conhecida como pandemia não-COVID, já que em causa estão todos os outros doentes que ficaram para trás.

Este foi o mote da mesa “Gestão dos Cuidados Não COVID”, moderada pela Conselheira e Tesoureira Nacional da Ordem dos Médicos, Susana Vargas, e por Nuno Gaibino, vogal do Conselho Regional do Sul. Na sua intervenção inicial, Nuno Gaibino salientou que “reiteradamente, no último ano, o nosso bastonário tem sido a voz ativa e contínua na defesa dos cuidados aos doentes não Covid”.

Seguiram-se várias apresentações que mostraram as dificuldades em reorganizar o sistema de saúde para se retomarem várias atividades, muito em particular os rastreios oncológicos. O presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo exemplificou que é preciso, por exemplo, pensar no equilíbrio entre consultas presenciais e não presenciais.

O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, Óscar Gaspar, começou por apresentar o setor privado em números, anunciando que têm mais de 15.500 médicos, 200 camas de cuidados intensivos e 3000 consultórios. “Duplicámos a atividade assistencial em 10 anos”, lembrou, defendendo uma solução global que envolva todos os setores na resposta a quem ficou para trás.

Do lado dos doentes, o presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro, o médico Vítor Rodrigues, assumiu estar muito preocupado com os rastreios cancelados e que podem levar a mais morbilidade e mortalidade. O responsável apelou a mais orçamento para a saúde, mas também a mais atenção às necessidades dos doentes, o que implica que o médico não seja um mero técnico. Por último, Isabel Saraiva, presidente da Respira alertou que os doentes tiveram muito medo durante a pandemia e que é urgente, tanto na saúde física como mental, procurar perceber melhor os efeitos.