Publicamos o relatório elaborado pelo presidente da direcção da Secção da Subespecialidade de Neonatologia, Dr. Daniel Virella Gomes, a propósito da audição do Grupo de Trabalho – “Direito das Grávidas” na Comissão de Saúde da Assembleia da República, que teve lugar a 21 de Fevereiro de 2019.
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Relatório
Participação na Audição com o Grupo de Trabalho “Direito das Grávidas” da Comissão de Saúde da Assembleia da República a 21 de fevereiro de 2019
A Coordenadora do Grupo de Trabalho “Direito das Grávidas”, da Comissão de Saúde da Assembleia da República, Deputada Ângela Guerra, Grupo de Trabalho (GT) “Direito das Grávidas” deliberou ouvir o Presidente do Colégio de Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos, o Presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos, a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros e a Presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria, em audição conjunta no âmbito daquele GT, que foi constituído para apreciar na generalidade os projectos de lei (PJL) n.ºs 555, 563, 872 e 1034 (que se anexam), no dia 21 de fevereiro de 2019, entre as 14 horas e as 15 horas.
Os presidentes do Colégio de Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia e do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos tomaram conhecimento desta convocatória na tarde de 20 de fevereiro de 2019, não podendo participar pessoalmente na audição. Ambos solicitaram ao Coordenador da Secção de Subespecialidade de Neonatologia do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos que os representasse, o que ocorreu.
Correspondendo à sugestão feita pela Coordenadora daquele GT “para se pronunciar sobre as iniciativas e deixar documentação de suporte”, li com atenção os documentos enviados e elaborei pareceres escritos sobre cada um deles (que se anexam), que foram enviados na véspera da audição.
Na manhã do dia da audição houve uma conversa telefónica entre João Bernardes e Daniel Virella para preparar a reunião, após o que João Bernardes enviou informações complementares por e-mail.
Compareceram na audição conjunta 5 dos 11 deputados da Comissão de Saúde da Assembleia da República que fazem parte do GT “Direito das Grávidas”: Ângela Guerra, advogada (PSD), Coordenadora; Carla Cruz, psicóloga (PCP); Catarina Marcelino, antropóloga (PS); Isaura Pedro, médica (PSD) e Jorge Falcato Simões, arquitecto (BE).
Compareceram ainda Daniel Virella, em representação da Ordem dos Médicos, e Victor Varela, em representação da Ordem dos Enfermeiros.
A audição iniciou-se com o esclarecimento pela Deputada Ângela Guerra de que o propósito era consultar a opinião de peritos sobre a necessidade de propor actualizações à legislação vigente sobre os direitos das grávidas e sobre o conteúdo e forma das propostas em análise. Foi esclarecido que os peritos teriam cerca de 10 minutos cada um para apresentarem os seus pareceres, após o qual os deputados colocariam questões às quais os peritos poderiam responder no final. Foi assinalado que os deputados receberam os pareceres enviados na véspera.
O representante da Ordem dos Médicos foi o primeiro a falar. Foquei a minha apresentação inicial nos seguintes aspectos:
A Ordem dos Médicos está sempre na linha da frente da defesa dos direitos dos cidadãos, particularmente no que respeita à sua saúde e à prestação de cuidados de saúde;
A qualidade de nova legislação é fundamental, pois é pior haver nova legislação confusa e ambígua do que as lacunas que possa haver na legislação em vigor;
As referências à falta de satisfação das parturientes portuguesas feita na fundamentação de alguma das propostas correspondem a dados de um estudo baseado em inquéritos online respondidos por uma amostra de conveniência com grande potencial de distorção no sentido da insatisfação, como o indica a inconsistência dos resultados face a outros estudos que seguiram outros métodos de amostragem;
Foi matizado que as alegações de haver “violência” contra as mulheres nos partos institucionais devem ser encaradas tendo em conta que a maior violência está em privar parturientes, fetos e recém-nascidos das melhores práticas estabelecidas para a sua assistência; relembrou-se a realidade nefasta dos riscos do parto antes dos avanços da higiene e dos cuidados médicos;
Foi recomendado que, sem desvalorizar o protagonismo primordial da mulher no processo de nascimento, é desejável ampliar o foco do articulado e da fundamentação que o acompanha ao outro responsável pela parentalidade, caso exista e seja ele qual for, respeitando as relações familiares “menos convencionais”;
Foi notada a necessidade de definir, neste contexto, o que se entende por “acompanhante” e por “responsável parental”, expressões muito usadas nas propostas, chamando a atenção para não definir “responsável parental” apenas pela negativa, como não sendo considerado “acompanhante”;
Foi recomendado alargar o foco do articulado e da fundamentação que o acompanha não apenas ao “trabalho de parto” mas a todo o processo que leva ao nascimento, mesmo que não decorra trabalho de parto, o que acontece nas cada vez mais frequentes cesarianas electivas;
Foi chamada a atenção para a existência em algumas das propostas de lei de uma clara confusão entre o “acompanhamento clínico” e o “acompanhamento pessoal” por um elemento externo à instituição de saúde, significativo na vida da mulher e, provavelmente, da criança;
Por fim, foi chamada a atenção para o facto de que a Ordem dos Médicos não tem nenhuma objecção de princípio face à elaboração e apresentação de Plano de Parto ou de Plano de Nascimento mas discorda que seja apresentado pelas propostas como algo que deva ser recomendado ou a norma; lembrou-se que é defendida a informação e esclarecimento para os actos clínicos e a obtenção de consentimento quando é considerado necessário; também se defendeu a utilidade de ser feita uma previsão de como decorrerá o processo que levará ao nascimento, como forma de informação e de melhor gestão da ansiedade; lembrou-se a necessidade de promover a participação dos profissionais clínicos na informação e no esclarecimento dos casais ou mulheres que ponderem fazer um Plano de Parto ou Plano de Nascimento, para evitar pedidos ou exigências que não possam ser aceites por não garantirem ou colocarem em risco parturientes, fetos e/ou recém-nascidos.
De seguida, falou o Enfermeiro Victor Varela, que citou documentação nacional e internacional já conhecida sobre o assunto, distribuindo-a impressa; destacou a grande coincidência de posições com a Ordem dos Médicos, expressando, no entanto, um maior entusiasmo pelo Plano de Parto ou Plano de Nascimento e lembrando que a Direcção Geral da Saúde já tem pronta documentação orientadora sobre o assunto; expressou o apoio às propostas de haver dois acompanhantes da parturiente, sugerindo que a sua presença alternada poderá evitar que esteja desacompanhada e relembrando que os acompanhantes não podem interferir nos actos clínicos; foram feitas referências superficiais e pouco entusiásticas à presença de doulas no trabalho de parto; foi elogiada a disponibilidade por algumas instituições de parto na água; foi sugerido que, em vez de “remendar” legislação em vigor, se elabore nova legislação complementar.
Do ciclo de perguntas que se seguiu, destaca-se, entre outros:
A solicitação à Ordem dos Médicos para contribuir para a melhor definição dos conceitos e dos participantes envolvidos nos processos a legislar;
O pedido de esclarecimento sobre qual a actual posição da Ordem dos Médicos sobre os partos na água;
O pedido de informação sobre a acessibilidade aos cuidados na sala de partos e a atitude dos profissionais face a mulheres com deficiência que engravidam;
O pedido de esclarecimento sobre ao trecho do Parecer enviado sobre a proposta do PS onde se refere “A propósito da alínea 7 do Artigo 4.º, onde se mencionam as “redes de referenciação em vigor”, não se pode deixar de chamar a atenção para a disrupção, desestruturação e descapacitação da Rede de Referenciação Perinatal que tinha sido desenvolvida desde 1989 e mantida até 2009, com tanto e inegável êxito; se esta situação não for revertida com rapidez e efectividade, muito em breve deixará de existir a possibilidade de “garantir uma referenciação planeada, célere e eficaz, para outro serviço de saúde mais diferenciado, de acordo com as redes de referenciação em vigor”, como é enunciado nesta ”.
Atendendo ao pouco tempo ainda disponível, optei por responder apenas aos dois últimos pontos que referi acima:
Expressei o reconhecimento das dificuldades existentes a muitos níveis para adaptar as instalações de saúde a pessoas com necessidades especiais, ressaltando que, apesar destes lapsos existirem a todos os níveis, é mais grave existirem neste sector; chamei a atenção para o facto de que as barreiras arquitectónicas praticamente desapareceram em países da União onde se legislou adequadamente e se criaram condições para que a legislação fosse efectivada; alertei ainda para o facto de que as “pessoas com necessidades especiais” não são apenas aqueles com défices físicos mas que actualmente é necessário reconhecer a vulnerabilidade e as necessidades não satisfeitas de uma crescente população de grávidas e parturiente migrantes que não conseguem comunicar em português, realidade que é ignorada em todas as propostas de projectos de lei analisadas.
Aproveitei o pedido de esclarecimento feito pela Deputada Isaura Pedro, do PSD e nossa colega, para explicar o referido estado de “disrupção, desestruturação e descapacitação da Rede de Referenciação Perinatal”, a sua descapitalização humana e material, a promoção do desenvolvimento do sector privado nesta área e a desadaptação às evoluções sociodemográficas que têm ocorrido; falei ainda das consequências nefastas do conteúdo da última versão da Portaria que regulamenta as maternidades do sector privado, que prevê a monitorização da actividade desenvolvida através da análise de relatórios semestrais pela Entidade Reguladora da Saúde e pela Direcção Geral da Saúde, levando a que, na prática nenhuma das entidades exerça nenhum controlo efectivo, pois uma tem jurisdição sem ter competência e outra tem competências sem ter jurisdição; informou-se ainda que, devido a esta Portaria, voltou a poder nascer-se em Portugal em locais onde ocorrem menos de 5 partos por mês e mesmo menos de 1 parto por mês.
O Enfermeiro Victor Varela referiu que apenas se sentia à vontade para falar do que acontece no sector público da saúde; ressaltou a importância da adequada referenciação das situações de risco entre profissionais de saúde, nomeadamente entre enfermeira parteira e médico obstetra e/ou pediatra; voltou a defender que a elaboração e apresentação de Plano de Parto ou Plano de Nascimento é muito importante, mesmo fundamental, e defendeu as propostas de se criarem consultas hospitalares para discussão do Plano de Parto ou Plano de Nascimento; instado a pronunciar-se sobre a criação de condições para as parturientes poderem estar sempre acompanhadas por duas pessoas de sua referência, ressaltou que o fundamental é haver uma boa chefia de enfermagem, esclarecida e empenhada; voltou a lamentar estar suspensa a realização de partos na água.
Pedi de novo a palavra para relembrar que a elaboração pelo casal do Plano de Parto ou Plano de Nascimento não deve ser encarado como fundamental nem obrigatório, sendo sim importante uma efectiva partilha de informação e a prática da obtenção de consentimento esclarecido; esclareci que é importante a disponibilidade dos clínicos para apoiar os casais que pretendam elaborar um do Plano de Parto ou Plano de Nascimento mas que esse apoio deve ocorrer antes da altura do parto, devendo o casal ou a grávida obter informação atempada sobre que instituições se adaptam às suas preferências, para evitar erros de desadequação da escolha do local para o nascimento, com os conflictos e frustrações que de aí podem advir.
De notar que toda a audição foi gravada em vídeo por uma equipa de repórteres que estava a trabalhar numa reportagem sobre a actividade parlamentar.
Daniel Virella
Coordenador da Comissão Técnica da Secção da Subespecialidade de Neonatologia do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2019