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Pareceres

 

Tendo a Unidade Central de Investigação e Intervenção da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica colocada a questão “se a aplicação LIPO-ENZIMÁTICA com caneta pressurizada (intradermoterapia pressurizada) com fins estéticos, é enquadrado como Ato de Medicina Estética e ver esclarecido que formação ou especialidade se encontra vocacionada para estes tratamentos estéticos”, veio o Colégio de Dermatovenereologia, no âmbito das suas competências, clarificar 4 pontos que poderão ser úteis para essa analise e, também, para situações futuras através do parecer datado de novembro de 2022 que passamos a reproduzir:

Descarregue aqui o parecer lipo enzimatica

Perante a suspeita da prática do crime de usurpação de funções (previsto e punível pelo Art.º 358.º do Código Penal) e do crime de ofensas à integridade física por negligência, o Colégio de Dermatovenerologia foi questionado se o ato praticado sob a designação “LIPO ENZIMÁTICA” deve, ou não, ser considerado uma prática terapêutica, necessitando por isso (em caso afirmativo) de prescrição/indicação e de supervisão médicas, o Colégio emitiu um parecer que passamos a divulgar:

Cumpre informar, em resposta ao quesito de V. Excelência ao Colégio de Dermatovenereologia da Ordem dos Médicos, no âmbito do processo-crime …:
a) Se o ato praticado e denunciado nos autos “LIPO ENZIMÁTICA” (do qual resultaram lesões físicas na denunciante), deve, ou não, ser considerado uma prática terapêutica, necessitando por isso (em caso afirmativo) de prescrição/indicação e de supervisão médicas?

Os procedimentos divulgados e comercializados como “Lipo Enzimática” constituem, na quase totalidade dos casos, procedimentos de mesoterapia, isto é, de procedimentos em que é administrada uma substância, por via injectável, na espessura da pele, para obter determinado resultado. No caso das “Lipos Enzimáticas” podem ser administrados vários produtos, com composições variadas e, nos casos menos recomendáveis, absolutamente desconhecidas, com o objectivo de destruição dos adipócitos, vulgo células de gordura, a fim de obter uma redução do tecido adiposo (gordura) em determinada localização. Este efeito pode ser obtido de várias formas, uma das mais frequentes das quais é o efeito detergente que leva à destruição da membrana celular destas células, provocando uma reacção inflamatória local.

 

Desta breve exposição resulta que:

i) a administração do produto deve ser feito com técnica asséptica;

ii) deve ser administrada com uma técnica precisa e correcta, para que o produto seja administrado na camada da pele correcta, e não noutra, onde pode conduzir a efeitos adversos graves;

iii) devem ser utilizados produtos de nível farmacêutico, estéreis, com composição adequada ao fim proposto e ao doente concreto, e devidamente certificado para a utilização a que se destina;

iv) deve ser feito um diagnóstico preciso do problema a tratar, visto que a gordura localizada, como é vulgarmente conhecida, pode ser devida a várias causas, onde se incluem neoplasias benignas (lipomas), malignas (lipossarcomas) e reacções adversas medicamentosas (lipodistrofias);

v) deve ser utilizada após colheita de história clínica detalhada, com identificação de doenças relevantes, medicação actual, história de alergias medicamentosas, e realização de exame objectivo rigoroso, para identificar os casos em que este tipo de terapêutica está contra-indicada.

 

Por força de razão, e das disposições legais, fica claro que apenas um médico poderá diagnosticar a causa da alteração corporal que o utente visa corrigir, bem como apreciar, de forma válida e rigorosa, o perfil de comorbilidades do doente, e eventuais diagnósticos que contra-indiquem o procedimento, e no caso de se optar pela sua realização, de escolher a formulação mais apropriada para obter os resultados desejados, com a minimização dos riscos do procedimento.

Portanto, é indiscutível, a nosso ver, que os procedimentos de mesoterapia, onde se inclui a “Lipo Enzimática”, só podem ser realizados sob supervisão médica estrita, após avaliação por Médico com autonomia para o exercício das funções que lhe são inerentes, reconhecida pela Ordem dos Médicos, em território nacional. Contudo, não é obrigatório que a administração do produto seja feita por Médico, sendo atendível que a mesma seja realizada por outro profissional de saúde, nomeadamente Enfermeiro, com os conhecimentos necessários à administração terapêutica, no exercício das funções que lhe são inerentes, e para os quais está capacitado pela Ordem Profissional correspondente, desde que por indicação (e sob supervisão) médica.

 

De forma a clarificar este parecer, cumpre-me apresentar alguns dos riscos potenciais a V. Exa. da não observância do disposto:

– Infecção do local, por bactérias, fungos ou micobactérias, com risco de vida e de deformação permanente e irreversível.

– Reacção alérgica, com potencial fatal.

– Hemorragias e hematomas.

– Hiperpigmentação (pele mais escura).

– Destruição anómala do tecido adiposo, com paniculite e lipodistrofia sequelar permanente (muitas vezes expressa como “covas” na pele).

– Risco de necrose (morte) da pele, na área tratada – este risco é particularmente alto quando se realizam estes procedimentos nas pernas.

– Tireotoxicose (hipertiroidismo), nas administrações com hormonas tiroideias.

– Agravamento de outras doenças de base, como a psoríase (fenómeno de Koebner).

– Reacções adversas sistémicas graves, particularmente nas formulações impuras e sem as devidas certificações.

O parecer ora emitido encontra-se fundamentado no conhecimento científico disponível e na literatura publicada.

 

Para informações adicionais, poderá ser consultada, entre outras, a seguinte referência:

Tosti, Antonella; Beer, Kenneth; De Padova, Maria Pia (2012). Management of Complications of Cosmetic Procedures || Complications of Mesotherapy. , 10.1007/978-3-642-28415-1(Chapter 9), 77–81. doi:10.1007/978-3-642-28415-1_9

 

Lisboa, 11 de Abril de 2022

O Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, na sua reunião plenária de 20 de setembro de 2021, aprovou a recomendação elaborada pelo Colégio da Especialidade de Dermatovenereologia, em relação à cobertura dos diferentes Atos Médicos praticados pelos Especialistas de Dermatovenereologia.

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Em resposta a um pedido de parecer, sobre o assunto mencionado em epígrafe, após a análise da questão entendeu o Colégio da Especialidade de Dermatovenereologia pronunciar-se conforme documento anexo que foi homologado em PCN de 09/12/2020:

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A utilização de tecnologias de informação e comunicação na Medicina (e Saúde) é uma realidade nos nossos dias e, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, tem uma importância estratégica no desenvolvimento dos serviços de saúde, nomeadamente através do fornecimento de cuidados em áreas com dificuldade de acesso e pela melhoria da qualidade de cuidados em locais com melhor acessibilidade.

A Telemedicina (TM), como parte integrante da Tele-Saúde (utilização de telecomunicações e inteligência artificial na área da Saúde), consiste no fornecimento de assistência direta ao doente nas diversas facetas do trabalho clínico (observação, diagnóstico, tratamento e monitorização) recorrendo às modernas telecomunicações e tecnologias de informação.

Na área da Dermatovenereologia o início de experiências de TM em Portugal remonta há duas décadas com os dermatologistas Alberto Mota (Hospital de São João, Porto), António Sousa Basto (Hospital de São Marcos, Braga), Armando Rozeira (Hospital Pedro Hispano, Matosinhos) e Manuel Murta (Hospital do Espírito Santo, Évora).

Em 2012 foi criado o Grupo de Trabalho de Telemedicina do Ministério da Saúde, em cuja composição não incluiu nenhum Dermatologista, mas que contou com a contribuição dos dermatologistas Manuel Murta e Virgílio Costa.

Em 2013, com o Despacho 3571/2013, a Dermatovenereologia foi identificada como área de implementação prioritária da utilização da TM em Portugal. Neste documento, a redação da alínea c) do artigo 2º e da alínea b) do artigo 8º sugere que o rastreio de lesões cutâneas através da tecnologia da TD corresponde a uma consulta, claramente conduzindo á grave confusão científica entre referenciação/triagem e consulta. Não existem quaisquer dados científicos que validem o Telerastreio dermatológico como consulta médica de Dermatovenereologia (primeira consulta ou subsequente; consulta presencial ou teleconsulta). Esta confusão, deliberada ou não, instalou um lamentável viés na posterior elaboração e programação de planos de cuidados médicos no âmbito da TD.

Em Abril 2014 foi publicada a Norma de Orientação Clínica 005/2014 sob a denominação Telerastreio Dermatológico, com o apoio científico dos dermatologistas Alberto Mota, Armando Batista, Jorge Cardoso, Luís Sousa Uva, Paulo Filipe e Virgílio Costa. Apesar de incorporar importantes orientações técnicas para a correta implementação do Telerastreio, manteve o conceito errado de Telerastreio Dermatológico como consulta de Dermatovenereologia.

Em 2016 foi criado o Conselho Nacional da TeleSaúde (DR 206/2016), extinguindo-se o Grupo de Trabalho da TeleMedicina do MS e integrando a missão deste, mais uma vez não incluindo nenhum dermatologista, não obstante a Dermatovenereologia continuar a ser identificada como prioritária para o desenvolvimento da TeleMedicina em Portugal.

Gradualmente e em face das dificuldades de gestão de listas de espera e dificuldades de descentralização dos cuidados de saúde na área da Dermatologia, foi sendo implementado ao nível de diversos serviços de Dermatologia hospitalares, em estreita colaboração com os Cuidados de Saúde Primários, a triagem dos pedidos de consulta com imagem associada (Telerastreio Dermatológico). A interpretação incorreta do conceito de Telerastreio Dermatológico, fruto da aceção errada da natureza da especialidade de Dermatovenereologia (é uma especialidade médico-cirúrgica e como tal a TD não é o mesmo que teleradiologia ou telepatologia) associada a inúmeras e graves deficiências do software atualmente utilizado e adaptado à TD, conduziu á confusão instalada entre tempos de espera para Telerastreio e tempos de espera para consulta presencial e à tomada de decisões políticas baseadas em estatísticas que estão incompreensivelmente falseadas pelos Serviços do MS. Tal é o exemplo recente do Despacho 6280/2018. Neste tempo de transição, em que a maioria dos pedidos ainda não são enviados com imagem, a comparação deveria ter sido necessariamente entre tempo de espera para consulta (teleconsulta ou consulta presencial) após triagem pelo Telerastreio e tempo de espera para consulta presencial após triagem pelo método tradicional de referenciação. A Direção do Colégio de Dermatovenereologia exprimiu a sua opinião e apontou estas deficiências na condução do processo da Teledermatologia em reunião com o Sr. Secretário da Saúde em Maio de 2018.

Ainda relativamente ao Despacho 6280/2018, refutamos completamente a possibilidade de o Telerastreio dermatológico poder ser uma alternativa para a referenciação para a consulta presencial. O Telerastreio é uma forma de pedido de Consulta de Dermatovenereologia por parte dos CSP e que posteriormente será triada por um dermatologista e orientada para consulta presencial ou teleconsulta. Igualmente refutamos de forma categórica a possibilidade de realização de diagnósticos clínicos com toda a conceção médico-legal que o termo acarreta através do Telerestreio. O Telerastreio permite levantar suspeitas de diagnóstico de forma a uma correta triagem da situação clínica podendo levar ao diagnóstico mais precoce de patologias graves (priorização das queixas dermatológicas), melhorando a qualidade da assistência em Dermatologia. Por fim, defendemos que a designação da nossa especialidade não mudou de Dermatovenereologia para Telerastreio, pelo que não concordamos com esta mudança de nomenclatura no software utilizado pelo MS.

O previsível aumento de doentes com patologia cutânea (nomeadamente nas áreas da oncologia, imunologia e alergologia) registado em países desenvolvidos como o nosso associado à redução contínua do número de dermatologistas no SNS constitui atualmente um problema grave e que, dado a sua dimensão, não será com a utilização da TD que se irá resolver. Só a contratação de mais Dermatologistas para o SNS e a abertura de Serviços de Dermatologia fora dos grandes centros permitirá melhorar o acesso dos cidadãos aos cuidados hospitalares de Dermatovenereologia, opinião manifestada igualmente na reunião de Maio com o Sr. Secretário de Estado.

Em face do panorama atual, a Direção do Colégio de Dermatovenereologia da Ordem dos Médicos emite o seguinte parecer:

A Teledermatologia (TD) integra o processo global do cuidado dermatológico à população, de forma a responder a necessidades especificas previamente identificadas (acessibilidade, priorização, coordenação entre os diversos níveis assistenciais, monitorização/follow-up de doentes com doença crónica, formação e treino contínuos).
A liderança de um Dermatologista constitui um pré-requisito fundamental no planeamento e implementação de todos os projetos de TD. O Dermatologista deve ter um papel de coordenação nas equipas multidisciplinares que desenvolvem ou utilizam TD.

A TD é uma ferramenta complementar da atividade clínica da Dermatovenereologia e, como tal, deve ser utilizada exclusivamente por especialista em Dermatovenereologia com as necessárias e comprovadas competências e treino específico nos processos de e-saúde e na utilização de tecnologias de informação e comunicação na prática médica. A formação especifica em TD deverá ter caráter obrigatório e com a periodicidade adequada á evolução tecnológica para todos os médicos envolvidos em atividades de TD.

Todos os modelos assistenciais em TD devem incluir o apoio de dermatologista com disponibilidade para consulta médica presencial. A TD é complementar à prática clínica da Dermatovenereologia em presença física do doente e em nenhuma situação poderá substituir a possibilidade, sempre que necessário, de uma consulta presencial com um dermatologista.

À incorporação da TD na atividade assistencial dos Cuidados de Saúde Primários e dos Serviços de Dermatologia hospitalares deve corresponder a alocação de tempo de trabalho adequado e a atribuição de recursos humanos e económicos específicos para manutenção e renovação de equipamento e software, para providenciar a assistência técnica e a formação médica contínua dos profissionais, garantindo a manutenção da qualidade dos cuidados prestados.

Existem duas modalidades tecnológicas (tempo-real e diferido) e 3 modelos de assistência em TD: consultadoria (teleconsulta), triagem/rastreio (telerastreio) e follow-up/monitorização.

A TD, sob a forma do Telerastreio Dermatológico (informação clínica sucinta e imagem enviados pelo Médico de Família) consititui-se como método mais adequado para referenciação dos doentes dos cuidados de saúde primários para os cuidados hospitalares, ao permitir maior acuidade na triagem, orientação e priorização dos doentes com patologia dermatológica por parte dos Serviços de Dermatologia Hospitalares.

A TD, sob a forma de Teleconsulta de Dermatovenereologia, permite aconselhar e abordar juntamente com o médico de família patologias dermatológicas minor, mantendo critérios de qualidade e possibilitando a formação médica contínua.

A TD, sob a forma de Monitorização, permite a avaliação de situações clínicas especificas (monitorização de pensos pós-operatórios a realizar nos CSP, avaliação de meios complementares de diagnostico feitos pelo doente no seu local de residência) identificadas e devidamente organizadas previamente em consulta hospitalar presencial.

Não existe qualquer comparação científica possível entre a consulta em presença física (história médica detalhada seguida pelo exame dermatológico completo, realização de técnicas auxiliares de diagnóstico específicas, instituição de terapêutica tópica e sistémica e planeamento de follow-up adequado) e o Telerastreio Dermatológico.

A separação entre a triagem médica dos pedidos para Dermatovenereologia (Telerastreio) a partir dos CSP e a atividade de assistência médica hospitalar de Dermatovenereologia, sob a forma de contratação de serviços externos ao MS, constituiria uma perigosa fragmentação dos cuidados de saúde na área da doença cutânea com graves repercussões para os doentes.

A TD é, nos nossos dias, uma atividade complexa e que para atingir os seus fins de aliar o progresso tecnológico à melhoria da prestação de cuidados em saúde exige o estabelecimento de objetivos claros.

A sua utilização exclusiva para controlar listas de espera a curto prazo não terá o êxito pretendido e afastará a TD do seu principal desígnio na Medicina do Futuro: melhoria da acessibilidade, da equidade, da qualidade e do custo-eficácia para o doente e para a comunidade em que está inserido. O Dermatologista deve liderar e conduzir a implementação da TD alicerçando-se no conhecimento científico de forma a assegurar a sua correta utilização na assistência de doentes com patologia cutânea.

 

A Presidente da Direcção do Colégio,

Drª Manuela Selores.

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