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Vírus do Papiloma Humano: vacinação unissexo?

Autor: Rogério Pastor Fernandes, Médico Interno de Formação Específica em Medicina Geral e Familiar na USF Santa Luzia (ACeS Tâmega III – Vale do Sousa Norte)

 

Resumo: A vacinação contra o Vírus do Papiloma Humano não está incluída no Plano Nacional de Vacinação para o sexo masculino. Apesar de serem necessários mais estudos que possam determinar inequivocamente o custo-benefício da vacinação universal em ambos os sexos, para destacadas sociedades médicas da área existe já evidência suficiente para recomendar a vacinação unissexo.

Cada vez com maior frequência somos confrontados com a questão da vacinação de adolescentes do sexo masculino contra o Vírus do Papiloma Humano (HPV), tão simplesmente por não estar incluída no Plano Nacional de Vacinação (PNV). Já a resposta não é tão simples, por três ordens de razão: (1) por um lado, as vacinas disponíveis demostraram ser seguras e bem toleradas; (2) por outro lado, não existe evidência científica suficiente sobre a sua eficácia na prevenção dos cancros associados ao HPV nos homens ou indiretamente nas mulheres e (3) finalmente, o seu custo económico é elevado.

O HPV é um vírus transmitido entre humanos através do contacto pele-a-pele, designadamente em contexto de relações sexuais e da mãe para o bebé, no parto. Existem diversos tipos de vírus (mais de 200), podendo os mais frequentes ser agrupados de acordo com o tipo e gravidade das lesões que provocam: (1) lesões benignas como verrugas e condilomas (tipos 6, 11, 42, 43, 44, 54, 61, 70, 72, 81); (2) lesões malignas como cancro do colo do útero, da vagina, da vulva, do pénis, do canal anal e da orofaringe (tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59 e 66).

O HPV anogenital é a infeção sexualmente transmitida mais comum, com um pico de prevalência na primeira década após o início da atividade sexual. Estima-se uma prevalência mundial da infeção genital em mulheres de cerca de 10%, com o HPV tipo 16 a destacar-se como o mais comum tipo de alto risco. O HPV é o segundo carcinogéneo mais importante (logo a seguir ao tabaco), responsável, mundialmente, por 4,5% dos cancros e agente etiológico de: (1) 90% das verrugas genitais em ambos os sexos; (2) 88% dos cancros do canal anal; (3) 50% dos cancros do pénis e (4) 25,5% dos cancros da orofaringe.

Especificamente no sexo masculino, são muito prevalentes as infeções penianas e anais (em homens que têm sexo com homens). Também as infeções orofaríngeas são mais prevalentes em homens do que em mulheres e estão associadas a fatores de risco sexuais como os múltiplos parceiros. Na prevenção da infeção, a vacinação aparece como a forma mais eficaz, dadas as limitações do uso de preservativo que não protege do contacto pele-a-pele de áreas não cobertas. O momento ideal para a vacinação é antes do início da atividade sexual.

As vacinas podem ser administradas a partir dos 9 anos de idade, de acordo com o seguinte esquema: (1) entre os 9 e os 14 anos de idade devem ser administradas duas doses separadas por 5 a 13 meses; (2) a partir dos 15 anos devam ser feitas três doses – aos 0, 1 e 6 meses no caso da vacina bivalente (Cevarix) e aos 0, 2 e 6 meses nos casos da vacina quadrivalente (Gardasil) e nonavalente (Gardasil 9).

Apesar da carga de doenças associadas ao HPV ser mais baixa em homens do que em mulheres e por conseguinte o beneficio absoluto direto para os homens ser pequeno, o benefício indireto para os homens que advém da vacinação das mulheres é incompleto e, portanto, a vacinação dos homens proporciona benefícios populacionais adicionais em termos de imunidade de grupo. Mais, mesmo que a vacinação da população feminina fosse suficiente para conferir proteção à população masculina, teria um efeito mínimo entre homens que têm sexo com homens, que apresentam taxas substancialmente mais altas de cancro anal associado ao HPV relativamente aos homens heterossexuais.

A eficácia e segurança das vacinas disponíveis foi demonstrada por diversos ensaios clínicos. Especificamente em homens, a vacina quadrivalente foi associada à diminuição de lesões genitais relacionadas com os HPV 6 e 11 em homens entre os 16 e os 26 anos de idade, podendo reduzir a incidência de neoplasia intraepitelial anal. A rotina de vacinação de adolescentes e jovens adultos tem sido associada ao declínio da carga de infeção por HPV e das doenças a ele associadas. Em Portugal a vacinação contra o HPV nas raparigas dos 9 aos 26 anos com a vacina nonavalente (Gardasil 9) está integrada no PNV, excluindo atualmente os rapazes. A vacinação apenas se encontra recomendada para ambos os géneros nos programas de vacinação gratuita de alguns países: EUA, Austrália, Áustria, Irlanda, Suíça, Israel e algumas regiões do Canadá, Itália e Alemanha.

A Direção Geral de Saúde aguarda a publicação de estudos de eficácia em homens para emitir recomendações sobre a vacinação neste grupo, adiantando que a vacinação possa ser benéfica para os próprios, podendo prevenir verrugas e cancros raros como o do pénis e ânus.

A Comissão de Vacinas da Sociedade de Infeciologia Pediátrica e Sociedade Portuguesa de Pediatria recomendam a vacina nonavalente aos adolescentes do género masculino como prevenção das lesões associadas ao HPV com base (1) no bom perfil de segurança da vacina, (2) na elevada eficácia na redução de verrugas genitais e lesões precursoras de cancros anogenitais em ambos os sexos, (3) na relevância da carga de doença nos homens, (4) na inexistência de rastreio implementado para a prevenção de cancros associados ao HPV em homens, (5) no crescente contacto sexual com mulheres de áreas geográficas com baixa cobertura vacinal ou onde a vacina não é utilizada e (6) no não beneficio significativo da imunidade do género feminino para os homens que têm sexo com homens. Esta comissão adianta, ainda, a não existência de benefício adicional com a administração da vacina nonavalente a rapazes previamente vacinados com a quadrivalente, dado os cinco tipos de HPV adicionais não estarem diretamente implicados nos cancros associados ao sexo masculino.

As recomendações do Centers for Disease Control and Prevention, apoiadas pelo American College of Obstetricians and Gyneacologists e pela American Cancer Society são de vacinar rapazes entre os 13 e os 26 anos e os homens imunocomprometidos (à semelhança das mulheres) ou os que têm sexo com homens. Também os trabalhos de investigação mais recentes sublinham a possibilidade de vacinação dos homens e a recomendação de vacinação dos homens imunocomprometidos e que que têm sexo com homens.

Se por um lado é necessário mais tempo para a realização/conclusão de mais estudos de eficácia desta vacinação em homens, tendo em conta as características de progressão lenta dos cancros associados à infeção por HPV, é fundamental levar a cabo outros estudos que possam determinar inequivocamente o custo-benefício da vacinação universal em ambos os sexos, uma vez que algumas das mais destacadas sociedades médicas da área defendem que existe já evidência suficiente (em termos de segurança e eficácia) para recomendar a vacinação unissexo.

Enquanto a universalidade garantida pela inclusão da vacinação unissexo no PNV não for alcançada, manter-se-á uma situação de desigualdade diretamente relacionada com o género e com a capacidade económica de cada um.

 

Referências

  • Comissão de Vacinas da Sociedade de Infeciologia e da Sociedade Portuguesa de Pediatria. Recomendações sobre a vacinação contra o Papiloma Vírus Humano no Género Masculino. Acta Pediatr Port. 2018; 49(3):208-13.
  • Cox JT, Palefsky JM [Internet]. Human papillomavirus vaccination. UpToDate. 2019; [updated 2019 Sep, 2019 Oct 10]. Available from https://www.uptodate.com/contents/human-papillomavirus-vaccination.
  • Direção-Geral da Saúde. Programa Nacional de Vacinação. Norma N.º 16/2016, de 16/12/2016, atualizada em 31 de julho de 2017. Lisboa: Direção-Geral da Saúde. 2017
  • DynaMed [Internet]. Ipswich (MA): EBSCO Information Services. 1995 – . Record No. T908142, Human Papillomavirus (HPV) Vaccine; [updated 2018 Nov 30, 2019 Oct 14]. Available from https://www.dynamed.com/topics/dmp~AN~T908142.
  • Palefsky JM [Internet]. Human papillomavirus infections: Epidemiology and disease associations. UpToDate. 2019; [updated 2018 Jun, 2019 Oct 10]. Available from https://www.uptodate.com/contents/human-papillomavirus-infections-epidemiology-and-disease-associations.