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Vacinação: “Senti-me abraçada pela Ordem dos Médicos”

As máscaras cobrem os rostos, mas os olhos denunciam os sorrisos – e até a comoção – de quem aguardou muito por este dia. Num fim-de-semana solarengo, o Polo do Porto do Hospital das Forças Armadas abriu as suas portas à ação coordenada pelo bastonário da Ordem dos Médicos para vacinar contra a Covid-19 todos os colegas que ficaram para trás. O fim-de-semana de arranque desta operação logística complexa, que abrangerá numa primeira fase cerca de 4200 médicos, começou a norte, com um total de 626 vacinados nos dois primeiros dias. Ao longo da semana seguiu-se o Algarve e depois Lisboa, estando a ser preparadas mais ações em Coimbra, e de novo no Porto e em Lisboa para finalizar a lista de inscritos.

Nos percursos a pé, na fila para a triagem ou na sala onde esperam 30 minutos após a administração da vacina, todas as oportunidades são aproveitadas pelos médicos para imprimir a este momento o convívio que a pandemia tem vindo a adiar nas vidas de todos nós. Trocam-se novidades da família, preocupações sobre a vida e sobre alguns doentes. Recordam-se os velhos tempos de curso, o início da carreira e o atual momento difícil que a saúde atravessa, muito em particular nas condições de trabalho no Serviço Nacional de Saúde. Neste primeiro fim-de-semana todos os que compareceram têm mais de 65 anos e farão, de acordo com as orientações da Direção-Geral da Saúde, a vacina da farmacêutica Pfizer. Numa segunda data será a vez dos menores de 65 anos, a quem caberá a vacina da AstraZeneca.

A operação decorre na presença do bastonário da Ordem dos Médicos e também sob coordenação de Susana Vargas, Conselheira Nacional e Tesoureira da Ordem dos Médicos. Uns com maior timidez, outros avançando com segurança… mas a verdade é que todos os médicos que se cruzam com Miguel Guimarães fazem questão de traduzir em palavras a importância deste dia e da insistência do bastonário, publicamente e junto da Task Force, para que os médicos fossem todos vacinados. Além de vários inquéritos junto dos médicos, para partilha dos contactos com a tutela, o bastonário lançou também uma petição pública Pela Vacinação Imediata de Todos Os Médicos, que em apenas duas semanas reuniu mais de 10 mil assinaturas. A nova coordenação da Task Force reconheceu a justiça da pretensão da Ordem dos Médicos.

“É um processo complexo, em que o planeamento e a organização têm de ser exemplares. A OM assumiu a responsabilidade e o risco de coordenar e organizar a vacinação dos médicos que estavam a ficar para trás, nomeadamente aqueles que trabalham em consultórios e clínicas. Não podíamos deixar de fazer tudo o que está ao nosso alcance para proteger a vida dos médicos e consequentemente garantir que os doentes continuem a ter acesso às suas consultas, exames e cirurgias”, destaca o bastonário. “Vacinar um médico é assegurar que estará apto a salvar vidas, ainda mais numa altura de grande fragilidade como a que atravessamos. Não vamos deixar ninguém ficar para trás, estamos juntos e ninguém vai ficar desprotegido”, reforça Miguel Guimarães.

Noémia Menezes Nunes, especialista em Ginecologia/Obstetrícia, é uma das presentes no Porto. Nas mãos rodopia o inconfundível cartão amarelo: a cédula da Ordem dos Médicos. “Reconheço que vivi estes tempos estranhos com alguma angústia. Dizem-nos que não estamos na linha da frente, mas gostava que me dissessem como se faz um exame ginecológico ou um exame da mama a mais de dois metros da doente. Já conto pelos menos seis grávidas que depois de estarem em contacto comigo se veio a confirmar estarem infetadas”, comenta. Sem a Ordem dos Médicos, quando esperava ser vacinada? “Sinceramente acho que íamos continuar esquecidos e as nossas doentes precisam de nós. O nosso bastonário fez de tudo e valeu-nos a sua determinação”, remata.

No Algarve o grupo é mais pequeno e a vacinação decorre em parceria com o Centro Hospitalar Universitário do Algarve, sob coordenação de Rubina Correia, Conselheira Nacional. Mas a alegria contagiante é a mesma e não se poupam agradecimentos. Não fosse o SARS-CoV-2 e muitos reencontros entre colegas seriam acompanhados de abraços, que por agora continuam adiados. Uns ficam-se por um acenar de cabeça, outros aderem ao cumprimento com o cotovelo, também ele uma imagem da pandemia. José Manuel Gago Leiria é cardiologista. Já trabalhou muito, agora procura ter uma vida um pouco mais calma. Mas o risco e o receio estão presentes. “Tenho de me resignar e cumprir as regras para não apanhar nada, mas preocupa-me muito a família. Não esperava que a ação avançasse, mas o bastonário foi determinado. Este dia não muda tudo, mas é um grande passo para recuperar uma vida mais parecida com a que tinha antigamente”, acrescenta. Ainda assim, atribuiu também este dia a uma outra mudança: “Tivemos a sorte de terem mudado o chefe das vacinas. O novo coordenador da Task Force compreendeu que não estava certo deixarem os médicos de fora”.

 

Em Lisboa, coube ao coordenador do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19, Filipe Froes, fazer, juntamente com o bastonário, a ponte com o Polo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas. Helena Coutinho, especialista em Medicina Geral e Familiar, ainda aguarda pela sua vez, sentada num pavilhão aproveitado como sala de espera. À passagem da equipa da Ordem dos Médicos levanta-se agilmente e partilha a alegria que sente: “Senti-me abraçada pela Ordem dos Médicos”.

“Fui descartada pela Senhora Ministra da Saúde e fiquei muito triste. Dediquei toda a minha vida ao serviço público. Reformei-me e continuo a trabalhar, porque para mim ser médica é uma vocação. Não estou num centro de saúde, mas estou numa clínica com uma lista de doentes sem médico de família e a quem dou resposta e sem a Ordem continuaria sem a vacina. Felizmente o bastonário lutou muito por nós”, reforça Helena Coutinho. Vacina-se por quem? “Quero vacinar-me por mim e pela minha família, mas também pelos meus doentes. Muitos até me telefonam a saber se já consegui ser vacinada porque não querem ver a médica doente. Após contactos de risco já tive de ficar em casa e eles ficam sem resposta”, lembra. Hoje regressa ao trabalho e a casa “com comoção”. “Quando recebi o telefonema da Ordem a agendar a vacina foi tão emocionante que nessa noite quase nem dormi, e eu até costumo dormir bem”. A médica regressa hoje a um sono tranquilo, mas não sem antes dar a boa nova aos seus doentes.