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Uma sociedade envelhecida é uma sociedade evoluída?

Autora: Isabel Ferreira Amorim; Médica Interna de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar; USF Canelas

Portugal tem uma elevada percentagem de população idosa, o que está associado a um acréscimo da morbilidade, das necessidades de saúde, de apoios sociais e de suporte familiar. É essencial a sensibilização da sociedade atual para esta problemática, a criação de estruturas de apoio social e de saúde e a implementação de leis que penalizem o ato de negligência e abandono da população envelhecida.

Portugal é o 4.º país da União Europeia com maior percentagem de pessoas idosas. De facto, segundo dados do PORDATA, em 2015, as pessoas com 65 ou mais anos de idade representavam 20,5% de toda a população residente em Portugal. Neste mesmo ano, a esperança de vida atingiu os 77,4 anos para homens e 83,2 anos para as mulheres. Além disso, segundo a mesma fonte, o índice de envelhecimento em Portugal passou de 27,5% em 1961 para 143,9%, em 2015. Tal situação demográfica tem e continuará a ter um inevitável e forte impacto na sociedade, exigindo adaptações e respostas em diversos níveis, nomeadamente, dos sistemas de saúde e justiça. O envelhecimento populacional é um fenómeno multidimensional, com um impacto transgeracional e transfronteiriço. Mas estão as gerações e a sociedade preparadas para dar resposta a esta mudança do paradigma social?

Neste âmbito, surge-nos a importância do envelhecimento ativo definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2002, como o processo de otimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança e para melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem. Tal pressupõe, ainda, o processo de desenvolvimento e manutenção da capacidade funcional como peça fundamental do bem-estar das pessoas idosas, sendo a capacidade funcional o resultado da interação das capacidades intrínsecas (físicas e mentais) da pessoa com o meio (OMS, 2015).

O conceito de bem-estar ou qualidade de vida da pessoa idosa requer a existência de três componentes fundamentais, nomeadamente, o bem-estar financeiro, a saúde e o suporte e integração sociais.

De facto, sabe-se que a longevidade tem trazido uma maior carga global de doença, tais como, as doenças cardiovasculares, as doenças oncológicas, as doenças respiratórias crónicas, as doenças musculosqueléticas ou os distúrbios neurológicos e mentais. Com o progresso da medicina, tem-se assistido a um aumento da sobrevivência na presença destas doenças que está inevitavelmente associado a uma perda de funcionalidade em idades mais avançadas.

Por conseguinte, as pessoas idosas com problemas de saúde ou de dependência necessitam não só de mais cuidados de saúde e de apoio social, como também, de mais suporte familiar.

Desta forma, é muito pertinente abordar-se a importância da interdependência e da solidariedade entre gerações na promoção do envelhecimento ativo. De facto, a família, a comunidade e a sociedade têm um forte impacto na forma como se envelhece, isto é, a qualidade de vida das pessoas idosas depende, entre diversos fatores, da forma como as gerações mais jovens fornecem ajuda mútua e apoio quando necessário.

Neste sentido, a Constituição da República Portuguesa salvaguarda o reconhecimento da dignidade da pessoa humana no que se refere especificamente à pessoa idosa determinando que as “pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social”. Contudo, não são raros os casos de abandono e negligência para com os nossos idosos! Quantas altas hospitalares são diferidas porque as famílias se recusam a levar o idoso para as suas casas? Quantas vezes nós médicos apelamos, em vão, aos familiares que acompanhem os idosos às consultas?

De facto, a negligência e abandono, definidos como o ato de omissão de auxílio do responsável pela pessoa idosa em providenciar as necessidades básicas necessárias à sua sobrevivência, continuam como uma área cinzenta em que ainda pouco se atuou.

É essencial a sensibilização, formação e capacitação dos adultos de hoje (também eles idosos de amanhã) para cuidar dos mais velhos e dependentes. O cuidar dos idosos deverá tornar-se, à semelhança do que acontece em outros países, uma obrigação moral e cultural entre gerações. É fulcral a criação do “estatuto de cuidador” e de suportes sociais e económicos para que os “séniores” se mantenham o melhor possível no seu ambiente habitual. É imprescindível o reconhecimento do idadismo como forma de discriminação, por via legislativa. De facto, na minha opinião faz todo o sentido a polémica da criminalização do abandono de idosos nos hospitais e unidades de saúde ou a criminalização da rejeição ou do condicionamento da entrada de um idoso numa instituição de acolhimento quando ele se recusar a doar o seu património ou a pagar valores superiores à mensalidade estipulada.

Uma sociedade evoluída é aquela que sabe promover um envelhecimento ativo e garantir a qualidade de vida dos mais idosos e/ou dependentes e é imperioso começar a caminhar nesta direção!

Bibliografia: