Autor: Lígia Costa Rocha, Médica interna do 4º ano de de MGF na UCSP B Centro de Saúde Chaves nº1
Quantas e quantas vezes, nós, médicos, vemos o nosso consultório invadido por estas duas onomatopeias, ruidosas, perturbadoras e frequentemente simultâneas?
A consulta médica sagra-se pelo compromisso estabelecido entre médico e doente, num período de tempo e local fechado. O sigilo médico vê-se hoje comprometido, quando, no decurso de uma consulta médica, somos sistematicamente interrompidos por múltiplos e diversos fatores, como os colegas que querem esclarecer dúvidas ou partilhar algum tipo de informação, o telefone que toca ou outro utente que bate à porta.
Todos nós, médicos, celebramos o juramento de Hipócrates: “sobre aquilo que vir e ouvir respeitante à vida dos doentes, no exercício da minha profissão ou fora dela, e que não convenha que seja divulgado, guardarei silêncio como um segredo religioso”. Todavia, este princípio fica comprometido quando se estabelecem contactos telefónicos para discutir problemas de doentes, quando nos batem à porta do consultório para resolver assuntos administrativos, ou mesmo para esclarecimento de dúvidas de outros colegas. Para além de nos suspenderem a anamnese, o exame objetivo ou mesmo a discussão terapêutica, obriga sobejas vezes à nomeação de indivíduos, sejam eles doentes ou não, expondo a vida privada de outrem a quem estiver a ouvir.
Será uma solução para este problema eliminar o telefone dos consultórios médicos?
Então e a porta? De carácter elementar num consultório médico, é por ela que entram os nossos doentes e, depois de fechada, inicia-se todo um ciclo denominado “consulta médica”. Esta tem vários passos que devem ser cumpridos para que se garanta a sua qualidade. Contudo, o “Noc… Noc” insistente e incessante é capaz de eriçar-nos os pelos de raiva! E quando estamos a meio de um toque retal ou de uma palpação mamária e nos apercebemos que não trancamos a dita-cuja, tarde de mais, pois o invasor não esperou pela autorização de entrada, abriu a porta de rompante e nos apanhou desprevenidos, a nós e ao doente, este, literalmente, com as calças em baixo?
Para além de médicos que precisam de tirar dúvidas, de resolver problemas administrativos e que atendem doentes, também nós somos humanos que padecem das mesmas fragilidades dos nossos utentes que veem a sua privacidade invadida e a nossa atenção desviada.
Presentemente, é cada vez mais premente pensar-se sobre a estratégia que disciplinará os fatores exteriores ao gabinete médico para que as etapas da consulta não fiquem comprometidas, garantindo a objetividade do diagnóstico e a compreensão do plano terapêutico.