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Trabalho de equipa e comunicação: armas em tempo de guerra

Autores: Ana Sara Ferreira, Diana Ferreira, Francisco Santos Coelho – Internos de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar, USF Valongo

 

A 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu o primeiro alerta sobre uma pneumonia de origem desconhecida que atingia a província chinesa de Wuhan. Esta doença, provocada pelo inicialmente apelidado de “novo coronavírus” (SARS-CoV-2) e designada oficialmente como COVID-19 a 11 de fevereiro de 2020, atingiu já milhões de pessoas em todo o mundo, com inúmeros doentes a necessitar de internamento em Unidades de Cuidados Intensivos, sistemas de saúde perto do colapso, profissionais de saúde em burnout e milhares de mortes.

A 11 de março, a pandemia foi oficialmente declarada pela OMS e vários países foram obrigados a adotar medidas excecionais. Uns dias antes, a 2 de março, Portugal anunciava o seu primeiro caso de infeção COVID-19, ou seja, tinha sido também atingido por esta “guerra contra um inimigo invisível”, tendo sido, inclusive, declarado mais tarde o Estado de Emergência no país. E, com isto, tudo mudou. O “antigo normal”, como agora lhe chamamos, deixou num ápice de o ser: o dia-a-dia da população alterou-se quase por completo e obrigou a uma reorganização rápida e profunda de vários serviços, onde a Saúde foi inevitavelmente incluída.

Trabalhar em equipa é, para a generalidade dos profissionais de saúde, uma das bases fundamentais do seu exercício. A “equipa” – enquanto palavra e facto concreto – tem uma força imensa. Aliás, a própria OMS afirma que, no âmbito das profissões relacionadas com a Saúde, dever-se-ia dar igual importância às competências relacionais como às competências técnicas e cognitivas. E a prática diária é perentória ao mostrar-nos isso mesmo: atualmente, é praticamente impossível que os profissionais de saúde trabalhem isoladamente, sobretudo atendendo à cada vez maior complexidade das expectativas e desafios que os utentes nos colocam, ao desenvolvimento tecnológico que se impõe no trabalho e ao volume de informação científica e não científica crescentes a cada dia.

Diz o ditado que “em tempo de guerra não se limpam armas”, no entanto, estes novos “tempos de guerra” têm-nos ensinado que, afinal, há “armas” que devem ser polidas, trabalhadas e manejadas com arte. Essa linha da frente de que todos falam precisa sim de ir limpando as suas armas. E o trabalho em equipa é uma delas – talvez das mais importantes. Com a COVID-19, tem ganhado cada vez mais corpo a ideia de que “a união faz a força” e de que é fundamental que, na Saúde como em qualquer área, sejamos todos por todos.

O trabalho em equipa pode ser definido como “a atividade sincronizada e coordenada de diversos profissionais, de categorias diferentes, em prol de um objetivo comum, sendo que o trabalho desenvolvido por cada trabalhador isoladamente é diferente daquele que é realizado quando em grupo.” O trabalho em equipa pode ser condicionado por diversos pressupostos que vão desde a partilha de objetivos comuns, tendo cada membro da equipa noção da missão da mesma, até à compreensão e aceitação dos papéis e funções de cada um, passando pela existência de recursos humanos e materiais suficientes, bem como pela cooperação ativa e confiança mútua, na qual os profissionais se exprimem livremente e sem receios, e ainda por uma liderança que deve ser adequada e eficaz, com uma rede de comunicação circular, aberta e multidirecional. E é em um ou vários destes pressupostos que as equipas por vezes se perdem. Em tempos de profunda mudança como os que vivemos, talvez se destaque a tal rede de comunicação e as competências com que ela se gere. Se já reconhecíamos fundamental importância ao “saber comunicar” na construção da relação profissional-doente, a pandemia veio clarificar que tal é igualmente importante para o saber ser, saber estar e saber trabalhar em equipa.

Em contexto de equipa, vive-se o desafio de lidar com várias pessoas e surge a necessidade não só de que nos oiçam, mas também de sabermos ouvir. É fundamental fomentar a partilha de ideias e de visões relativas aos objetivos comuns, procurando o equilíbrio, a representatividade e a equidade sempre que possível. Comunicar em grupo é, também, saber gerir emoções – sim, porque esta “linha da frente” não se faz de máquinas robotizadas imunes à vida que acontece em volta – e esse é um dos maiores desafios que nos levantam os novos tempos, mas que, a bem da verdade, existem em todos os tempos de todas as equipas. Saber comunicar vai para além do falar e do ouvir; é olhar e ver também; é ler nas entrelinhas; é antever para projetar. Em equipa, a comunicação quer-se clara e objetiva, simples e forte, produtora de uma mensagem entendível por todos e pouco ou nada sujeita a interpretações e espaços por preencher.

A comunicação em equipa acarreta, por um lado, várias opiniões para confrontar e, por outro, diferentes experiências e conhecimentos dos quais usufruir. A agitação do dia-a-dia pode influenciar negativamente esta tarefa, na medida em que retira tempo para delinear estratégias conjuntas e aprofundar os diálogos, podendo comprometer o potencial do grupo e o seu bom funcionamento. No contexto da Saúde, cabe-nos a nós, profissionais da área, combater, sempre que possível, esta tendência: devemos estar conscientes do nosso papel e da importância da nossa contribuição para o “bem comum”. Devemos tentar ser mediadores de conflitos e, sobretudo em situações de crise como esta que vivemos, não deixar que o stress e as frustrações que se vão somando nos impeçam de continuar a trabalhar de forma motivada, quer individualmente, quer em equipa e nos desviem dos objetivos traçados, inclusive os comuns a todo o grupo.

Trabalhar em equipa é, portanto, nos dias que correm, uma exigência e um desafio ainda maiores para todos os profissionais de saúde. Se é certo que esta é uma “arma” que carrega largos benefícios para os utentes, para os profissionais e para o próprio sistema de saúde, mais certas ainda são a sua necessidade e utilidade nestes “tempos de guerra”, onde se torna imperativo fazer muito com o menos possível, ser eficiente e bem sucedido. A coesão da equipa de trabalho deve ser elevada e deve permanecer elevada agora que tal nos é ainda mais exigido. É importante que cada profissional sinta que pertence ao grupo, que contribui para a sua coesão e que tem uma voz ativa, tal como é fundamental que o grupo sinta que é pertença partilhada e equitativa e que dessa forma é um exército pronto a combater qualquer inimigo.

 

Bibliografia:

  1. GRAÇA, Luís. Trabalho em equipa uma nova lógica da organização do trabalho e de participação da gestão. Revista Portuguesa de Saúde Pública. Lisboa. Vol. 10, nº1 (Jan./Mar. 1992), p. 5-18.
  2. Santos, Margarida et al. Comunicação em saúde e a segurança do doente: problemas e desafios. Revista Portuguesa de Saúde Pública. Lisboa. Vol. 10. Novembro 2010, p. 47-57.
  3. Principles for effective communications. Disponível em: https://www.who.int/about/communications/principles
  4. Being an effective team player. Disponível em: https://www.who.int/patientsafety/education/curriculum/who_mc_topic-4.pdf