Autores:
Elsa Cristina Oliveira Rodrigues, médica interna de Formação Especifica em Medicina Geral e Familiar na USF Maxisaúde (ACES Braga)
Paulo Reis-Pina, MD, MSc, PhD; Casa de Saúde da Idanha (Sintra) Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
A Organização Mundial da Saúde define “Cuidado Paliativo” como a abordagem que promove a qualidade de vida dos doentes e familiares que enfrentam problemas associados a doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, tendo por base a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual.1
Os Cuidados Paliativos (CP) visam, acima de tudo, alcançar a melhor qualidade de vida possível para o doente e sua família, sem retardar ou apressar a morte, devendo esta ser respeitada, uma vez que é elemento constitutivo do processo natural da vida. 2
Ao doente de CP pode ser proporcionada qualidade de vida através de pequenas e simples ações, como por exemplo, prestar a higiene básica, dispensar a atenção adequada, oferecer infraestruturas confortáveis e ainda adequar a alimentação, de acordo com as suas necessidades e vontades.
Este artigo pretende refletir sobre o desafio de um adequado suporte nutricional (SN) e hídrico num doente nos CP. O desafio de um SN adequado, não se prende apenas pelas dificuldades inerentes à doença em si, como também por toda a envolvência biopsicossocial deste assunto.
Ao abordar-se o tema SN em CP torna-se, em primeiro lugar, necessário explorar e compreender o significado que a alimentação adquire neste contexto para o doente e sua família. A alimentação desempenha um papel central na vida do doente pois é detentora de uma função fisiológica e psicológica assente num significado emocional e simbólico que inclui valores culturais, sociais, religiosos e espirituais. 3
Devido à evolução da doença de base, os doentes confrontam-se com inúmeras perdas ao nível da alimentação. Essas perdas, poderão ir desde a incapacidade de sentir o sabor, deglutir, digerir os alimentos e absorver nutrientes de forma adequada até à perda da capacidade do doente se auto-alimentar e de utilizar a via oral. Eventualmente, todas estas alterações poderão transformar as refeições num momento desconfortável e levar o doente à depressão, ao isolamento social, à perda de confiança e da auto-estima, à recusa alimentar e consequentemente à perda de peso e desnutrição. 4
No que diz respeito à família, a importância da alimentação aumenta à medida que a doença progride. A recusa alimentar pode ser entendida como o aproximar da morte ou o desejo do doente precipitar a sua própria morte. Assim, numa tentativa de reverter essa situação, a alimentação poderá ser forçada, causando conflitos e desconforto no seio familiar. É também importante referir que nos casos em que se torna necessário proceder à suspensão da alimentação, a família poderá considerar que isso significa o abandono e o precipitar da morte do doente.3
O primeiro objetivo do SN em CP é aumentar a qualidade de vida do doente, minimizando os sintomas relacionados à desnutrição e adiar a perda de autonomia, tendo sempre em conta as consequências psicológicas e sociais resultantes dos problemas associados à alimentação. Existem grandes controvérsias sobre a melhor abordagem nas terapias de SN, uma vez que o objetivo fundamental é a promoção do conforto e não apenas a garantia da ingestão adequada de nutrientes, não sendo recomendável o recurso a intervenções nutricionais invasivas desnecessárias, como a introdução de nutrição entérica (NE) ou nutrição parentérica (NP). Sempre que possível, a dieta por via oral (VO) é preferencial, desde que o trânsito gastrointestinal esteja íntegro, o doente apresente condições clínicas para realizá-la e assim o deseje. O uso da VO pode ser realizada em conjunto com a NE e NP. A relação custo/ benefício é prioritária, e a NE é sempre preferencial em relação à NP, desde que haja funcionalidade do trato gastrointestinal.5
A NP possui poucas aplicações em doentes com doença avançada, e as suas complicações não são desprezíveis: hiperglicemia, risco de infeção de cateteres e elevado custo financeiro. Por não haver evidências científicas para a decisão de alimentar e por existir influência cultural importante no que tange à alimentação, a decisão de nutrir até à morte deverá ser multiprofissional e ter o consentimento da família se o doente não apresentar condições para decidir. Caso o doente opte por não receber nutrição, a sua decisão deve ser respeitada e acatada pelos profissionais da saúde e seus familiares, pois acima de qualquer evidência científica está a autonomia do doente, assim como os princípios de não maleficência e beneficência. 6
Tal como a nutrição, a hidratação também apresenta particularidades nestes doentes. Sintomas como sede e fome geralmente não ocorrem na fase terminal; os doentes podem aceitar apenas líquidos e por fim recusar tudo.6 Contudo, sempre que possível a hidratação deve ser feita por VO e caso os doentes manifestem em fase terminal sintomas relacionados à desidratação, pode ser ponderado o uso da hidratação subcutânea pode oferecer alívio com o mínimo de desconforto. Por outro lado, a terapia de hidratação intravenosa pode levar ao aumento dos fluidos nos diferentes sistemas de órgãos, causando desconforto agudo no doente terminal e um stresse emocional nos familiares que e acompanham esse processo. 3
Pelo exposto, compreende-se que fornecer SN e hídrico ao doente em CP implica uma abordagem diferente daquela praticada noutros níveis de cuidados, e nós, profissionais de saúde, devemos ser conhecedores das necessidades e das particularidades que o doente de CP exige. Devemos estar aptos a ouvir, abordar e discutir com o doente e a sua família esta temática de grande impacto nas suas vidas; priorizar sempre o conforto do doente e garantir a troca de afeto, seja ela através de pequenas porções de alimento, do toque, de uma palavra amiga ou de um silêncio acolhedor.
Conflitos de interesse: Os autores declaram a ausência de conflitos de interesses e de financiamentos do estudo.
Referências Bibliográficas:
1- World Health Organization. National cancer control programmes: policies and managerial guidelines. 2nd ed. Genebra. 2002.
2- World Health Organization. WHO definitions of palliative care. 2015. Acesso em 24 de junho de 2020. Disponível em: < http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en.
3- Pinho-Reis, Cíntia. (2012). Suporte Nutricional em Cuidados Paliativos. Revista Nutrícias, (15), 24-27. Recuperado em 14 de julho de 2020, de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2182-72302012000400006&lng=pt&tlng=pt.
4-Da Silva DA, Santos EA, Oliveira JR. Atuação do Nutricionista na melhora da qualidade de vida de idosos com câncer em cuidados paliativos. Mundo da Saúde, São Paulo
5- Silva PB, Lopes M, Trindade LC, Yamanouchi CN. Controle dos sintomas e intervenção nutricional. Fatores que interferem na qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos. Rev Dor. 2010;11(4):282-8.
6- REIRIZ, A. B.; MOTTER, C.; BUFFON, V. R.; SCATOLA, R. P.; FAY, A. S.; MANZINI, M. Nutrição em paciente terminal. Rev Soc Bra Clin Med 2008; 6(4): 150-155.