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SNS aos 40 – “O grande desafio do SNS é manter-se atrativo para as novas gerações”

A conferência “SNS aos 40 – Os médicos na construção do serviço público de saúde” levou, no dia 20 de setembro, à Ordem dos Médicos, em Lisboa, centenas de pessoas para assistir às mesas, conferências e debates de mais de uma dezena de ilustres oradores.

A iniciativa serviu como celebração do 40º aniversário do Serviço Nacional de Saúde, um serviço que se desenvolveu e se mantém hoje “devido à resiliência, ao trabalho e à dedicação de várias gerações de médicos e outros profissionais de saúde que fizeram e fazem todos os dias o SNS, construindo serviços, ensinando milhares de jovens e salvando milhões de portugueses, restituindo-lhes a saúde”, afirmou o bastonário da Ordem dos Médicos.

 

Sessão de abertura

Conferência SNS aos 40 – (Abertura) Miguel Guimarães e Raquel Duarte

O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e a secretária de Estado da Saúde, Raquel Duarte, abriram a conferência "SNS aos 40 – Os médicos na construção do serviço público de saúde".

Publicado por Ordem dos Médicos em Terça-feira, 24 de setembro de 2019

 

Foi Miguel Guimarães que abriu a conferência, deixando o reconhecimento da Ordem dos Médicos para todos os médicos que ajudaram a construir o SNS. “Um trabalho com muitas protagonistas e com muitas histórias que valem a pena recordar”, disse. Ainda na sessão de abertura Raquel Duarte, Secretária de Estado da Saúde, admitiu sentir-se “em casa” e enalteceu o contributo dos médicos na construção dos centros de saúde, edificação das Carreiras Médicas, “dois pilares que ajudaram a sustentar todo o SNS que vive do trabalho de equipa e também nele se valoriza”. Raquel Duarte lembrou que será essencial para o futuro humanizar ainda mais a Medicina e valorizar a “relação médico-doente que a Ordem tanto tem discutido”. “É nessa relação de confiança que a nossa atividade se centra (…) muito obrigado por aquilo que fazem, conto convosco”, concluiu.

 

Desafios futuros para o SNS

Conferência SNS aos 40 – (Desafios futuros para o SNS) Nadim Habib

O professor da NOVA School of Business and Economics, Nadim Habib, foi o keynote speaker da mesa "Desafios futuros para o SNS" onde considerou que falta uma estratégia para o Serviço Nacional de Saúde. "Não há estratégias, há objetivos", defendeu. O presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço, presidiu a mesa composta por Filipe Froes, Graça Freitas e Pedro Pita Barros.

Publicado por Ordem dos Médicos em Quarta-feira, 25 de setembro de 2019

 

O professor da NOVA School of Business and Economics, Nadim Habib, foi o keynote speaker da mesa “Desafios futuros para o SNS” onde considerou que falta uma estratégia para o Serviço Nacional de Saúde. “Não há estratégias, há objetivos”, esclareceu. Nadim Habib lamentou que o sistema funcione à custa do esforço dos profissionais de saúde que “não são recompensados como deve ser” e que leva a que “muitos médicos não queiram que os seus filhos sigam a sua profissão”. O presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço, presidiu a mesa e privilegiou “a mudança de cultura do sistema” como uma das principais prioridades.

No painel de comentário, Graça Freitas, Diretora-Geral da Saúde, mostrou-se preocupada com “a crise do reconhecimento do SNS” fora dos dias de celebração porque oculta a grande evolução sentida nestes 40 anos de história. No entanto, a Diretora-Geral da Saúde concorda com Nadim Habib no que diz respeito à falta de um diagnóstico “que não seja circular e feito apenas entre nós”, mas que envolva “outros atores” e um debate alargado. Mais do que os números e do que as quantidades, considerou, é necessário entender “as causas” e “as consequências” do que se passa.

Filipe Froes, pneumologista, intensivista e cofundador do movimento #SNSinBlack, critica as vozes que se levantam para dizer que “o SNS está melhor porque dá mais consultas”. “Fui contar as consultas que fiz este ano e no período homólogo do ano passado e chego à conclusão que sou pior médico porque fiz menos consultas, isto faz algum sentido?”, questionou antes de afirmar que “esta métrica não tem qualquer significado”.

O economista Pedro Pita Barros sugeriu uma forma de diagnóstico das necessidades do SNS diferente do habitual, desta vez baseado em “ouvir realmente aquilo que as pessoas querem” para que seja possível dar resposta. Para o economista, é importante definir não só objetivos, mas também prioridades porque não é possível fazer e querer tudo ao mesmo tempo.

 

40 anos e agora?

 

Conferência SNS aos 40 – (40 anos e agora?) Miguel Guimarães

Miguel Guimarães refletiu sobre a história e o futuro do Serviço Nacional de Saúde, assumindo que o grande desafio do SNS é "manter-se atrativo para as novas gerações". O bastonário da Ordem dos Médicos aproveitou para mostrar o seu descontentamento com uma Lei de Bases da Saúde que desvalorizou a ciência ao colocar as terapêuticas sem evidência cientifica ao mesmo nível de médicos, enfermeiros, farmacêuticos, engenheiros, físicos e outros profissionais ligados à investigação. No final da sua intervenção houve tempo para anunciar que será criado um grupo de trabalho independente no seio da Ordem dos Médicos para repensar e refazer o Relatório sobre as Carreiras Médicas, orientando-o para o futuro. Jorge Penedo, vice-presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, presidiu e introduziu esta mesa.

Publicado por Ordem dos Médicos em Quinta-feira, 26 de setembro de 2019

 

 

Miguel Guimarães regressou ao palco para refletir sobre a história e o futuro do Serviço Nacional de Saúde, assumindo que o grande desafio do SNS é “manter-se atrativo para as novas gerações”. De acordo com o bastonário da Ordem dos Médicos, “é preciso fazer alguma coisa para que os médicos fiquem cá e no SNS. Temos uma nova vaga de médicos que é mais exigente em termos de condições de trabalho e mais recetiva a procurar alternativas que satisfaçam as suas necessidades”.

O anfitrião desta conferência mostrou o seu descontentamento com uma Lei de Bases da Saúde que desvalorizou a ciência ao colocar as terapêuticas sem evidência cientifica ao mesmo nível de médicos, enfermeiros, farmacêuticos, engenheiros, físicos e outros profissionais ligados à investigação. Descontentamento esse que foi corroborado por uma forte salva de palmas do auditório.

No final da sua intervenção, Miguel Guimarães anunciou que será criado um grupo de trabalho independente no seio da Ordem dos Médicos para repensar e refazer o Relatório sobre as Carreiras Médicas, orientando-o para o futuro. Recorde-se que o primeiro Relatório das Carreiras Médicas, datado de 1961, definiu várias medidas que permitiram uma reconstrução do sistema de saúde.

Jorge Penedo, vice-presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, presidiu e introduziu esta mesa com uma mensagem de esperança no futuro, sustentada com o trabalho dos médicos e da sua Ordem.

 

Serviço Médico à Periferia, um contributo para a história

João de Deus presidiu a mesa que contaria com o contributo da historiadora Raquel Varela para apontar o contexto e a importância do Serviço Médico Médico à Periferia na construção do SNS.

“Os médicos mudaram-se a si próprios mudando o país, mudaram a população e mudaram a saúde  (…)”, afirmou Raquel Varela, autora do livro “História do Serviço Médico à Periferia” que sairá muito em breve e que a levou a reunir vários testemunhos de médicos que trabalharam um pouco por todo o país nessa fase.

Na sua intervenção a autora partilhou alguns desses testemunhos. “Sentíamos que estávamos a transformar a realidade”; “Ajudou-me a perceber o que significa humanizar os cuidados de saúde”; “O quanto aprendi, sem tutores no Serviço Médico à Periferia”.

 

Internato e Carreiras Médicas: a massa crítica do serviço público

O presidente desta mesa e presidente da Secção Regional do Norte, António Araújo, começou por constatar que o SNS é “apenas” o “12º melhor sistema de saúde do mundo”. Para o dirigente isso mostra que “há muito caminho por onde melhorar”. “Uma das coisas que contribuiu muito para realmente melhorarmos o nosso SNS tem sido a formação médica”, algo a que Ordem dos Médicos tem dado particular atenção. “Outra das coisas que levou a um Serviço Nacional de Saúde robusto foram as Carreiras Médicas”, sublinhou, apresentando de seguida o keynote speaker nesta mesa, Ricardo Mexia.

O presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, ciente do desafio que é falar de carreiras e de internato médico, começou por contextualizar que “os recursos humanos são, sem dúvida, o maior ativo do SNS” (…) “foram os profissionais que construíram o SNS”. No que diz respeito ao internato, o conferencista salientou que se trata de “um período de diferenciação pós-graduada”, “fortemente enquadrado pelas Carreiras” e com “programas internacionalmente conhecidos”. Já na Carreira Médica, Ricardo Mexia afirmou que esta “pressupõe uma especialização” e “uma diferenciação progressiva ao longo da carreira”. Por fim, após a exposição académica, surgiu a pergunta: “o que será o SNS aos 80?”. Ricardo Mexia acredita que, no futuro, o SNS não tem de dar o que as pessoas querem, mas sim o que elas precisam.

O painel de comentário contou com o contributo de Isabel Santos, presidente do Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar, que falou à audiência sobre “desenvolvimento profissional contínuo” e sobre “os concursos” que, na sua opinião, têm alguma ambivalência, quer pela sua burocracia, quer pelas próprias regras.

Catarina Reis Carvalho, médica interna de Ginecologia e Obstetrícia, chamou à atenção para o facto dos internos – principalmente das especialidades cirúrgicas – fazerem “cada vez menos procedimentos”. Finalmente, Mário Jorge Neves, especialista de Saúde Pública e dirigente sindical, enriqueceu o debate com uma breve história da génese do Relatório Sobre as Carreiras Médicas.

 

O papel do médico na gestão do SNS

Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde, analisou o contributo dos médicos na construção do SNS e o papel do médico na gestão do próprio serviço. No seu discurso, deixou claro que “os médicos foram e serão por razão da sua formação, especialização e da sua capacidade de estarem inseridos na sociedade, a razão da mudança” num SNS que, na sua opinião, tem evoluído vertiginosamente ao longo dos anos.

O ex-governante tem esperança que “a medicina do futuro seja uma medicina moderna, elegante e que faz justiça ao pensamento de João Lobo Antunes”.

 

Ser médico: testemunhos das quatro gerações do SNS

A última mesa foi presidida pelo presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, e teve como objetivo conhecer testemunhos de várias gerações de médicos, em diferentes fases da carreira.

Roberto Dória, especialista de Medicina Geral e Familiar no Centro de Saúde de S. Vicente (Ilha da Madeira), falou do contexto específico dos serviços de saúde na Madeira, onde trabalha e vive. Nomeadamente a evolução que se viveu na ilha nos últimos 30 anos, com problemas de envelhecimento da população, debilidade de acessos e muita emigração jovem. Apesar disso, na apresentação de Roberto Dória, foi possível presenciar um trabalho de superação das dificuldades, construindo uma saúde mais próxima das populações.

Maria do Céu Machado, pediatra com um currículo extenso, diferenciado e altamente reconhecido, recordou “a vontade de se fazer algo mais pela saúde em Portugal”, nos anos posteriores à conquista da liberdade, e que levou a que os médicos saíssem das grandes cidades para prestar cuidados a populações que “nem estavam habituadas a serem observadas”. “Uma vez um rapaz que se queixava de tosse e febre ficou aterrorizado a olhar para mim quando eu lhe disse para tirar a camisa para o auscultar e disse-me que ia para casa tomar um banho e que voltava no dia seguinte com uma camisa lavada”, contou. “Isto era a saúde que nós tínhamos em Portugal (…) e que com a criação do Serviço Nacional de Saúde (…) tudo se modificou”.

Belmiro Parada, urologista, admitiu que a sua geração poderá ter começado a atividade numa conjetura “facilitada” em que o SNS já estava totalmente criado e, por outro lado, “não sofríamos as dificuldades que muitos jovens sofrem hoje em dia, nomeadamente no acesso à formação”, disse. A (falta de) acessibilidade foi um dos principais problemas apontados pelo orador, que considera que os médicos não se podem limitar a apontar os problemas, mas “têm de fazer parte da solução”.

Para terminar a mesa, a jovem médica e ex-presidente da Associação Nacional dos Estudantes de Medicina, Ana Rita Ramalho, trouxe ao comentário uma visão mais jovem. “Comecem a ouvir os jovens médicos, perguntem-nos qual é a nossa motivação e perguntem-nos porque todos os dias nos levantamos para trabalhar no SNS e gostarmos do que fazemos”, desafiou. Para Ana Rita Ramalho “pior do que eu sentir que digo ‘não posso fazer nada, é o sistema’, é eu trazer uma ideia a alguém que tenha o poder para a executar e essa pessoa dizer ‘tu não podes fazer nada, é o sistema”. Definindo-se como uma “otimista por esclarecer”, a oradora lançou o repto final “aproveitem os jovens médicos, mas por favor não abusem de nós”.