Autor: Victor Ramos
| Médico de família e orientador de formação no internato MGF (USF S. João do Estoril – AceS de Cascais); Professor auxiliar convidado da ENSP/UNL.
| Notas a propósito da obra: “Competências Clínicas Práticas e Preparação para OSCE”, coordenada por Luís Castelo-Branco (Lisboa: LIDEL, 2016).
| O livro “Competências Clínicas Práticas e Preparação para OSCE” coordenado por Luís Castelo-Branco projeta sinais de esperança e de transformação que transcendem o próprio livro.
Evidentemente que a substância e importância imediatas desta obra decorrem de ser a primeira em língua portuguesa que ilustra e divulga, em 21 capítulos orientados para a prática clínica, como é que os estudantes de medicina ou os médicos internos, em formação pós-graduada, podem estruturar o seu treino clínico e aprendizagem prática. Inspira-se no método OSCE (“Objective Structured Clinical Examination”) – método de avaliação de competências ou habilidades clínicas práticas estruturada por objetivos específicos precisos.
O OSCE é um método de avaliação muito divulgado e amplamente utilizado nos países de cultura médica “anglo-saxónica”. Esta obra está estruturada para o treino sistematizado de competências práticas, avaliável através do OSCE. Tem valor didático elevado e, a meu ver, pode inspirar desenvolvimentos metodológicos na educação médica pré e pós-graduada nos países de língua portuguesa.
Mas, para além do seu elevado valor intrínseco do conteúdo e da forma, este livro tem outros méritos, talvez menos patentes à primeira vista, mas não menos importantes. Partilho algumas notas que sistematizei em cinco aspetos:
- Particularidades inovadoras na autoria e modo de produção
O livro começou a ser produzido por 47 estudantes de medicina da Universidade do Algarve, com a coordenação e o impulso de um deles, o agora Dr. Luís Castelo-Branco. Paralelamente, mobilizou o apoio, na orientação da produção dos textos ou na sua revisão, cerca de 50 médicos, muitos dos quais académicos. No total, envolveu o contributo de cerca de 100 colaboradores.
Estou certo que a participação nesta obra foi para estes estudantes uma poderosa e inesquecível experiência de aprendizagem ativa, que os marcará ao longo das suas vidas profissionais e, também, pessoais. Ocorrem-me, a propósito, aforismos que aconselham de formas diversas a que “cada um saiba ser mestre e discípulo de si próprio, mestre e discípulo de seus colegas, mestre e discípulo de seus doentes”.
Atualmente, os autores são todos médicos e estão na sua quase totalidade a realizar internatos de uma grande diversidade de especialidades (medicina geral e familiar, medicina interna, saúde pública, obstetrícia-ginecologia, oncologia médica, psiquiatria, neurologia, neurorradiologia, endocrinologia, gastroenterologia, hematologia, infecciologia, ortopedia, imuno-hemoterapia, medicina física e de reabilitação, ORL, oftalmologia, anestesia). Curiosamente, um terço dos autores (16 em 47) escolheu especializar-se em medicina geral e familiar o que, pessoalmente, me toca de um modo especial.
- Liderança inspiradora do coordenador do projeto
Diversos testemunhos, juntos com a obra que podemos usufruir, ilustram bem as capacidades de visão prospetiva, persistência, determinação, liderança inspiradora, inclusiva e mobilizadora do Dr. Luís Castelo-Branco. Estilo que supera o tradicional protagonismo individual, criando dinâmicas de envolvimento coletivo e cooperativo e abrindo novos caminhos de desenvolvimento para a educação e profissão médicas.
- Enfoque no que é essencial e prático
A harmonização por princípios orientadores, estrutura e conteúdo conseguida ao longo dos 21 capítulos do livro evidenciam existir uma “alma” e um fio condutor que conferem unidade a esta obra coletiva. Uma característica marcante é a preocupação de concisão e de seletividade quanto ao que é mais essencial em cada competência abordada. À exaustividade são preferidos o pragmatismo, a relevância clínica e a simplicidade prática – preferências que contribuirão para a qualidade técnica e humana das novas gerações de médicos. Existe sempre um enfoque claro na relação, no respeito, na segurança e na comunicação médico-doente subjacentes em todos os gestos e práticas alvo de treino. Inclui também algo de extrema atualidade face a ingerências burocráticas, indicando os tempos estimados de execução de diversas atividades e gestos clínicos.
- Potencial utilidade no universo médico de língua portuguesa
Sendo uma obra em português que divulga os princípios e o modo de executar um OSCE e que ilustra concisamente como treinar de modo sistematizado mais de 160 competências clínicas práticas, pode vir a ser muito útil para estudantes e jovens médicos nos países de língua portuguesa.
- Desafios que projeta
Considero que os obreiros deste livro nos presentearam com um bom ponto de partida para um modelo de treino e aprendizagem estruturado pela aquisição sistematizada de competências clínicas, o qual pode ser apoiado pelo método OSCE na respetiva componente avaliativa. Ficam desafios a todas as escolas médicas e, também, às direções dos Colégios de Especialidade da Ordem dos Médicos. Este livro ilustra como podem ser desenvolvidas, numa primeira etapa, experiências de treino estruturado de competências clínicas com avaliação formativa por OSCE. Numa etapa seguinte, seria interessante adoptar o método como uma componente das avaliações sumativas intercalares e finais nos internatos médicos. Fica a sugestão para que os Colégios de Especialidade ativem núcleos técnicos, envolvendo os seus especialistas com experiência e vocação didática, e desenvolvam metodologia de apoio à educação médica pós-graduada nos respetivos internatos e contínua de todos os seus inscritos. O labor dos ex-estudantes de medicina da Universidade do Algarve que deram corpo a este livro, é um exemplo e base de trabalho inspiradores.
Sugestão
Um dos pontos menos fortes da obra, plenamente compreensível, é o incipiente desenvolvimento da “Adaptação a contexto OSCE” com respetivos exemplos, que só surgem em subcapítulos iniciais. É certo que o livro é primariamente destinado a estudantes de medicina e a médicos em formação mas, numa próxima edição, seria útil tanto para estes destinatários como para docentes universitários, orientadores de formação de internos de diversas especialidades e peritos em métodos avaliativos que cada subcapítulo incluísse no final alguma orientação e ilustração de como pode decorrer uma estação OSCE para a competência em apreço.
São João do Estoril, julho de 2017