Realizou-se no dia 29 de Março de 2014 na Sociedade de Geografia de Lisboa o debate cívico Colina de Santana – existem alternativas, organizado pelo Núcleo de História da Medicina da Ordem dos Médicos, ICOMOS Portugal, ICOM Portugal e pela Secção de História da Medicina da Sociedade de Geografia de Lisboa.
As intervenções de José Aguiar, do ICOMOS Portugal e da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, Maria João Torres, do ICOMOS Portugal, Maria Ramalho, do ICOMOS Portugal e Vítor Serrão, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Coordenador do Instituto de História de Arte, podem ser consultadas em www.icomos.pt
Vítor Freire – INTERVENÇÃO NO DEBATE CÍVICO
Felicitamos as entidades organizadoras deste evento, e agradecemos o convite.
Gostaria de assinalar estarmos reunidos na mesma belíssima sala da Sociedade de Geografia, onde se realizaram em 1906 as sessões plenáriasdo do XV Congresso Internacional de Medicina, um grande acontecimento ciêntífico, cujo principal organizador foi o Prof. Miguel Bombarda.
Apesar de algumas vitórias alcançadas, o património da Colina de Santana e dos seus Hospitais continua em risco.
As recomendações da Assembleia Municipal, embora em vários aspectos positivas, só conseguiram suspender os Projetos de Loteamento, que aguardam talvez melhor oportunidade.
O Hospital Miguel Bombarda será o de maior risco, dos hospitais da Colina. Não integrou o Centro Hospitalar Central, está encerrado há três anos, e integra imóveis de enorme valor com proposta de Classificação ainda pendente.
Chamamos à atenção, que desde há uns meses, o recinto do Hospital apresenta aspecto desolador, com sujidade e desalinho no Balneário, arruamentos e espaços verdes.
Primeira instituição psiquiátrica do país, fundada em 1848, o Hospital Miguel Bombarda é um testemunho único da História da Psiquiatria e da Assistência aos Doentes Mentais, reflectindo todas as suas fases evolutivas, em termos de tendências e de inovações médico-científicas, culturais e sociais.
Essa evolução é documentada por um arquivo integral e multifacetado desde 1848, com dezenas de milhar de processos, clínicos, administrativos e forenses, por doente, de correspondência, de pessoal, mais de 5000 fotografias, 1100 das quais de doentes, desde o século XIX, etc, e por um precioso acervo de arte de doentes, de todas as décadas do século XX, com mais de 5000 exemplares, ambos sem paralelo em Portugal e de importância europeia.
O Hospital forma um extraordinário Conjunto Patrimonial, de imóveis de diversificadas tipologias e de excepcional valor arquitectónico e histórico, ímpar no país, e até a nível mundial, organicamente complementares, a maioria construídos de raiz, funcionalmente inovadores para a época, segundo filosofias assistenciais específicas e avançadas, além de representar a memória da quinta, do convento e do hospital, no centro de Lisboa.
O Hospital Miguel Bombarda é um património único da cultura portuguesa e muito raro a nível internacional, íntegro nas suas diversas componentes: histórica, arquitectónica, arquivística e de arte de doentes.
Somente o Balneário e o Pavilhão de Segurança, estão classificados desde 2010, como Conjunto de Interesse Público.
Assim foi apresentada em Março de 2013 a Proposta de alargamento desse Conjunto Patrimonial, com a Classificação de outros imóveis do Hospital, com Memória Justificativa irrefutável em 3 volumes, pelas Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saude Mental, Sociedade Portuguesa de Neurologia, Sociedade Portuguesa de Arte Terapia, Associação Portuguesa de Arte Outsider, pela Cogregação da Missão de S. Vicente de Paulo, por dois dos mais importantes historiadores de arte do país, com declarações de apoio, Prof. Raquel Henriques da Silva e Prof. Vítor Serrão,
Em Julho a Proposta foi também subscrita por Sarah Lombardi, diretora do famoso Museu de Art Brut de Lausanne, Suiça, o melhor e maior do mundo nesta categoria de arte, e de Thomas Roeske, diretor do Museu Prinzhorn, de Heidelberg, e presidente da European Outsider Art Association.
Esta Proposta de Classificação tem sido quase ignorada nos debates e intervenções sobre a Colina de Santana
O Sector Técnico da Direção Geral do Património Cultural emitiu em Julho/Agosto parecer favorável à classificação de todo o Conjunto proposto. Aguarda-se posição definitiva do Conselho Consultivo e decisão da Direção-Geral e da Secretaria de Estado da Cultura.
Quanto ao Museu do Hospital Miguel Bombarda
Fundado em 2004, foi visitado por mais de 25000 pessoas, a maioria estrangeiros, apesar de pouco divulgado, e é membro da Associação Europeia dos Museus de História das Ciências Médicas e da Associação Portuguesa de Museologia. Exibe uma pequena parte do acervo do Hospital.
A manutenção e desenvolvimento do Museu foram recomendadas ao Governo pela Resolução nº 99/2011 da Assembleia da República e recentemente, a 25 de Março, pela Assembleia Municipal de Lisboa.
Não queremos tudo, queremos uma dimensão auto sustentável
A nossa proposta mínima, (das entidades subscritoras da Classificação apresentada em Março de 2013) é a existente desde 2010, apoiada então por prestigiadas personalidades da cultura e ciência, de alargamento e desenvolvimento a breve trecho do Museu Miguel Bombarda para o Edifício Principal, além do Balneário e do Pavilhão de Segurança, de um Museu de Psiquiatria e de Arte de Doentes e Outsider, “in situ”, dinâmico, de turismo cultural, e revitalizador da zona, englobando todo o acervo e os arquivos, com centro de investigação científica, e expondo arte de doentes dos mais de 60 ateliês do país e com intercâmbio internacional. Um museu que constituirá uma destacada mais-valia para a imagem de Portugal no mundo científico e cultural.
Portanto, a Cultura e a Arte para revitalizar a Colina. Será um Museu separado ou autónomo do Museu Geral, preferencialmente no Hospital de S. José, em moldes a definir, com vantagem maior que a soma das partes, sob a égide e apoio do Museu da Saúde (INSA) do Ministério da Saúde.
A reutilização ideal do Complexo do Hoospital Miguel Bombarda seria a criação de um Pólo Cultural, já proposto superiormente, onde, além do Museu, os amplos Edifícios das Enfermarias seriam dedicados a exposições de artes plásticas promovidas pelo Município, que permutaria os terrenos com a Estamo.
Mas outras soluções serão possíveis, incluindo outros parfceiros e entidades, e se mantivermos um diálogo franco, em prol da Cultura portuguesa.
Devemos salientar a recomendação e tendência museológica internacional dos últimos 15 anos, para a fundação de Museus autónomos de Psiquiatria com componente de Arte Outsider, devido à sua especificidade, e com o objectivo (além da educação e fruição) de promover a saúde, ao combater o estigma da doença mental através da informação junto do grande público, e de elevar a auto estima dos doentes.
Salientemos alguns Museus de Psiquiatria recentes:
Museu Ovartaci, Risskov, Dinamarca
Museu Dr. Guislain, Bélgica
Museu Nacional de Psiquiatria, de 2005, Haarlem, Holanda
Museu Laboratório da Mente, de 2008, Roma (prémio do ICOM para melhor museu de Itália 2010)
Museu de Psiquiatria San Servolo, de 2006, Veneza
Museu de Saúde Mental, de 2013, Salem, Estado de Oregon, USA
Museu de Psiquiatria de Wakefield, de 2014, Reino Unido
De salientar alguns imóveis do Hospital:
1.Edifício Principal
Imóvel erguido desde 1720 (na então adquirida Quinta de Rilhafoles) para Casa-Mãe da Congregação da Missão, com uma tipologia sui generis, concebida para as actividades religiosas segundo o ideário de S. Vicente de Paulo, austero, com vasta área destinada aos residentes dos retiros e aos alunos dos seminários, em detrimento da dimensão da Igreja ou da existência de claustros.
Das raras instituições religiosas de Lisboa a resistir incólume ao terramoto de 1755, conserva a quase totalidade das instalações originais, tal como demonstram as plantas de 1835, agora descobertas.
A Congregação da Missão, de S. Vicente de Paulo, contribuiu significativamente para a modernização da Igreja em Portugal, e os seus missionários, saídos de Rilhafoles, substituíram os Jesuítas após 1759, dirigindo as escolas e os seminário em Goa, Macau, e Pequim, garantindo a continuidade do ensino do português e do cristianismo na Ásia. Integra actualmente a Família Vicentina, muito activa no país.
No Edifício Principal destacam-se:
Igreja – em estilo rocaille inicial, de sóbria decoração vegetalista, extremamente singular na arquitectura religiosa em Portugal. mantém a quase totalidade da feição original,
Celeiro e Adega – no lado nascente do edifício, com imponentes arcadas de volta inteira em lioz, e colunas de secção quadrangular
Salão Nobre com azulejaria barroca do século XVIII, inclui painel com cena contínua de 14 metros de extensão
Escadaria em ferro da entrada principal, do Arq. J. M. Nepomuceno
Gabinete onde o Prof. Miguel Bombarda foi assassinado em 3 de Outubro de 1910, por um doente monárquico – o principal testemunho material da Revolução Republicana existente em Portugal, conserva a feição da época, e o retrato do duque de Saldanha com a marca de uma das balas, e lápide.
Sala das Arcadas
Sala do Museu de Arte de Doentes e dos Cursos de Psiquiatria – de 1898, dos primeiros museus do mundo dedicadas à Arte dos Doentes Mentais e Neurológicos, fundado pelo Prof. Miguel Bombarda c.1894, um local de enorme importância histórico-cultural, em termos internacionais. Note-se que só em 1900 se realizou em Londres a primeira exposição de arte de doentes com perturbação psíquica.
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O Pavilhão de Segurança, de 1896, destinado a doentes presos transferidos da penitenciária, da autoria do arquiteto José Maria Nepomuceno, é um belíssimo edifício vanguardista e revolucionário, sem paralelo internacional, que antecede em mais de 30 anos o design e a arquitectura modernista dos anos de 1920-1930, pela nova linguagem de arredondamentos de arestas em bancos e portas, para evitar contusões, e em todo o exterior do Corpo Circular. De referir ainda ser um dos sete edifícios panópticos existentes no mundo, e o único com pátio a descoberto, para os doentes se manterem fora dos quartos durante o dia.
Em 2005-2007, foi meticulosamente restaurado
O Balneário D. Maria II, de 1853, elegante e ao gosto romântico dos utentes da cidade, destinado a banhos terapêuticos para doentes externos e internados, é considerado o melhor da Europa do seu tempo e conserva o equipamento original.
– elegância da arcada com azulejaria de fachada
– Uma das 12 banheiras em pedra lioz, esta para banhos de onda
– Piscina e uma das 2 cabines de duche lateral e vertical
– Tubagem de cobre de cabine
– Banco de cabine
– Tina de mármore para banhos semi-cúpios
2. O Edifício de Enfermarias em poste telefónico (de 1885-1894), é da autoria de José Maria Nepomuceno, o arquitecto do Pavilhão de Segurança.
A investigação revelou que é o primeiro edifício do mundo com racional implantação em poste telefónico (facilitando a circulação de pessoas e materiais), antecedendo o edifício de Fresnes, Paris, de 1898.
Além desta característica revolucionária, e de esteticamente ser um edifício pré modernista, sem decorativismos, segue os celebrados princípios básicos do hospital psiquiátrico ideal, estabelecidos por Esquirol cerca de 1828: de um só piso, proporcionando segurança ao evitar suicídios, e debruçado sobre espaços ajardinados para passeio.
Constitui assim um marco na história da arquitectura psiquiátrica de enfermarias não asilares, pela sua perfeita adequação assistencial.
3. O Edifício de Enfermarias em U (1900-1901), também apresenta notáveis características inovadoras para a época.
Estabelece uma separação clara dos arejados dormitórios, ventilados com chaminés, nas astes do U, face aos espaços de apoio na base do U. Altera assim a disposição tipo Nightingale, possibilitando a vigilância a partir de um dos extremos dos dormitórios. O pavimento é constituído por lajes e vigamentos em betão armado, uma solução construtiva precoce a nível internacional.
4. Telheiro para o Passeio dos Doentes (1894-1895), em madeira, ferro e telha, da autoria do arquitecto J. M. Nepomuceno, é uma construção única no país e rara internacionalmente, de grande dimensão mas elegante e bem integrado na envolvente, representando a humanização proporcionada pelo passeio diário dos doentes nos jardins, ao ar livre.
5. Cozinha (1906), com cobertura piramidal para extracção de fumos, constituída por sofisticada estrutura de 33 esticadores e 33 amarrações, ajustáveis, suportando as cargas, e conferindo estabilidade, quer à cobertura, quer às paredes exteriores mestras.
6. Poço e Tanque da Quinta de Rilhafoles, exemplar muito raro de equipamento de uma quinta, hoje no centro da cidade, utilizados sucessivamente, ao longo dos séculos, nos trabalhos agrícolas da quinta, do convento e do hospital.