Autor: João Miguel Nunes “Rocha”
A geração que está a ser o alvo preferencial do desfecho fatal nesta pandemia, dadas a sua fragilidade e velhice e a incúria da tutela, teve em geral, uma vida difícil e um final medonho.
Nasceram durante – ou pouco depois de – a segunda guerra mundial, numa Europa em ruínas, devastada pelas bombas, pelas chacinas, pelos saques, pelo holocausto, gerados maioritariamente em lares pobres, onde o pão não abundava e a carne, escassa, só em dias de festa e as crianças mal deixavam de gatinhar eram aproveitadas em tarefas cada vez mais complexas; muitas não eram mandadas à escola, apesar de no tempo do Ditador qualquer lugarejo remoto ter uma escola pública e muitas não chegavam à quarta classe e antes da adolescência começavam a trabalhar e a juntar a sua féria ao amanho dos seus, e, aos 18-20 anos eram arrebanhados para o serviço militar e obrigados a ir combater na guerra colonial. Nesse tempo não havia cunha que lhes valesse. Só escapavam os que iam a salto para terras de França, o que pressupunha gordas posses, de onde não podiam regressar, dado o seu crime de deserção e a sua situação de desertores.
Os que iam combater voltavam dois anos e tal depois, envelhecidos, com as sequelas do paludismo ou das doenças tropicais, estropiados, com o stress pós-traumático ou até sãos e eram desembarcados às escondidas e de madrugada no aeroporto da Portela. O Ditador cujas promessas eram escrupulosamente cumpridas, mandou que se lhes contasse esse tempo para efeitos de aposentação, mas em1992, o primeiro ministro de então, pela lei 30-c de 92, carregou-lho de tais ónus e de aberrantes tratamentos desiguais (SS ou CGA) que muitos ex-combatentes desistiram dele e, outros, sujeitaram-se a um miserável esbulho em sessenta “suaves” prestações, geralmente em vão, porque entretanto, muitos, foram abrangidos pelas alterações unilaterais e retroactivas da idade da aposentação, legisladas entretanto. Nessa altura foi também promulgada outra lei que mandava contar para aposentação e sem encargos, os tempos de clandestinidade e ou deserção alegadamente por motivos políticos; isto é, os que combateram pela pátria foram esbulhados do tempo ou do pecúlio e aos que fugiram contou-se-lhes o tempo, sem custos, isto apesar do provedor de justiça (Menéres Pimentel) ter feito várias recomendações, não só ao governo de então, mas aos que se lhes seguiram, contra a injustiça, estas, não foram acatadas…
Não admira, pois, que queiram denegrir ou até apagar o nosso passado colonial, já que na classe política os ex-combatentes sempre foram notoriamente escassos e o 25 de Abril não foi feito por esta gente que nos tem governado, mas aproveitado ela.
No tempo de Salazar, ser “contra” implicava a clandestinidade, a denúncia pelos bufos, a tortura pela PIDE, a prisão, o Tarrafal e até a morte e salvo a honrosa excepção dos comunistas, não me ocorre que existissem outros partidos em Portugal o que contrasta com a fartura que agora há, com intenções interesseiras de abastança fácil, muito, muito frequentemente.
Com a democracia fugaz, a breve trecho adulterada, os poderes visíveis passaram a ser geridos por poderes ocultos, e a nossa adesão à União Europeia degenerou, num ápice, na perda da nossa soberania e numa subserviência que envergonha muitos de nós e, apesar da esmola soberba de 10 milhões de euros por dia, ininterruptamente há 34 anos, (fora as bazucas), continuamos pobres e em declínio para uma miséria de Job, porque de todo o dinheiro recebido só se consubstanciaram em obras: as autoestradas, onde se paga por passar e por não passar; a expo, onde um dos pavilhões mais emblemáticos foi cedido por tuta e meia… os campos de futebol vazios e os aeroportos onde não aterram aviões; quase todo o resto desapareceu em bolsos mais fundos que a fossa das Marianas, e, não aproveitaram aos cidadãos, que se vêm confrontados com uma dívida crescente e uma perda de direitos e de serviços públicos, galopante, de que o nosso SNS, em estado de agonia que mete dó e gera desconfiança, é um dos mais tristes exemplos. Acresce dizer, que na minha opinião, cada dádiva, vem sempre com uma imposição que nos empurra cada vez mais para um servilismo de “mainatos”, que nos aproxima e que nos ata ao nosso destino de coutada de férias e de serviços, a preços irrisórios…
A perspectiva da morte é sempre medonha, mas acompanhada por médicos e outros profissionais, que nos apaziguassem a dor e o medo e nos acompanhassem até ao fim, como sucedeu no breve apogeu do SNS, ganhava outra dimensão, que a dulcificava, mas voltámos ao tempo em que a morte sem apoios adequados era a regra e, só se vislumbra no futuro, o tratamento, pago com filões de ouro (cuidados paliativos privados) ou o “sumozinho envenenado”, e o “doutor morte”, que nos faz gelar o sangue de terror, como o Alma Grande, o “abafador” do conto de Miguel Torga.
E, como carneiros encurralados, vamos permitindo que esta gente faça de nós parvos, confinando-nos e desconfinando-nos a seu belo prazer, sem cumprir com a sua quota-parte, nem com o seu exemplo e, que os nossos velhos dos lares, durante mais de um ano aprisionados, sem poderem conviver ou despedir-se dos seus, tenham sido e sejam, muitos deles tratados, por pessoal a quem não foi administrada a vacina ou que a recusaram, mantendo mesmo assim os postos de trabalho, não se salvaguardando os gerontes, como seria de esperar num estado que se assume, “de direito”…
Talvez haja a patriótica pretensão de se acabar, não com o Covide, mas com a “peste grisalha”, e com os pequenos comércios e negócios geridos por portugueses, para que os “hipers” floresçam.